quinta-feira, 13 de agosto de 2015
Tema: Teologia
SALVAÇÃO
ELEITOS
A doutrina bíblica da ELEIÇÃO ensina que Deus escolheu um número definido de indivíduos para obter salvação mediante a fé em Cristo. As identidades exatas dessas pessoas foram determinadas e são inalteráveis. Deus elegeu tais indivíduos sem qualquer consideração por suas decisões, ações e outras condições neles, mas a base de sua opção foi somente seu querer. Ele as escolheu para a salvação tão somente porque quis escolhê-los, e não porque ele previu qualquer coisa que eles fossem decidir ou fazer.
Ainda que eu vá mais completamente discutir a doutrina da eleição e responder a várias objeções na presente seção, já tenho estado explicando e defendendo a doutrina através deste livro, e todos os argumentos em apoio à absoluta soberania e à eleição divinas que haviam aparecido nos capítulos anteriores também se aplicam a esta seção. Lembrando isso, a necessidade de repetição será reduzida.
Nossa primeira passagem bíblica vem de Romanos 9. Ainda que o Israel nacional fosse supostamente a nação escolhida de Deus, a maioria de seu povo tinha rejeitado a Cristo, e assim foram tirados da salvação. Isso significa que a promessa divina para com Israel havia falhado? Paulo resolve essa questão em sua carta aos romanos: Não pensemos que a palavra de Deus falhou. Pois nem todos os descendentes de Israel são Israel. Nem por serem descendentes de Abraão passaram todos a ser filhos de Abraão. Ao contrário: “Por meio de Isaque a sua descendência será considerada”. Noutras palavras, não são os filhos naturais que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa é que são considerados descendência de Abraão. Pois foi assim que a promessa foi feita: “No tempo devido virei novamente, e Sara terá um filho.” (Romanos 9.6-9)
Ainda que “Israel” fosse a nação escolhida por Deus, nem todos os israelitas de nascimento natural eram israelitas genuínos. Deus nunca fez a promessa de salvação ao Israel nacional, mas somente aos verdadeiros descendentes de Abraão, que constituem o Israel espiritual. Quando seus adversários alegavam ser descendentes de Abraão, Jesus respondia: “Se vocês fossem filhos de Abraão, fariam as obras que Abraão fez. Mas vocês estão procurando matar-me, sendo que eu lhes falei a verdade que ouvi de Deus; Abraão não agiu assim” (João 8.38-40). Ainda que tais pessoas fossem descendentes naturais de Abraão, Jesus disse que eles não eram de fato filhos dele, mas que tinham por pai o diabo (v. 44).
Por outro lado, Paulo escreve: “Se vocês são de Cristo, são descendência de Abraão e herdeiros segundo a promessa” (Gálatas 3.29). Aqueles que tem a fé de Abraão são seus genuínos filhos (Romanos 4.16). A promessa divina foi feita aos descendentes espirituais de Abraão, não aos naturais. Naturalmente, esses últimos que creem em Cristo são também seus descendentes espirituais e, assim, também herdeiros da promessa, mas herdeiros somente devido à sua herança espiritual e não à natural. Paulo então cita o exemplo de Jacó e Esaú:
E esse não foi o único caso; também os filhos de Rebeca tiveram um mesmo pai, nosso pai Isaque. Todavia, antes que os gêmeos nascessem ou fizessem qualquer coisa boa ou má — a fim de que o propósito de Deus conforme a eleição permanecesse, não por obras, mas por aquele que chama — foi dito a ela: “O mais velho servirá ao mais novo”. Como está escrito: “Amei Jacó, mas rejeitei Esaú.” (Romanos 9.10-13).
Ainda que tanto Jacó quanto Esaú fossem descendentes naturais de Isaque, Deus os tratou diferentemente, ao favorecer o mais novo em detrimento do mais velho. Tal decisão não foi baseada em “qualquer coisa boa ou má” que tivessem feito, mas foi para que “o propósito de Deus conforme a eleição permanecesse.” A escolha foi incondicional, significando que não foi “por obras, mas por aquele que chama.” Jacó foi favorecido devido à soberana vontade de Deus, não por algo que tivesse feito ou fosse fazer; a escolha divina foi completamente independentemente de qualquer condição em Jacó. Como diz o versículo 15: “Terei misericórdia de quem eu quiser ter misericórdia e terei compaixão de quem eu quiser ter compaixão.” O verso 16 expressa a condição necessária: “Portanto, isso não depende do desejo ou do esforço humano, mas da misericórdia de Deus”. Paulo diz que Deus nos salvou “por causa da sua própria determinação e graça,” não devido a qualquer condição que ele viu em nós, e ele nos deu essa graça salvífica “desde os tempos eternos” (2 Timóteo 1.9). Ele “nos predestinou”, escreve Paulo, “conforme o bom propósito da sua vontade” (Efésios 1.5), não devido ao que ele soubesse que iríamos decidir ou fazer. Somos “chamados de acordo com o seu propósito” (Romanos 8.28). Aos tessalonicenses, Paulo escreve: “Ele os escolheu [a vocês]” (1 Tessalonicenses 1.4), e não: “Vocês o escolheram”. Ele repete isso em sua próxima carta a eles e diz: “Deus os escolheu [a vocês] para serem salvos” (2 Tessalonicenses 2.13), e não: “Vocês escolheram a si próprios para serem salvos.” A eleição não depende das decisões ou ações do homem, mas da misericórdia divina que é dispensada por sua vontade soberana somente. Jesus diz em João 6.37,44: Todo aquele que o Pai me der virá a mim, e quem vier a mim eu jamais rejeitarei. Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, não o atrair; e eu o ressuscitarei no último dia. O versículo 37 diz que todos os que são pelo Pai dados a Jesus virão a esse, e o 44 exclui todos os demais de vir a Jesus. Ou seja, serão salvos todos a quem o Pai lhe dá (v. 37), e ninguém que o Pai não dê a Jesus será salvo (v. 44). Visto que outras passagens bíblicas indicam que nem todos serão salvos, segue-se necessariamente que o Pai não dá toda pessoa a Jesus para ser salva.
A palavra traduzida por “atrair” no versículo 44 também quer dizer “arrastar”, “puxar” ou até “forçar”, de modo que pode ser lido: “Ninguém pode vir a mim a não ser que o Pai que me enviou o arraste, o puxe e o force.” Por exemplo, a palavra é traduzida por “arrastaram” e “arrastam” na NVI nos seguintes versículos: Percebendo que a sua esperança de lucro tinha se acabado, os donos da escrava agarraram Paulo e Silas e os arrastaram para a praça principal, diante das autoridades. (Atos 16.19) Toda a cidade ficou alvoroçada, e juntou-se uma multidão. Agarrando Paulo, arrastaram-no para fora do templo, e imediatamente as portas foram fechadas. (Atos 21.30) Mas vocês têm desprezado o pobre. Não são os ricos que oprimem vocês? Não são eles os que os arrastam para os tribunais? (Tiago 2.6). Tendo em mente a total depravação do homem (Romanos 3.10-12,23), que está espiritualmente morto e não pode responder a ou mesmo requisitar qualquer assistência, Jesus está dizendo que ninguém pode ter fé nele a menos que seja escolhido e compelido pelo Pai. Visto que a fé em Cristo é o único caminho para a salvação (Atos 4.12), e visto que é o Pai apenas e não os próprios indivíduos humanos quem escolhe aqueles que virão a Cristo, segue-se que é o Pai que elege quem receberá salvação, e não os indivíduos humanos mesmos.
Jesus repete esse ensino em João 6.63-66: O Espírito dá vida; a carne não produz nada que se aproveite. As palavras que eu lhes disse são espírito e vida. Contudo, há alguns de vocês que não creem”.
Pois Jesus sabia desde o princípio quais deles não criam e quem o iria trair. E prosseguiu: “É por isso que eu lhes disse que ninguém pode vir a mim, a não ser que isto lhe seja dado pelo Pai”. Daquela hora em diante, muitos dos seus discípulos voltaram atrás e deixaram de segui-lo.
Ninguém pode vir a Jesus a não ser que lhe seja dado pelo Pai; ou seja, ninguém tem a faculdade de aceitar Jesus se o Pai não lha der. Essa mesma passagem mostra que o segundo não dá tal capacidade a todos, visto que muitos deles não creem e que “muitos dos seus discípulos voltaram atrás e deixaram de segui-lo”. Jesus diz a seus discípulos: “Vocês não me escolheram, mas eu os escolhi” (João 15.16; também v. 19). Diz que “ninguém conhece o Pai a não ser o Filho e aqueles a quem o Filho o quiser revelar” (Mateus 11.27). E, em Mateus 22.14, que “muitos são chamados, mas poucos são escolhidos”, não que “muitos são convidados, mas poucos. “E quem, neste mundo de morte e pecado, não digo meramente querer, mas que pode querer o bem? Não é sempre verdade que uvas não são colhidas de espinheiros, nem figos dos cardos; que é somente a boa árvore que produz bom fruto enquanto que a má, sempre e em todo lugar, só fruto mau? ...É inútil conversar sobre salvação sendo a favor do ‘todos que a quiserem’ num mundo em que o ‘não a quero’ é universal”; Jesus contradiz a suposição comum de que responsabilidade pressupõe capacidade — isto é, que se alguém é incapaz de aceitar o evangelho, então ele não deve ser censurado por rejeitá-lo. Contudo, ele diz que todos os seres humanos são incapazes disso a menos que capacitadas por Deus, mas todos os que recusam o Evangelho serão também punidos por sua incredulidade. Deste modo, a responsabilidade não pressupõem capacidade. Discutiremos isso mais adiante no texto. aceitam o convite.” Isto é, muitos podem ouvir a pregação do evangelho, mas apenas aqueles “designados para a vida eterna” (Atos 13.48) podem e vão crer. Os eleitos são aqueles “por ele [Deus] escolhidos” (Marcos 13.20). Os crentes foram “escolhido[s] pela graça” (Romanos 11.5), e são eles “os que pela graça haviam crido” (Atos 18.27). Assim, não se pode eleger a si mesmo para a salvação aceitando a Cristo, mas recebe-se salvação aceitando a ele porque Deus escolhe primeiro. A fé não é a causa da eleição, mas a eleição é a causa da fé. Cremos em Cristo porque Deus primeiro nos elegeu para sermos salvos e então nos levou a acreditar naquele. Somos salvos porque Deus nos escolheu, não porque o escolhemos. A seguir, uma lista de várias passagens bíblicas relevantes para a doutrina da eleição, incluindo citações mais completas daquelas passagens que estão citadas apenas parcialmente acima. Algumas dessas passagens são também relevantes para os outros tópicos que discutiremos posteriormente neste capítulo:
Como são felizes aqueles que escolhes e trazes a ti, para viverem nos teus átrios! Transbordamos de bênçãos da tua casa, do teu santo templo! (Salmo 65.4)
Todas as coisas me foram entregues por meu Pai. Ninguém conhece o Filho a não ser o Pai, e ninguém conhece o Pai a não ser o Filho e aqueles a quem o Filho o quiser revelar. (Mateus 11.27)
Pois muitos são chamados, mas poucos são escolhidos. (Mateus 22.14)
Se o Senhor não tivesse abreviado tais dias, ninguém sobreviveria. Mas, por causa dos eleitos por ele escolhidos, ele os abreviou. (Marcos 13.20)
Vocês não me escolheram, mas eu os escolhi para irem e darem fruto, fruto que permaneça, a fim de que o Pai lhes conceda o que pedirem em meu nome. (João 15.16)
Se vocês pertencessem ao mundo, ele os amaria como se fossem dele. Todavia, vocês não são do mundo, mas eu os escolhi, tirando-os do mundo; por isso o mundo os odeia. (João 15.19)
Ouvindo isso, os gentios alegraram-se e bendisseram a palavra do Senhor; e creram todos os que haviam sido designados para a vida eterna. (Atos 13.48)
Querendo ele [Apolo] ir para a Acaia, os irmãos o encorajaram e escreveram
aos discípulos que o recebessem. Ao chegar, ele auxiliou muito os que pela
graça haviam crido. (Atos 18.27)
Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam,
dos que foram chamados de acordo com o seu propósito. (Romanos 8.28)
E Isaías diz ousadamente: “Fui achado por aqueles que não me procuravam;
revelei-me àqueles que não perguntavam por mim”. (Romanos 10.20)
E qual foi a resposta divina? “Reservei para mim sete mil homens que não
dobraram os joelhos diante de Baal.” Assim, hoje também há um
remanescente escolhido pela graça. E, se é pela graça, já não é mais pelas
obras; se fosse, a graça já não seria graça. Que dizer então? Israel não
conseguiu aquilo que tanto buscava, mas os eleitos o obtiveram. Os demais
foram endurecidos, como está escrito: “Deus lhes deu um espírito de
atordoamento, olhos para não ver e ouvidos para não ouvir, até o dia de hoje.”
(Romanos 11.4-8)
Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos
e irrepreensíveis em sua presença. Em amor nos predestinou para sermos
adotados como filhos, por meio de Jesus Cristo, conforme o bom propósito da
sua vontade, para o louvor da sua gloriosa graça, a qual nos deu gratuitamente
no Amado. (Efésios 1.4-6)
Nele fomos também escolhidos, tendo sido predestinados conforme o plano
daquele que faz todas as coisas segundo o propósito da sua vontade, a fim de
que nós, os que primeiro esperamos em Cristo, sejamos para o louvor da sua
glória. (Efésios 1.11,12)
Porque somos criação de Deus realizada em Cristo Jesus para fazermos boas
obras, as quais Deus preparou antes para nós as praticarmos. (Efésios 2.10)
Pois a vocês foi dado o privilégio de não apenas crer em Cristo, mas também
de sofrer por ele, já que estão passando pelo mesmo combate que me viram
enfrentar e agora ouvem que ainda enfrento. (Filipenses 1.29,30)
Assim, meus amados, como sempre vocês obedeceram, não apenas na minha presença, porém muito mais agora na minha ausência, ponham em ação a salvação de vocês com temor e tremor, pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele. (Filipenses 2.12,13)
Sabemos, irmãos, amados de Deus, que ele os escolheu porque o nosso evangelho não chegou a vocês somente em palavra, mas também em poder, no Espírito Santo e em plena convicção. Vocês sabem como procedemos entre vocês, em seu favor. (1 Tessalonicenses 1.4,5)
Porque Deus não nos destinou para a ira, mas para recebermos a salvação por meio de nosso Senhor Jesus Cristo. (1 Tessalonicenses 5.9)
Mas nós devemos sempre dar graças a Deus por vocês, irmãos amados pelo Senhor, porque desde o princípio Deus os escolheu para serem salvos mediante a obra santificadora do Espírito e a fé na verdade. (2 Tessalonicenses 2.13)
Portanto, não se envergonhe de testemunhar do Senhor, nem de mim, que sou prisioneiro dele, mas suporte comigo os meus sofrimentos pelo evangelho, segundo o poder de Deus, que nos salvou e nos chamou com uma santa vocação, não em virtude das nossas obras, mas por causa da sua própria determinação e graça. Esta graça nos foi dada em Cristo Jesus desde os tempos eternos, sendo agora revelada pela manifestação de nosso Salvador, Cristo Jesus. Ele tornou inoperante a morte e trouxe à luz a vida e a imortalidade por meio do evangelho. (2 Timóteo 1.8-10)
Vocês, porém, são geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de Deus, para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz. (1 Pedro 2.9)
A besta que você viu, era e já não é. Ela está para subir do Abismo e caminha para a perdição. Os habitantes da terra, cujos nomes não foram escritos no livro da vida desde a criação do mundo, ficarão admirados quando virem a besta, porque ela era, agora não é, e entretanto virá. (Apocalipse 17.8)
Guerrearão contra o Cordeiro, mas o Cordeiro os vencerá, pois é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; e vencerão com ele os seus chamados, escolhidos e fiéis. (Apocalipse 17.14)
A Bíblia não pinta a humanidade como um grupo de pessoas se afogando no mar do pecado, e que seriam resgatados tantos quanto queiram cooperar com Cristo. Antes, traz a figura na qual todos os seres humanos estão mortos na água (Efésios 2.1; Romanos 3.10), e que afundaram todos rumo ao fundo (Jeremias 17.9). Visto estarem mortos, são incapazes de cooperar com qualquer assistência, ou mesmo de requerê-la.
Na verdade, não prefeririam ser resgatados se deixados a si mesmos (Romanos 8.7; Colossenses 1.21). Contra uma tal situação, o Pai escolheu alguns para serem salvos por Cristo (2 Tessalonicenses 2.13; Efésios 1.4,5) arrastando-os para fora da água (João 6.44,65), meramente por sua própria iniciativa (Romanos 9.15). Tendo assim agido, ele os ressuscita dos mortos para nova vida em Cristo (Lucas 15.24; Romanos 6.13).
A doutrina bíblica da eleição ensina que ainda que todos os seres humanos mereçam o tormento sem fim no inferno devido aos pecados seus, Deus preferiu mostrar misericórdia para com alguns deles. Ele os elegeu antes da criação do universo e da queda do homem, e o fez sem levar em consideração de qualquer condição neles, seja boa ou má. Tendo elegido alguns para salvação, enviou Cristo para morrer como
pagamento completo por seus pecados, de modo que Deus pode creditar a justiça merecida por esse para eles quando vêm a Cristo. Por outro lado, aqueles que não foram eleitos para a salvação são designados para a condenação eterna, e receberão a punição apropriada por seus pecados, a qual é o tormento sem fim no inferno. Responderemos agora a várias objeções. Isso também nos dá a oportunidade de
aclarar e expandir certos aspectos de tal doutrina. Muitos daqueles que se recusam a aceitar o ponto de vista bíblico da eleição asseveram que Deus de fato escolheu alguns para salvação, mas a base para tal
escolha foi seu CONHECIMENTO ANTECIPADO. Isto é, ele sabia de antemão quais indivíduos livremente aceitariam Cristo, e sobre essa base ele os elegeu. Tal opinião antibíblica destrói o significado de eleição, visto querer dizer que Deus não elege as pessoas para a salvação em absoluto, mas que simplesmente aceita as escolhas daqueles que a si mesmo escolheram para salvação. Quando a locução “conhecimento antecipado” é usada da maneira acima, está se referindo à percepção cognitiva divina dos fatos futuros, tais como as decisões e as ações dos indivíduos. Desse modo, os proponentes desse ponto de vista definem o conhecimento divino antecipado como presciência. Além disso, fica suposto que tal
conhecimento é passivo, de modo que não é Deus que causa os eventos futuros que ele sabe, mas que ele passivamente entende o que suas criaturas farão acontecer. No trecho seguinte, estarei mostrando que definir “conhecimento antecipado” como presciência passiva gera problemas insuperáveis, e que o termo significa algo diferente na Bíblia.
Primeiramente, já expusemos que todo ser humano é em si mesmo tanto incapaz quanto nada disposto a vir a Cristo para salvação; uma pessoa pode e vai vir a Cristo somente se o Pai a capacitar e a compelir a assim fazer (João 6.44,65). Provamos ainda que o Pai não capacita nem compele todo ser humano a vir a Cristo. Isso significa que uma pessoa vem a Cristo somente porque o Pai o leva a assim agir. Visto que isso é verdadeiro, então dizer que a eleição é baseada na presciência divina das decisões futuras do homem é somente dizer que Deus conhece quem ele mesmo fará com que aceite Cristo, e que tal presciência não seria passiva. Se Deus elege uma pessoa porque sabe que essa aceitará Cristo, mas se tal pessoa aceitá-lo somente, porque Deus a levará a isso, então dizer que Deus sabe que ela o fará é o mesmo que
dizer que ele sabe que levará essa pessoa a aceitar Cristo. A eleição divina dela, então,
ainda está baseada em sua decisão soberana de elegê-la para a salvação, e não num conhecimento antecipado passivo de que ela aceitará Cristo sem que Deus a leve a assim fazer.
Isso é o que a Bíblia ensina, mas então significa que a presciência divina não é um conhecimento passivo do que uma pessoa decidirá ou executará, mas que é um conhecimento do que Deus a levará a decidir ou executar. A presciência divina é uma forma do autoconhecimento de Deus — um conhecimento dos seus próprios planos, e um conhecimento do que ele realizará no futuro. Portanto, dizer que a eleição é
baseada na presciência não desafia nossa posição absolutamente, visto que o conhecimento divino do futuro nunca é passivo, mas é ele mesmo que causa todas as coisas que ele sabe que acontecerá no futuro (Isaías 46.10).
Em segundo lugar, a Bíblia declara que a eleição divina não está baseada nas decisões ou ações do homem, que Deus não elege alguns para a salvação devido ao que essa pessoa decidirá ou fará.
Pois ele diz a Moisés: “Farei misericórdia a quem eu fizer misericórdia, e terei piedade de quem eu tiver piedade.” Não depende, portanto, daquele que quer, nem daquele que corre, mas de Deus que faz misericórdia... De modo que ele faz misericórdia a quem quer e endurece ele quer. (Romanos 9.15-16, 18; Bíblia de Jerusalém).
A eleição divina não é baseada numa presciência passiva, e, em primeiro lugar, a
presciência divina não é passiva. Deus escolhe uma pessoa porque quer escolher
aquela pessoa, e sabe que ela crerá no evangelho por saber quem ele fará crer no
evangelho.
Em terceiro lugar, definir o conhecimento divino antecipado como presciência passiva, na verdade, não logra fazer sentido com as passagens bíblicas que dizem que a eleição divina é baseada em conhecimento antecipado: Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou. (Romanos 8.29,30)
Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos eleitos de Deus, peregrinos dispersos no Ponto, na Galácia, na Capadócia, na província da Ásia e na Bitínia, escolhidos de acordo com o pré-conhecimento de Deus Pai, pela obra santificadora do Espírito, para a obediência a Jesus Cristo e a aspersão do seu sangue: Graça e
paz lhes sejam multiplicadas. (1 Pedro 1.1,2)
Nossos adversários interpretariam essas duas passagens como dizendo que a eleição divina está baseada em conhecimento antecipado no sentido de presciência passiva; isto é, Deus escolhe aqueles a quem ele passivamente sabia que aceitaria Cristo.Ora, a estrutura de Romanos 8.29,30 necessariamente implica que todos os indivíduos incluídos numa fase da ordem de salvação também entrariam em todas as fases
subseqüentes, e que todos os indivíduos em qualquer fase da ordem de salvação estão também incluídos em todas as fases anteriores. Desse modo, todos aqueles de antemão conhecidos foram também predestinados; todos aqueles predestinados são também chamados; todos aqueles chamados são também justificados; e todos aqueles justificados são também glorificados.
Michael Magill traduz a passagem como segue:
Porque a quem Ele conheceu de antemão, [os tais] Ele também predestinou...
E a quem Ele predestinou, os tais Ele também chamou
E a quem Ele chamou, aos tais Ele também declarou justos
E a quem Ele declarou justo, aos tais Ele também glorificou
Logo, seja o que for que o conhecimento antecipado queira dizer, todos os que são conhecidos de antemão por Deus são também por ele justificados. Entretanto, a passagem não diz que é a fé ou as escolhas das pessoas que são antecipadamente conhecidas por Deus, mas sim as pessoas. Nossos adversários assumem que o conhecimento de antemão significa presciência nessa passagem. Mas visto serem as pessoas que são conhecidas antecipadamente, visto ser o conhecimento divino do futuro exaustivo, e visto que todos os que são de antemão conhecidos são também justificados, então necessariamente segue que se alguém define conhecimento de antemão como presciência nessa passagem, deve ele também entenda-lo como ensinando a salvação universal. Ou seja, se conhecimento de antemão aqui se refere àquele de Deus sobre os fatos
futuros (especialmente uma presciência passiva), se é ele aplicado a pessoas nesta passagem e não à sua fé ou às suas escolhas, se Deus sabe sobre todos os seres humanos, e se todos os que são conhecidos por antecipação são justificados, então todos os seres humanos são também justificados; por conseguinte, o conhecimento de antemão quando relacionado à divina eleição, e quando usado nesta passagem em
particular, não pode querer dizer presciência (especialmente uma de tipo passivo). O conhecimento antecipado deve significar alguma coisa a mais. Provaremos que, em um contexto salvífico, o “conhecimento” divino faz alusão a sua soberana escolha e afeição propositada por pessoas e não à sua percepção passiva dos fatos. Por exemplo, Mateus 7.23 diz: “Então eu lhes direi claramente: Nunca os
conheci. Afastem-se de mim vocês, que praticam o mal!” Visto Jesus como Deus é onisciente, “nunca os conheci” não pode significar que ele nunca tivesse estado a par da existência, dos pensamentos e das ações dessas pessoas. Na verdade, ele sabe que “praticam o mal.” Portanto, a negação do “conhecimento” aqui é uma negação de uma relação salvífica, e não uma percepção passiva dos fatos. Em conseqüência,
“conhecimento de antemão” referir-se-ia a um relacionamento salvífico estabelecido na mente divina antes da existência dos indivíduos eleitos; ou seja, quer dizer ordenar de antemão. Muitas passagens bíblicas empregam o conceito de antemão neste sentido. Por exemplo, Deus diz a Jeremias*: “Antes mesmo de te formar no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei. Eu te constituí profeta para as nações.” Naturalmente Deus conheceria uma pessoa a quem ele mesmo se propôs criar; isto é, Deus conhece seus próprios planos. O principal sentido aqui é que antes que Jeremias fosse concebido, Deus o escolheu — não que Deus se agradou com o que passivamente soube acerca de Jeremias, mas que ele o designou e o fez. O conhecimento divino antecipado como eleição e ordenação de antemão fica mais
evidente pelo paralelismo das linhas neste versículo. Quando uma linha ou expressão é posta em paralelo com uma outra linha ou expressão em um versículo, uma parte expande ou esclarece o significado da outra. Por exemplo, “pois foi ele quem fundoua sobre os mares e firmou-a sobre as águas” não necessariamente quer dizer que além de haver fundado-a “sobre as águas”, ele também “firmou-a” sobre essas. Antes,
“firmou-a sobre as águas” porta um significado similar a “fundou-a sobre os mares”, e ajuda a esclarecê-lo. Um outro exemplo vem da Oração Dominical, onde Jesus diz: “Não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal” (Mateus 6.13). Não é que devemos pedir a Deus para livrar-nos “do mal” além de não nos deixar “cair em tentação”, mas que “livra-nos do mal” é o que significa “não nos deixe cair em
tentação”. Com isso em mente, o paralelismo na chamada divina de Jeremias ajuda-nos a aclarar
o significado de “eu te conheci.” Repetindo, Jeremias 1.5 diz: “Antes mesmo de te formar no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei. Eu te constituí profeta para as nações.” Ou então, podemos traduzir assim o versículo: Eu te conheci antes que te formasse no útero,
Eu te consagrei antes que tivesses nascido; Eu te constituí um profeta às nações. As palavras “eu te conheci” corresponde a “eu te consagrei” e “eu te constituí,” e as três expressões carregam significados similares. Pois Deus conhecer Jeremias no sentido aqui proposto é consagrá-lo e constituí-lo para o próprio propósito divino. S. M. Baugh também usa essa passagem para ilustrar o sentido do conhecimento antecipado de Deus, e escreve:
Um outro exemplo notável do conhecimento divino de antemão está expresso em Jeremias 1.5, onde Deus diz a Jeremias: Eu te conheci antes mesmo de te formar no ventre materno, Eu te consagrei antes que saísses do seio. Eu te constituí profeta para as nações. As primeiras duas linhas são estritamente paralelas no número de sílabas e na ordem das palavras...
Mas como pôde Deus ter conhecido Jeremias antes mesmo de concebido?
Porque ele pessoalmente formou seu profeta, como a Adão do pó (Gn 2.7), e todas as pessoas (Sl 139.13-16; Is 44.24). Deus soube de antemão não apenas a possibilidade da existência de Jeremias — de fato ele conhece todas as possibilidades — mas o conheceu por nome antes de ser concebido, pois sabia
como ele formaria e moldaria sua existência. 10 Huey escreve: “Aqui está envolvida um relacionamento de escolha (Gn 18.19; Dt 34.10). O Senhor estava pensando acerca de Jeremias antes desse nascer. Naquele
tempo Deus já o tinha designado para ser um profeta”.
O ponto é que o conhecimento antecipado de Deus refere-se a um relacionamento pessoal originado por sua soberana decisão, e não por uma passiva percepção das futuras pessoas e eventos. Visto que nada ocorre fora de seu decreto ativo (Mateus 10.29), seu conhecimento do futuro está arraigado em sua vontade soberana. O Evangelical Dictionary of Theology diz: “O conhecimento divino de antemão permanece relacionado ao seu querer e poder. O que ele sabe, ele não o sabe meramente como informação. Ele não é mero espectador. O que ele antecipadamente conhece, ordena. Ele o quer”. 12
No Dictionary of Paul and His Letters, J. M. Gundry-Volf escreve: Em vez de se referir a conhecimento especulativo ou neutro (i.e., conhecimento de quem acreditará), a noção paulina do conhecimento divino
antecipado é entendida por muitos intérpretes como um saber no sentido semítico de reconhecer, ter propensão a alguém, conhecimento o qual expressa um movimento do querer estendendo a mão para o relacionamento pessoal com alguém. Tal espécie de conhecimento é ilustrado pelo significado do
hebraico yada, “conhecer,” em textos como os de Amós 3.2; Oséias 13.5; e Jeremias 1.5... No emprego que Paulo faz de proginosko o aspecto de prétemporalidade adiciona-se ao sentido hebraico de “conhecer” como “ter consideração por” ou “favorecer a.” O resultado é um verbo que alude à eterna eleição do amor divino. O artigo sobre conhecimento antecipado em The International Standard Bible Encyclopedia ajuda a reforçar vários pontos que estamos discutindo:
A teologia arminiana, em todas as suas variantes, propugna que o conhecimento antecipado de Deus é simplesmente um conhecimento presciente, um saber de antemão se uma dada pessoa crerá em Cristo ou rejeita-lo-á. A eleição divina, portanto, diz-se ser simplesmente a escolha de Deus para a salvação daqueles que Ele sabe antecipadamente que preferirão crer em Cristo. Ele prevê a ação livre contingente da fé e, prevendo quem crerá em Cristo, elege-os porque eles assim o fazem. Mas isso destrói o ponto de vista bíblico da eleição. No pensamento bíblico a eleição significa
que Deus elege pessoas, não que elas o elegem. Na Escritura é Deus que em Cristo decide por nós — não nós que, fazendo uma decisão por Cristo, decidimos por Deus.
A teologia reformada propugna que o conhecimento divino antecipado contém o ingrediente da determinação divina. Os reformadores sustentavam que de fato Deus sabe de antemão quem crerá, porque crer em Cristo não é uma realização pessoal, mas um dom divino comunicado aos homens pela graça divina e pelo Espírito. Desse modo, esse conhecimento antecipado não é meramente presciência, mas um conhecimento que por si mesmo determina o evento. Ou seja, no pensamento reformado o que Deus sabe por antecipação, ele ordena de antemão...
Que o conhecimento antecipado divino contenha a idéia da determinação divina não repousa meramente em uns poucos textos bíblicos, mas reflete uma verdade acerca de Deus que vem a expressar-se numa variedade de conceitos bíblicos descritivos do caráter misterioso e singular das ações divinas. Esse
conhecimento é por si próprio uma forma de determinação que explica a realidade daquilo que é divinamente sabido de antemão...
Assim, é um engano definir conhecimento antecipado como presciência passiva, porque a Bíblia quer dizer algo mais com esse termo. Agora que esclarecemos o significado de conhecimento antecipado, devemos aplicar a definição correta à passagem em disputa, que lemos:
Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou. (Romanos 8.29,30)
A respeito dessa passagem, Baugh escreve:
A interpretação armininana clássica de Romanos 8.29, que o conhecimento antecipado de Deus da fé é que está em vista, está claramente lendo a própria teologia no texto. Paulo não diz: “cuja fé ele soube antecipadamente,” mas “quem ele conheceu de antemão.” Ele nos conheceu antecipadamente...
Porém, em Romanos 8.29, a predestinação não depende da fé; antes, Deus nos predestina sobre a base de seu gracioso compromisso para conosco antes que houvesse o mundo...
Talvez uma outra tradução expresse melhor o conceito por trás de Romanos 8.29: “Aqueles a quem ele previamente se devotou...” Repetindo, isso não é dizer que o conhecimento antecipado de Deus está vazio da cognição intelectual; ter uma relação pessoal com alguém, como uma relação
marital, inclui conhecimento acerca daquela pessoa... Deus nos conheceu de antemão porque moldou a cada um de nós pessoal e intimamente de acordo com seu plano...
Que Paulo se refere a esse conceito de um relacionamento com compromisso na frase a quem ele de antemão conheceu em Romanos 8.29 é confirmado pelo contexto...
Confirmação adicional de “conhecimento de antemão” em Romanos 8.29 como aludindo a um compromisso prévio é encontrado em uma passagem próxima, Romanos 11.1,2, onde proginosko só pode ter esse sentido: “Deus não rejeitou seu povo, rejeitou? De jeito nenhum! Pois eu também sou um israelita... Deus não rejeitou seu povo a quem dantes conheceu”. Como em Romanos 8.29, o objeto do conhecimento antecipado são as pessoas mesmas em vez de eventos históricos a fé de uma pessoa em particular...
A noção arminiana de “fé prevista” é impossível como interpretação do conhecimento antecipado em Romanos 11.1,2 e, por conseguinte, na passagem anterior, Romanos 8.29, também o é. A última explica que Deus iniciou uma relação de compromisso desde a eternidade com certos indivíduos a quem predestinou por graça.
F. F. Bruce concorda, dizendo que “o conhecimento divino antecipado aqui tem a conotação de ser a graça eletiva freqüentemente subentendida pelo verbo ‘conhecer’ no Antigo Testamento. Quando Deus tem conhecimento das pessoas dessa maneira especial, ele põe sobre elas sua preferência.”
Douglas Moo também defende que conhecimento antecipado tem o sentido de ordenar de antemão quando utilizado em Romanos 8.29:
No [armininanismo] a resposta humana de fé torna-se o objeto do “conhecimento antecipado” divino; e tal conhecimento, por sua vez, é a base para a predestinação: pois “a quem ele dantes conheceu, ele predestinou.” Porém, considero improvável que seja ela a correta interpretação.
(1) O uso do verbo no NT e seu substantivo cognato não se conforma ao padrão geral de utilização... os três outros além da ocorrência neste texto, todos os quais têm a Deus como seu sujeito, não querem dizer “conhecer dantes” — no sentido de conhecimento intelectual, ou cognição — mas “entrar antes em
relacionamento com” ou “escolher, ou determinar, antes” (Rm 11.2; 1Pd 1.20; At 2.23; 1Pd 1.2).
(2) Que o verbo aqui contenha esse sentido bíblico particular de “conhecer” é sugerido pelo fato de que ele tem um objeto pessoal simples. Paulo não diz que Deus soube de algo sobre nós mas que nos conheceu, e isso é reminiscência do sentido de “conhecer” no AT.
(3) Além domais, é somente alguns indivíduos... que são objetos de sua atividade; e isso mostra que uma ação aplicável apenas aos cristãos deve estar indicada pelo verbo. Se, então, a palavra significa “conhecer intimamente”, “ter consideração por”, tal deve ser um conhecimento ou amor que é peculiar aos crentes e que os leva a serem predestinados. Sendo esse o caso, a diferença entre “conhecer ou amar de antemão” e “escolher antecipadamente” praticamente deixa de existir.
Ainda que o conhecimento antecipado em Romanos 8.29 não pode querer dizer presciência passiva, John Murray propugna que mesmo que fosse esse o caso, isso ainda assim não desafia a doutrina da eleição:
Pois certamente é verdade que Deus prevê a fé; ele prevê tudo que acontece. A questão então seria simplesmente: de onde provém essa fé que Deus prevê? E a única resposta bíblica é que a fé que ele prevê é a que ele mesmo cria... Logo, o interesse é simplesmente de interpretação, como ela deve ser aplicada
a essa passagem... Sobre fundamentos exegéticos, devemos rejeitar a opinião de que “dantes conheceu” refere-se à previsão de fé...
Como diz Nelson’s Illustrated Bible Dictionary, “em Romanos 8.29 e 11.2, o uso da locução dantes conheceu pelo apóstolo Paulo tem o sentido de ‘escolher’ ou ‘pôr especial afeto sobre.’ O amor eletivo de Deus, não a previsão da ação humana, é a base de Sua predestinação e salvação”. Alguns que não concordam com esse entendimento de conhecimento antecipado argumentam que, se esse conhecimento em Romanos 8.29 significa ordenação de antemão, então seria redundante traduzir a palavra “predestinado”, visto que o versículo diz: “Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou.” Parece que as duas palavras estão se referindo a conceitos separados no verso; logo, argumentam que devemos adotar a presciência passiva como a definição de conhecimento antecipado. Entretanto, eles falham em não ler o versículo cuidadosamente. Se a locução dantes conheceu significa ordenado de antemão ali, ela seria uma referência à obra divina de eleição, ou seja, sua escolha de indivíduos específicos a quem ele salvaria. Então, o versículo diz que esses a quem Deus elegeu, ele também predestinou, não para repetir o conceito de eleição, mas que ele expõe uma “destinação” ou intenção antecipadamente para os eleitos — a saber, a vontade divina é para eles “serem conformes à imagem de seu Filho.” Conhecimento antecipado nesse versículo referese à eleição divina de indivíduos para a salvação, e a predestinação revela o propósito
específico ou fim que Deus tem designado para seus eleitos. Em outras palavras, Deus não apenas escolhe os eleitos para receberem salvação do pecado, mas também para tornarem-se semelhantes a seu Filho, Jesus Cristo. O versículo está dizendo que as mesmas pessoas a quem Deus elegeu são também
aquelas a quem ele deu a “destinação” ou propósito de se tornarem como Cristo, e que
ele tomou uma tal decisão antecipadamente, e assim os “predestinou.” Em conseqüência, escreve Gundry-Volf: Paulo faz distinção entre o conhecimento divino antecipado e a predestinação divina em Romanos 8.29: “aqueles a quem ele dantes conheceu, também predestinou.” Enquanto o conhecimento de antemão indica o exercício da vontade de Deus para estabelecer um relacionamento especial com aqueles a
quem ele graciosamente elegeu antes dos séculos, a predestinação expressa a nomeação daqueles para uma meta específica antes dos séculos... Em Romanos 8.29 tal meta é a conformidade com a imagem do Filho, uma referência à salvação final dos eleitos. O conhecimento de antemão, como escolha divina, é dessa forma a base da predestinação para a glorificação com Cristo. Esse conhecimento não deve ser compreendido como previsão da fé de modo que se distinga da predestinação.
Baseado nas observações e argumentos acima, é necessário entender conhecimento de antemão em Romanos 8.29 como ordenação antecipada. Kenneth Wuest reconhece isso, e traduz os versículos 29 e 30 como segue: Porque, aqueles a quem Ele de antemão ordenou também dantes marcou como aqueles que eram para serem conformados à imagem derivada de Seu Filho, resultando que Ele é o primogênito entre muitos irmãos. Além disso, aqueles a quem Ele assim assinalou antecipadamente, aos tais Ele também
chamou. E aqueles a quem chamou, aos tais também justificou. Além do mais, aqueles a quem Ele justificou, também aos tais glorificou. A locução “ordenou de antemão” aqui corresponde a conhecimento antecipado, e a frase “dantes marcou” corresponde a predestinação. De modo similar, tais versículos no NT grego se traduzem como segue: Aqueles a quem Deus já havia escolhido ele também reservou para tornaremse
como seu Filho, de modo que o Filho pudesse ser o primeiro entre muitos crentes. E assim aqueles a quem Deus reservou, chamou; e àqueles que chamou, ele pôs em retidão consigo mesmo, e compartilhou sua glória com eles.
Podemos ademais confirmar tal entendimento de conhecimento antecipado examinando Atos 2.23 e 4.28. O primeiro versículo diz: “Este homem lhes foi entregue por propósito determinado e pré-conhecimento de Deus; e vocês, com a ajuda de homens perversos, o mataram, pregando-o na cruz.” Isso não significa que
Deus estivesse passivamente a par do que os homens fariam a Jesus, mas que seu sofrimento era na verdade “propósito determinado” divino, que é também o sentido de conhecimento antecipado aqui. Atos 4.28 também se refere à morte de Cristo, mas diz: “Fizeram o que o teu poder e a tua vontade haviam decidido de antemão que acontecesse.” Mas acabamos de ver que em 2.23 Pedro credita o incidente ao “propósito determinado” e “pré-conhecimento” de Deus. É evidente que tais termos tem sentidos equivalentes, de modo que o conhecimento antecipado dele faz referência a seu “propósito determinado” ou ao que ele “decidiu de antemão.” Na realidade, as palavras de 4.28 nos dão uma boa definição do conhecimento antecipado de Deus — é o que o seu “poder” e a sua “vontade haviam decidido de antemão que acontecesse.” Como escreve Martinho Lutero: “É, então, fundamentalmente necessário e salutar para os cristãos saber que Deus não conhece nada de antemão de modo contingente, mas que Ele prevê, tenciona e faz todas as coisas de acordo com Sua própria vontade imutável, eterna e infalível”. Sem mais argumentação, podemos concluir que o conhecimento antecipado em 1 Pedro 1.2 também não pode fazer alusão a uma presciência passiva. O versículo diz que somos “escolhidos de acordo com o pré conhecimento de Deus Pai.” Naturalmente o somos — o versículo quer dizer que os cristãos foram escolhidos e ordenados por antecipação para salvação pela soberana vontade divina. Muita gente faz a observação de que a eleição bíblica contradiz o “livre arbítrio” do homem, e visto insistirem em que o homem tem livre arbítrio, eles conseqüentemente recusam as doutrinas da soberania absoluta e da divina eleição como apresentada neste livro. Contra tal objeção, podemos simplesmente responder que os seres
humanos não têm livre arbítrio em absoluto. Ainda que muitos cristãos suponham que eles o possuam, essa é uma noção pagã que não consegue achar apoio algum na Bíblia.
R. K. McGregor define “livre arbítrio” como segue: “Pelo termo livre arbítrio quero dizer a crença de que a vontade humana tem um poder inerente de escolher com igual facilidade entre alternativas. Isso é comumente chamado ‘o poder de escolha contrária’ ou ‘a liberdade de indiferença...’ Definitivamente, a vontade fica livre de qualquer causação necessária. Em outras palavras, ela é autônoma de determinação
exterior.”24 Livre arbítrio subentende “a ausência de qualquer poder controlador, até
Deus e sua graça, e por conseqüência a igual faculdade em qualquer situação de escolher um curso de ação dentre dois que sejam incompatíveis entre si.”
Assumindo uma tal definição, afirmo que o homem não tem livre arbítrio.
Em primeiro lugar, é impossível para seres finitos terem livre arbítrio. Se pensarmos no exercício da vontade como o movimento da mente rumo a uma certa direção,26 surge a questão quanto ao que move a mente, e por que ela se move em direção aonde se move. Mesmo se supormos que a mente possa mover-se por si própria, ainda nos fica a questão do porquê dela mover-se à uma dada direção, isto é, porque escolhe uma opinião em vez de uma outra. Se se traça o movimento e a direção da mente a fatores externos à própria mente — fatores que se inculcam sobre a consciência vindos de fora, e assim influenciando ou determinando a decisão — então como esse movimento da mente é livre? Por outro lado, se se traça a causa às propensões inatas da pessoa, então tal movimento da mente, igualmente, não é livre, visto que tais
inclinações embutidas não foram livremente escolhidas (ou seja, sem influências externas) pela pessoa em primeiro lugar, todavia determinam as decisões que ela toma. Se as decisões de uma pessoa são determinadas por uma mistura de propensões inatas e influências externas, fica que ela não tem livre arbítrio.
Se a mente toma decisões baseada em fatores, causas e influências não escolhidas pela mente mesma, então tais decisões não são livres. Ainda que possamos afirmar que o homem tenha uma vontade, de modo que a mente possa realmente mover-se para diferentes opções, a faculdade e a razão para tal movimento nunca é determinada pela mente em si própria, mas por alguma outra coisa que não ela mesma. Visto tal ser
verdade para todos os seres finitos, segue que somente Deus possui livre arbítrio.
Como Lutero escreve contra o humanista Erasmo:
É uma verdade estabelecida, então... que fazemos todas as coisas por necessidade, e nenhuma por “livre arbítrio”; pois o poder de “livre arbítrio” é nada... Segue, portanto, que “livre arbítrio” é obviamente um termo aplicável somente à Majestade Divina; pois apenas Ele pode fazer, e faz (como canta o salmista) “tudo o que deseja, no céu e na terra”. Se é atribuído o “livre arbítrio” aos homens, o é com não mais propriedade do que à divindade mesma o seria — e nenhuma blasfêmia poderia exceder a isso! 27
Ninguém sob o domínio do pecado pode simplesmente “decidir” ficar livre dele sem a intervenção divina, nem a pessoa desejaria ficar liberta dele antes que uma tal intervenção ocorra. A salvação é totalmente a obra de Deus, de modo que ninguém pode se orgulhar de suas obras ou mesmo de seu “bom senso” no que tem “escolhido” (João 15.16; Efésios 2.8). Mesmo após alguém haver se tornado cristão, “é Deus
quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele” (Filipenses 2.13).
A Escritura ensina que Deus é quem determina os pensamentos e decisões do homem. Ele exerce controle imediato sobre a mente desse, e determina todas as propensões inatas e fatores externos relevantes a ele. É Deus quem forma uma pessoa no útero, que determina suas disposições íntimas, e que dispõe suas circunstâncias exteriores pela divina providência. É verdade que a doutrina da eleição contradiz o livre arbítrio do homem, 28 mas isso é uma invenção humana — uma suposição ou aspiração pecaminosa — e não um conceito escriturístico. Logo, a objeção do “livre arbítrio” contra a eleição divina erra porque não há livre arbítrio. Muitos pensam que há uma contradição entre a soberania divina e a responsabilidade
humana. Supõe que a segunda pressuponha a autonomia humana, ou livre arbítrio. Mas se Deus tem controle absoluto e penetrante sobre todas as decisões e ações humanas, então o homem não é livre e, portanto, aquelas duas não se afiguram estar em conflito.
Ora, a primeira definição de “responsável” no Webster’s New World College Dictionary é “de quem se espera ou que está obrigado a prestar contas (por alguma coisa, para alguém); quem responde; quem explica.”29 Independente de o homem ser livre ou não, dele certamente “se espera ou está obrigado a prestar contas” por suas ações a Deus. Diz a Bíblia: “Pois Deus trará a julgamento tudo o que foi feito,
inclusive tudo o que está escondido, seja bom, seja mau” (Eclesiastes 12.14). Ele recompensará o justo e punirá o ímpio; logo, o homem é responsável. O homem é responsável precisamente porque Deus é soberano, visto que ser responsável significa nada mais do que ser considerado alguém que presta contas de
suas próprias ações, que vai ser recompensado ou punido de acordo com um dado padrão de certo e errado. A responsabilidade moral tem tudo a ver se Deus decidiu julgar o homem e se ele tem o poder e a autoridade para fazer cumprir uma tal decisão, mas isso não depende de qualquer “livre arbítrio” no homem. Esse é responsável porque Deus recompensará a obediência e punirá a rebelião, mas tal não
supõe em hipótese alguma que esteja livre para obedecer ou se rebelar. Diz Romanos 8.7: “a mentalidade da carne é inimiga de Deus porque não se submete à Lei de Deus, nem pode fazê-lo.” O homem é responsável por seus pecados não porque seja livre ou capaz de não cometê-los; esse versículo diz que ele não o é. Mas o homem é responsável porque Deus decidiu julgá-lo por seus pecados. Portanto, a
responsabilidade humana não pressupõe a autonomia humana ou o livre arbítrio, mas a absoluta soberania divina. Essa contradiz a autonomia, mas não a responsabilidade humana. 30
Para muitas pessoas, a questão agora se torna de justiça. Insistem elas que seria injusto para Deus condenar aqueles pecadores que nunca foram livres para decidir ou fazer de outra forma, e que foram criados para e predestinados à condenação eterna por ele em primeiro lugar. Visto que tal objeção será relevante quando discutirmos a doutrina da condenação, trataremos dela lá.
Alguns acham impossível negar que a Bíblia de fato ensine a eleição divina, e que essa é para a salvação; contudo, não estão preparados para afirmar que Deus escolhe indivíduos específicos. Eles sugerem que ele de fato elege alguns para a salvação, mas que essa eleição é coletiva em sua natureza. Alegam que Efésios 1.4 apóia tal posição: “Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo.” Visto que o versículo
diz que a eleição divina é em Cristo, a objeção contra a eleição de indivíduos para a salvação é que o objeto da eleição é Cristo, e qualquer um que venha a Cristo torna-se um dos eleitos.
Contudo, Paulo escreve em 1 Coríntios 1.27-30: “Mas Deus escolheu... a fim de que ninguém se vanglorie diante dele. É, porém, por iniciativa dele que vocês estão em Cristo Jesus, o qual se tornou sabedoria de Deus para nós, isto é, justiça, santidade e redenção.” O apóstolo diz que é Deus quem fez a escolha em eleição para que “ninguém se vanglorie diante dele.” Contra aqueles que dizem que somente Cristo é o
objeto da eleição, e que qualquer um que venha a ele torna-se eleito de Deus, a passagem diz: “É... por iniciativa dele que vocês estão em Cristo Jesus.” Ele escolhe quem se torna “em Cristo” e, por conseguinte, a eleição divina é realmente uma seleção de indivíduos.
Além do mais, a eleição coletiva falha ao explicar porque qualquer um quereria vir a Cristo sem ter sido individualmente escolhido e então “arrastado” a ele por Deus.31 Conforme o que já provamos acerca da depravação do homem e de sua escravidão ao pecado, se Cristo devesse ser o único objeto da eleição, ninguém entraria a ele, e ninguém seria salvo. Para uma dada pessoa ser salva, Deus deve primeiro escolher e então direta e poderosamente agir sobre sua mente. Portanto, concluímos que a eleição divina consiste da escolha de indivíduos por Deus para a salvação, e não a igreja coletivamente ou Cristo. Em todo caso, é possível refutar a eleição coletiva diretamente lidando com a passagem em questão. Efésios 1.4-6 diz:
Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em sua presença. Em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos, por meio de Jesus Cristo, conforme o bom propósito da sua vontade, para o louvor da sua gloriosa graça, a qual nos deu gratuitamente
no Amado. O versículo 4 diz que ele nos escolheu “nele,” com o objeto da seleção divina como
“nós” e não Cristo. Isto é, diz que ele “nos escolheu,” e não que ele “o escolheu.” O 5 exclui a eleição coletiva quando diz que “em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos, por meio de Jesus Cristo.” Deus nos predestinou — não Cristo, mas os indivíduos — para sermos adotados como filhos seus por meio de Jesus Cristo. Da mesma forma, diz o verso 6 que “nos deu gratuitamente no Amado.” Deus nos dá salvação em Cristo; ele não dá salvação a Cristo e então nos espera para entrarmos a
Cristo por algum tipo de auto-eleição. Cristo é de fato o eleito ou escolhido para nos conseguir salvação, mas não é ele o eleito quando alguém vem a receber salvação. A eleição no contexto da salvação
refere-se a indivíduos que Deus escolheu para salvar por meio de Jesus Cristo. Ele é o escolhido para salvar, e os eleitos são os escolhidos para serem salvos. O “nele” no versículo 4 corresponde ao “por meio de Jesus Cristo” no 5 e ao “no Amado” no versículo 6, com todas as três expressões aludindo a ele como o meio de salvação, e não o objeto da salvação. Uma outra objeção contra a doutrina bíblica da eleição divina é que ela destrói a razão ou o motivo para se fazer evangelismo. Parece a alguns que, se Deus predetermina as identidades daqueles que serão salvos, isso faria com que a obra de evangelismo ficasse sem sentido.
Superficialmente, isso parece ser uma objeção que surge de uma preocupação nobre e piedosa por evangelismo, mas a suposição é que a única razão ou motivo suficiente para se obedecer à ordem divina de evangelizar é que desobedecê-la resultará na condenação eterna de muitos. Em outras palavras, alguém que faça tal objeção contra a eleição divina está subentendendo que somente vê sentido em obedecer a Deus em pregar o evangelho apenas se sua desobediência levar sua potencial audiência a sofrer o tormento sem fim
no inferno. Ainda que Deus tenha-lhe ordenado pregar o evangelho, ele não tem incentivo algum em fazê-lo a menos que saiba que as outras pessoas serão condenadas para sempre por sua desobediência. A menos que seu papel na salvação ou condenação dos outros seja determinante, para ele não há significado em obedecer à ordem divina. Tal objeção serve para expor a depravação moral de quem a levanta,
mas não oferece desafio algum à doutrina da eleição. Os cristãos fiéis podem afirmar que o mandamento de Deus de pregar o evangelho é mais do que suficiente para dar sentido e propósito ao evangelismo. Suas ordens são inerentemente cheias de sentido, e demandam obediência. Além disso, devemos
compreender que ele controla tanto os meios quanto os fins. Ele não somente determina o que ele quer que aconteça, mas também como ele quer que aconteça, e decidiu que os crentes seriam os meios pelos quais outros indivíduos a quem escolheu sejam trazidos a Cristo. Devemos ser gratos por Deus usar nossa pregação como o meio pelo qual ele chama aqueles que escolheu para salvação (2 Timóteo 2.10).
É verdade que Deus não necessita de nós: “Ele não é servido por mãos de homens, como se necessitasse de algo, porque ele mesmo dá a todos a vida, o fôlego e as demais coisas” (Atos 17.25). Seus mandamentos para nós nunca refletem sua necessidade, visto não ter ele nenhuma, mas seu preceptivo querer para as nossas vidas. Pregamos para que aqueles que estão “designados para a vida eterna” (Atos 13.48) venham a Cristo, e não porque eles perder-se-ão sem nós. Entretanto, isso significa mais para algumas pessoas ter essa necessidade do que obedecer aos mandamentos de Deus.
O outro lado da doutrina da eleição é a doutrina da REPROVAÇÃO. Assim como Deus ativamente escolheu salvar alguns, da mesma maneira preferiu condenar o restante da humanidade. Assim como determinou quais indivíduos específicos seriam salvos, determinou quais indivíduos específicos seriam condenados para sempre: O oleiro não tem direito de fazer do mesmo barro um vaso para fins nobres e outro para uso desonroso? E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar conhecido o seu poder, suportou com grande paciência os vasos de sua ira, preparados para a destruição? (Romanos 9.21,22)
Portanto, para vocês, os que crêem, esta pedra é preciosa; mas para os que não crêem, “a pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular”, e, “pedra de tropeço e rocha que faz cair.” Os que não crêem tropeçam, porque desobedecem à mensagem; para o que também foram destinados. (1 Pedro
2.7,8) Muita gente tenta diluir essa doutrina dizendo que Deus meramente “ignora” os réprobos, mas a Bíblia ensina que ele ativamente endurece seus corações contra si mesmo e o evangelho: Mas o SENHOR endureceu o coração do faraó, e ele não deixou que os israelitas saíssem. (Êxodo 10.20) Pois foi o próprio SENHOR que lhes endureceu o coração para guerrearem contra Israel, para que ele os destruísse totalmente, exterminando-os sem misericórdia, como o SENHOR tinha ordenado a Moisés. (Josué 11.20)
SENHOR, por que nos fazes andar longe dos teus caminhos e endureces o nosso coração para não termos temor de ti? Volta, por amor dos teus servos, por amor das tribos que são a tua herança! (Isaías 63.17)
Cegou os seus olhos e endureceu-lhes o coração, para que não vejam com os olhos nem entendam com o coração, nem se convertam, e eu os cure. (João 12.40) Portanto, Deus tem misericórdia de quem ele quer, e endurece a quem ele quer. (Romanos 9.18). Que dizer então? Israel não conseguiu aquilo que tanto buscava, mas os eleitos o obtiveram. Os demais foram endurecidos, como está escrito: “Deus lhes deu
um espírito de atordoamento, olhos para não ver e ouvidos para não ouvir, até o dia de hoje.” (Romanos 11.7,8) Já provamos que livre arbítrio não existe em seres finitos, e que a responsabilidade humana não tem relação alguma com aquele. É Deus quem governa todas as coisas, inclusive os pensamentos e as ações dos seres humanos, mas esses ainda são responsáveis por seus pensamentos e ações precisamente porque Deus os mantém responsáveis por aqueles por seu soberano poder. A responsabilidade pressupõe a capacidade de prestação de contas, mas essa não pressupõe faculdade ou liberdade. A capacidade de prestar contas meramente pressupõe alguém que a exige. Visto que Deus requer essa capacidade — visto que recompensará a justiça e punirá a impiedade — o homem é responsável. Já que Deus é soberano, ele decide o que quer decidir, e se os seres humanos têm livre arbítrio ou não nunca tem ele que entrar nessa discussão em nenhuma hipótese. Imediatamente a questão torna-se de justiça. Muitas pessoas podem insistir que seria injusto para Deus punir aqueles a quem predestinou à condenação eterna, que nunca
poderiam decidir ou fazer de modo diverso.
Paulo antecipa tal objeção em Romanos 9.19, e escreve: “Mas algum de vocês me dirá: “Então, por que Deus ainda nos culpa? Pois, quem resiste à sua vontade?” Ele retruca: “Mas quem é você, ó homem, para questionar a Deus? “Acaso aquilo que é formado pode dizer ao que o formou: ‘Por que me fizeste assim?’” (v. 20). Deus governa por absoluta autoridade; ninguém pode parar seus planos, e ninguém tem o
direito de questionar a ele. Isso é verdade porque Deus é o criador de tudo o que existe, e ele tem o direito de fazer o quer que deseje com sua criação: “O oleiro não tem direito de fazer do mesmo barro um vaso para fins nobres e outro para uso desonroso?” (v. 21). O apóstolo continua a dizer: “E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar conhecido o seu poder, suportou com grande paciência os vasos de sua ira, preparados para a destruição? Que dizer, se ele fez isto para tornar conhecidas as riquezas de sua
glória aos vasos de sua misericórdia, que preparou de antemão para glória, ou seja, a nós, a quem também chamou, não apenas dentre os judeus, mas também dentre os gentios?” (vv. 22-24). Isso ainda é parte da resposta à questão do versículo 19: “Então, por que Deus ainda nos culpa? Pois, quem resiste à sua vontade?” Paulo está dizendo que visto ser Deus soberano, ele pode fazer o que quer que deseje, incluindo
criar alguns vasos destinados para glória, e alguns destinados à perdição eterna. Os eleitos regozijam-se nessa doutrina; os réprobos a detestam. Seja como for, não há nada que alguém possa fazer a esse respeito. Pedro diz, concernente àqueles que rejeitam Cristo, que “tropeçam, porque desobedecem à mensagem; para o que também foram destinados” (1 Pedro 2.8).
É somente devido à impiedade e irracionalidade que a questão da justiça é mesmo
trazida à baila contra a doutrina da reprovação. A objeção nessas várias formas
equivale ao seguinte:
1. A Bíblia ensina que Deus é justo.
2. A doutrina da reprovação é injusta.
3. Logo, a Bíblia não ensina a doutrina da reprovação.
A premissa (2) foi admitida sem garantia.
Por qual padrão alguém deve julgar se essa
doutrina é justa ou injusta? Se a Bíblia fala dela, então não cabe a nós discutir a
questão. Por outro lado, o cristão raciocina como segue:
1. A Bíblia ensina que Deus é justo.
2. A Bíblia confirma a doutrina da reprovação.
3. Logo, a doutrina da reprovação é justa.
O fulcro é se a Bíblia confirma a doutrina; se for justo ou injusto não deve ser
antecipadamente assumido. Observa Calvino:
Pois tanto a vontade de Deus é a mais elevada regra de justiça que o que quer que ele queira, pelo próprio fato dele querê-la, deve ser considerado justo. Portanto, quando alguém pergunta por que ele assim fez, devemos responder: porque ele o quis. Mas se você ainda prosseguir para perguntar por que ele
assim quis, você está buscando algo maior e mais elevado do que a vontade dele, que não pode ser encontrado. Que a temeridade dos homens, então, se refreie, e não procure o que não existe, para que talvez não fracasse em achar o que de fato existe.
Ditar como a misericórdia divina deve ser dispensada é demonstração que prova a expressa pecaminosidade e a tola audácia do homem, e não um argumento contrário às doutrinas da eleição e da condenação. Para melhor compreendermos a eleição e a reprovação, devemos afirmar completamente o que a Bíblia diz a respeito da depravação humana. Por exemplo, Romanos 3.10-12, 23 diz: “Não há nenhum justo, nem um sequer; não há ninguém que entenda, ninguém que busque a Deus. Todos se desviaram, tornaram-se juntamente inúteis; não há ninguém que faça o bem, não há nem um sequer... pois
todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus.” Todo ser humano é um pecador, e “o salário do pecado é a morte” (Romanos 6.23); portanto, a justiça exige que toda pessoa seja condenada eternamente.
As doutrinas da eleição e da reprovação não dizem que os eleitos recebem misericórdia enquanto os não-eleitos recebem injustiça. Visto que todos os seres humanos merecem a condenação eterna, essas doutrinas bíblicas ensinam que aqueles a quem Deus escolheu para salvação receberão misericórdia, e aqueles a quem ele escolheu para a perdição eterna receberão precisamente justiça — e que é por isso que eles serão condenados. Deus não tem obrigação alguma de mostrar misericórdia a qualquer um em absoluto, e que o faça a alguns não significa que devam merecer misericórdia em hipótese alguma. Uma vez que é alegado que Deus está de certo modo obrigado a ser misericordioso para com alguns, não estamos mais falando de misericórdia, mas de justiça. Não é a misericórdia que concede o que é requerido, mas a justiça. Receber justiça nesse caso resulta em eterna condenação e não salvação. O que é “justo” é todos serem condenados, visto que nossos pecados fazem com que tal seja a reta punição. Devemos ser absolutamente gratos que Deus seja misericordioso para salvar alguns, em vez de lhe lançarmos a blasfema acusação de ser injusto ou não suficientemente misericordioso. Como escreve Benjamin B. Warfield: Não colocaremos de uma vez por todas em nossas mentes que a salvação não é direito de homem algum; que uma “oportunidade” para salvar a si próprio não é “oportunidade” de salvação para qualquer um; e que, se alguém da pecaminosa raça do homem é salvo, deve-o ser por um milagre da todapoderosa
graça, sobre a qual ele não tem pretensão alguma, e contemplando isso como um fato, ele somente pode ficar cheio de adoração admirada pelas maravilhas do inexplicável amor divino? Exigir que seja dada uma
“oportunidade” a todos os criminosos de escapar de suas penas, e que a todos será dada uma “oportunidade igual,” é simplesmente zombar da própria idéia de justiça, e mais, da idéia mesma de amor. 33
Ainda que não tenhamos direito de exigir uma explicação, Paulo diz-nos sim porque a obra divina da reprovação é tanto boa quanto necessária: E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar conhecido o seu poder, suportou com grande paciência os vasos de sua ira, preparados para a destruição? Que dizer, se ele fez isto para tornar conhecidas as riquezas de sua glória aos vasos de sua misericórdia, que preparou de antemão para glória, ou seja, a nós, a quem também chamou, não apenas dentre os judeus, mas
também dentre os gentios? (Romanos 9.22-24)
Deus preparou “para a destruição” certos indivíduos, de modo que possa ele “mostrar a sua ira e tornar conhecido o seu poder.” Paulo explica que “para tornar conhecidas as riquezas de sua glória aos vasos de sua misericórdia, que preparou de antemão para glória.” Em outras palavras, a reprovação dos não-eleitos é para a expressa intenção de tornar conhecida a glória divina aos seus eleitos. Visto que os eleitos foram “salvos da ira de Deus” (Romanos 5.9) por Cristo, nunca terão a oportunidade de experimentarem o aspecto colérico de sua natureza. Mas a ira divina continua sendo um atributo essencial. Como explicado anteriormente, o amor de Deus para com seus eleitos é caracterizado por sua boa-vontade de revelar-se a eles (João 14.21-23, 15.15, 16.14; 1 Coríntios 2.9-12) e, por conseguinte, ele preparou os
réprobos para um tal propósito.
Já provamos que Deus tem o direito de fazer tudo o que desejar com sua criação, exatamente como um oleiro com sua massa de argila; portanto, não se pode acusar a Deus de ser cruel ou injusto por criar e predestinar os réprobos para o propósito acima. Ele é a única autoridade moral, e a Bíblia o chama justo e bom; logo, tudo o que ele diga e faça é justo e bom por definição. Segue-se que sua obra de reprovação é
assim justa e boa por definição, e ninguém pode acusá-lo de maldade — não há padrão algum de certo e errado fora de Deus pelo qual acusá-lo de injustiça. Ele é seu próprio padrão moral, e visto chamar a si próprio de justo, logo ele deve ser justo. Em vez de levar-nos a questionar a justiça divina, a doutrina da reprovação deve ademais iluminar-nos a respeito do grande amor de Deus por seus eleitos. Visto que
ele governa até os réprobos para servirem a seus próprios fins (Provérbios 16.4), e que “faz que todas as suas obras cooperem” (Romanos 8.28, Tradução do Novo Mundo) para o bem dos eleitos, segue-se que ele pode manipular as vidas dos réprobos de maneira a promover o bem de seus próprios escolhidos. E a Escritura ensina que isso é o que está sendo feito. Desse modo, a condenação dos pecadores é para o benefício e a edificação dos cristãos, pois tal é o amor divino para com seus eleitos.
CHAMADOS
Romanos 8.29,30 nos diz que, àqueles a quem Deus escolheu para salvação, também tem dado um propósito, a saber, se conformarem à semelhança de seu Filho. E àqueles a quem ele tem dado tal propósito, ele também lhes envia um chamado no devido tempo, para que possam vir a Cristo. Assim, a passagem diz: “E aos que predestinou, também chamou” (v. 30).
Lembre-se de que todos que estão inclusos numa fase da aplicação da redenção, também entram na fase seguinte. Todos a quem Deus elegeu, também predestinou, e todos a quem predestinou, também chama a Cristo. Mas o versículo 30 continua e diz: “Aos que chamou, também justificou”. Assim, todos a quem Deus chama alcançarão a justificação. E visto que essa é pela fé em Cristo, todos a quem Deus chama crerão em
Cristo e serão justificados. Portanto, o chamado divino para com o eleito é obrigatoriamente eficaz e, assim, os teólogos chamam esse ato de Deus de um CHAMADO EFICAZ.
Visto que o chamado eficaz é um chamado cujo resultado está garantido, ele não é como um “convite” que o eleito pode aceitar ou rejeitar. Antes, ele é mais parecido com o que queremos dizer pelo verbo “intimar”. Ao chamar seus eleitos, Deus não os convida meramente para fazer algo, mas ele próprio faz algo neles. Sinclair Ferguson escreve: “Aquele que os chama cria neles a capacidade para responder, de forma que
no próprio ato de chamar ele os traz a uma nova vida”. 34 Assim, aqueles a quem Deus escolheu e predestinou na eternidade, ele também intima para vir a Cristo no tempo histórico.
Deus intima o eleito comumente através da pregação do evangelho. Ora, os cristãos não aprendem primeiramente a identificar os eleitos, e então passam a pregar o evangelho somente a eles. Antes, eles pregam o evangelho “a toda criação" e “quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado” (Marcos 16.15,16). Portanto, quer na forma de discurso público, conversa privada, literatura escrita ou outros meios, a pregação ou apresentação do evangelho é direcionada tanto aos eleitos
como aos não-eleitos. O eleito chegará à fé; o não-eleito ou rejeitará o evangelho, ou produzirá uma profissão de fé temporária e falsa. Devido a isso, os teólogos distinguem entre o CHAMADO EXTERNO e o CHAMADO INTERNO. O chamado externo refere-se à pregação do evangelho pelos seres humanos, e é apresentado tanto aos eleitos como aos não eleitos. Por outro lado, o chamado interno ou eficaz é uma obra divina que acompanha o chamado externo para fazer com que o eleito chegue à fé em Cristo. A pregação do evangelho se mostra a todos como um chamado externo, mas ela vem também como uma intimação interna aos eleitos. O chamado externo é produzido pelos seres humanos, mas o interno é uma obra somente de Deus e ocorre somente nos eleitos. O segundo é habitualmente concomitante com o primeiro. Em outras palavras, muitas pessoas podem ouvir o evangelho numa determinada situação, mas Deus faz com que apenas os eleitos creiam no que é pregado, ao passo que endurece os não-eleitos contra o mesmo. Mateus 22:14 diz: “Porque há muitos convidados, mas poucos escolhidos” [Tradução
do Novo Mundo]. A palavra “convidados”, nesse versículo, pode ser traduzida por “chamados”, como em muitas outras traduções. Muitos são de fato “convidados” pelo fato de ouvirem o chamado externo do evangelho, mas somente uns poucos estão entre os eleitos de Deus, e, portanto, as profissões de fé genuínas e permanentes vêm do último grupo.
REGENERADOS
Nós podemos definir a natureza pecaminosa do homem como uma forte disposição da mente para o mal (Colossenses 1.21; Romanos 8.5-7). REGENERAÇÃO é uma obra de Deus na qual ele transforma uma tão maligna disposição numa outra que se deleita nas leis e nos preceitos divinos (Ezequiel 11.19,20, 36.26,27), e isso resulta no que significa uma ressurreição espiritual. Regeneração é uma transformação drástica e permanente no nível mais profundo da personalidade e do intelecto de alguém, que
podemos chamar de uma RECONSTRUÇÃO RADICAL. 35 Os compromissos mais básicos do indivíduo para com objetos e princípios abomináveis, que ele uma vez serviu, são deixados para trás e voltados para Deus. Tal mudança no princípio primeiro de pensamento e conduta de uma pessoa gera um efeito como de ondas, que transforma o espectro inteiro de sua cosmovisão e estilo de vida.
Regeneração, ou ser “nascido de novo”, ocorre em conjunção com o chamado eficaz de Deus para com os seus eleitos (1 Pedro 1.23; Tiago 1.18), e os capacita a responder em fé e arrependimento a Cristo. Isso significa que a regeneração precede a fé; isto é, uma pessoa não nasce de novo pela fé, mas ela é capacitada a crer precisamente porque Deus a regenerou primeiro. Fé não é a pré-condição da regeneração; antes, a regeneração é a pré-condição da fé. Uma razão pela qual muitos cristãos pensam que a regeneração ocorre pela fé é porque confundem regeneração com “salvação” em geral, e “justificação” em
particular. Quando a palavra “salvação” é aplicada ao pecador, ela é um termo geral que pode implicar diversas coisas, tais como os itens que estamos discutindo nesse capítulo. Por outro lado, na justificação Deus confere ao eleito a justiça legal merecida por Cristo em sua obra redentora. A Bíblia ensina que nós somos justificados pela fé, e não que somos regenerados pela fé. A confusão acontece quando se considera tanto a justificação como a regeneração como tendo o sentido de “salvação”. Jesus diz: “Digo-lhe a verdade: Ninguém pode ver o Reino de Deus, se não nascer de novo” (João 3.3). A palavra “ver” aqui se refere principalmente à capacidade de entender, ou “investigar”. Paulo escreve em 2 Coríntios 4.4: “O deus desta era cegou as mentes dos descrentes, para que não possam ver a luz do evangelho da glória de
Cristo”. Se eles não podem “ver” o evangelho, então não podem aceitá-lo, o que Mateus 13.15 estabelece um ponto similar: “Pois o coração deste povo se tornou insensível; de má vontade ouviram com seus ouvidos, e fecharam seus olhos. Se assim não fosse, poderiam ver com os olhos, ouvir com os ouvidos, entender com o coração e se converter, e eu os curaria”. Ou, como Marcos 4.12 diz: “De outro modo,
poderiam converter-se e ser perdoados!”. Uma pessoa entenderá somente quando for capaz de ver, e somente quando ela entender é que ela será capaz de se voltar, isto é, se “converter” (Mateus 13.15). Se é necessário “ver” antes que alguém tenha fé, e se a capacidade de “ver” é somente possível após a regeneração (João 3.3), então naturalmente a regeneração vem antes da fé.
Revisando, Deus escolheu um número de indivíduos para receber a salvação. Após isso, Cristo veio a esta terra e pagou o preço do pecado pelos eleitos. Então, cada um dos eleitos é intimado a crer no evangelho nos tempos específicos designados por Deus. Contudo, visto que os eleitos nascem pecadores, há presente dentro deles uma forte disposição para o mal, tornando-os incapazes e não dispostos a responder. Portanto, ele regenera os pecadores eleitos ao mesmo tempo em que os intima, e coloca em cada um deles uma nova natureza que se inclina para Deus e a justiça. Assim, a regeneração é uma obra MONERGÍSTICA – ela é uma obra de Deus que produz seus efeitos sem qualquer cooperação da pessoa que está sendo salva.
João 1.12,13 faz referência à natureza monergística da regeneração: “Mas a todos quantos o receberam, a eles ele deu o direito de se tornarem filhos de Deus, àqueles que quem crêem em seu nome, que não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”*. A passagem indica que a regeneração não ocorre por se pertencer a uma descendência natural particular, nem ocorre por “decisão humana” (v. 13†). A opinião popular sobre a regeneração é que, mediante uma “decisão” por Cristo, o homem pode nascer de novo e, desse modo, ser salvo do pecado. Porém, a Escritura ensina que a regeneração é uma obra totalmente de Deus, que ele efetua em seus escolhidos, e que não ocorre através da vontade do homem: “O vento sopra onde quer. Você o ouve, mas não pode dizer de onde vem
nem para onde vai. Assim acontece com todos os nascidos do Espírito” (João 3.8). É fácil entender porque a regeneração deve preceder a fé, se termos em mente que o homem está espiritualmente morto antes da regeneração (Efésios 2.1; Romanos 3.10- 12, 23). Por causa da hostilidade da mente às coisas divinas antes da regeneração, os eleitos por si mesmos nunca chegariam à fé em Cristo quando o evangelho lhes fosse apresentado. É Deus quem age primeiro, e tendo mudado a disposição deles de má para boa, e das trevas para a luz, eles então respondem ao evangelho pela fé em Cristo, e por ela se tornam justificados aos olhos de Deus. Atos 16.14 registra a conversão de Lídia, e o versículo diz que foi Deus quem primeiro “abriu seu coração” para que ela pudesse “responder à mensagem de Paulo”.
CONVERTIDOS
Após Deus tê-lo regenerado, o indivíduo eleito agora “vê” a verdade do evangelho e responde ao chamado eficaz passando pela CONVERSÃO, a qual consiste de arrependimento e fé. A mensagem de Jesus para o povo era: “Arrependam-se e creiam nas boas novas!” (Marcos 1.15). E repreendeu “os chefes dos sacerdotes e os líderes religiosos do povo”, pois eles “não se arrependeram nem creram” (Mateus 21.23,32) sob o ministério de João Batista. A palavra “conversão” significa um voltar-se, e inclui tanto os conceitos de arrependimento quanto de fé. Arrependimento é a parte da conversão na qual uma
pessoa se volta do pecado, enquanto a fé se dá quando ela se volta a Cristo para salvação. A conexão estreita entre arrependimento e fé é também indicada em Hebreus 6.1, onde se fala que os “ensinos elementares a respeito de Cristo” consistem de “arrependimento de atos que conduzem à morte, da fé em Deus”. O escritor chama a isso o “fundamento” ou começo da vida cristã.
No ARREPENDIMENTO, o pecador primeiro chega a uma verdadeira percepção intelectual de sua condição pecaminosa. Visto que Deus já o regenerou, ele acha sua condição repugnante e fica determinado a se voltar tanto do estilo de vida que consistia de pecados quanto de atos individuais pecaminosos.
O arrependimento é de volição e não de emoção. Ainda que muita emoção possa às vezes acompanhar a mudança da mente, não é um elemento necessário ou definidor. Naturalmente, um estado mental que consista de nada mais que uma excitação emocional sobre os próprios pecados e faltas sem um ato de volição de dar as costas a isso não constituir arrependimento e, por conseguinte, não resultará em fé e
justificação. A conversão não resulta apenas em uma mudança negativa, na qual alguém se volta
dos ídolos, mas Paulo afirma que o indivíduo eleito também o faz “a fim de servir ao Deus vivo e verdadeiro” (1 Tessalonicenses 1.9). Além disso, um sistema definido de teologia é acrescentado ao pensamento da pessoa, substituindo a antiga cosmovisão não bíblica. Esse é o aspecto da conversão que chamamos FÉ.
Muitos teólogos sugerem que a fé consiste de três elementos: conhecimento,
assentimento e confiança. Mas os textos a seguir mostrarão que a fé só consiste dos
dois primeiros, e que a última é apenas um atalho para assentimento.
CONHECIMENTO alude à retenção e compreensão intelectual de proposições verdadeiras. Isso é um elemento necessário da fé, visto que é impossível crer em alguma coisa sem conhecê-la. Se não se sabe o que X representa, não posso responder a questão, “Você crê em X?” A fé é impossível sem o conhecimento. Deus concede conhecimento a um indivíduo como o primeiro elemento da fé salvífica, habitualmente pela pregação ou apresentação do evangelho. Como escreve o apóstolo Paulo, “Como poderiam crer naquele que não ouviram? E como poderiam ouvir sem pregador?” (Romanos 10.14, Bíblia de Jerusalém). O conhecimento também implica entendimento nesse caso. Assim como é impossível crer em X enquanto ele permanecer indefinido, não se pode crer em algo enquanto a definição não é compreendida. Visto que o evangelho é sempre apresentado de forma proposicional, o conhecimento e o entendimento necessários para a fé aludem à retenção e compreensão mentais do sentido das afirmações verbais apresentadas.
ASSENTIMENTO é concordância com as proposições entendidas. Embora qualquer um possa obter algum entendimento da mensagem evangélica, nem todos consentirão que ela seja verdadeira. É fácil para alguém explicar a um outro a reivindicação escriturística da ressurreição de Cristo, mas se o ouvinte vai concordar que tenha ela realmente ocorrido é outra questão. Como mencionado, a disposição maligna da
mente não regenerada impede uma pessoa de aquiescer ao evangelho independentemente da capacidade de persuasão do pregador. Logo, deve ela primeiramente ser regenerada por Deus, de modo a obter uma nova disposição favorável ao evangelho, após o que prontamente assentirá a esse. Visto que muitos teólogos pensam que os não-eleitos podem verdadeiramente assentir ao evangelho sem “confiança pessoal” em Cristo, também advogam que o conhecimento e o assentimento não são suficientes para salvar. Deve-se acrescentar a esses dois o terceiro elemento da
CONFIANÇA, a qual definem como uma segurança pessoal e relacional sobre a pessoa de Cristo. Dizem que, ainda que os objetos do conhecimento e do assentimento sejam proposições, o objeto da confiança deve ser uma pessoa, a saber, Cristo. Ou seja, a fé salvífica crê em Cristo como uma pessoa, e não como um conjunto de proposições. Embora nem todos os teólogos distingam a fé entre esses três elementos, muitos deles a definem de forma tal que significa alegar que a fé salvífica deve se mover do intelectual para o relacional, do proposicional para o pessoal, e do assentimento para a confiança. Para eles, assentimento corresponde a uma fé “crer que”, ao passo que a confiança é uma fé “crer em”. O primeiro crê que certas coisas acerca de Cristo são verdadeiras, mas a segunda vai além, e crê na pessoa de Cristo. Fé é crença em uma pessoa, não em certos fatos sobre a pessoa. Eles apontam para passagens em que há exigência de uma fé para crer no evangelho. Por exemplo, Atos 16.31, que diz: “Creia no Senhor Jesus, e serão salvos”, e 1 João 3.23: “E este é o seu mandamento: Que creiamos no nome de seu Filho Jesus Cristo”.
Entretanto, há razões conclusivas para rejeitar tal distinção entre assentimento e confiança, para afirmar que a fé consiste apenas de conhecimento e assentimento.
Em primeiro lugar, a Bíblia não emprega exclusivamente o tipo de linguagem “crer em” ao se referir à fé. Por exemplo, Hebreus 11.6 diz que “sem fé é impossível agradar a Deus, pois quem dele se aproxima precisa crer que ele existe e que recompensa aqueles que o buscam”. O versículo exige que alguém que venha a Deus deve assentir a duas proposições.
Ele deve crer que (1) “Deus existe”, e que (2) “Deus recompensa aqueles que o buscam”. O escritor diz que a fé pode “agradar a Deus”, e que “foi por meio dela que os antigos receberam bom testemunho” (v.2).
Em segundo lugar, o Novo Testamento indica que crer em Cristo quer dizer crer que
certas proposições são verdadeiras:
Pois o que primeiramente lhes transmiti foi o que recebi: que Cristo morreu
pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, [que] foi sepultado e [que]
ressuscitou no terceiro dia, segundo as Escrituras, e [que] apareceu a Pedro e
depois aos Doze. (1 Coríntios 15.3-5) Em terceiro lugar, podemos demonstrar com uma análise de linguagem que crer em
(ou “confiar” em) uma pessoa é simplesmente uma simplificação para crer que (ou
“assentir” a) certas proposições a respeito dele são verdadeiras.
Por exemplo, há duas maneiras de se compreender a questão “você crê no diabo?” A
questão pode, ou estar perguntando se alguém crê que o diabo existe, ou se ele crê que
o diabo seja digno de adoração36. Isto é, a questão faz supor uma entre duas
proposições, e pede ao ouvinte para afirmá-la ou negá-la. Um cristão afirmaria a
primeira e negaria a segunda. Entretanto, a menos que o contexto da conversão
demonstre o significado da questão, ou que o ouvinte tenha uma suposição quanto ao
sentido da questão caso o contexto não o forneça, é impossível dizer qual das duas
proposições está sendo perguntada para que o ouvinte a afirme ou negue.
Se D = “o diabo”, e = “existe”, e d = “digno de adoração”, então “eu creio em D”
pode significar tanto “eu creio que De” ou “eu creio que Dd”. De ambos os jeitos, “eu
creio em D” pode representar qualquer das duas afirmações “crer que”, e assim não é
nada mais do que uma simplificação para uma delas.
Do mesmo modo, “eu creio em Deus” é uma afirmação sem sentido a menos que seja
redutível a uma ou mais proposições “crer que”. No contexto de Hebreus 11.6, se G =
“Deus”, e = “existe” e g = “galardoador”, então “eu creio em G” parece ter três
sentidos possíveis: 37
1. “Eu creio que Ge”
2. “Eu creio que Gg”
3. “Eu creio que Ge + Gg ”
Hebreus 11.6 exige uma fé que afirme (3), sem a qual não se pode agradar a Deus; é
um tipo de fé “crer que”. Repare também que crer em X pode supor uma fé “crer que”
em mais do que uma proposição. Em Hebreus 11.6, ter fé tem o sentido de crer que Ge
+ Gg .
Logo, podemos concluir que “eu creio em X” é meramente uma simplificação para
“eu creio que X1 + X2 + X3...Xn”. Isso quer dizer que crer ou ter fé em algo ou alguém
é crer ou ter fé que uma ou mais proposições acerca de tal coisa ou pessoa é
verdadeira. Ter fé em Deus e em Cristo é precisamente crer algo acerca deles — ter
uma fé “crer que”. Dizer que fé seja crença ou confiança em uma pessoa em vez de
assentimento a proposições e que ela deva ir além do nível intelectual pode soar mais
piedoso ou profundo para alguns, mas essa espécie de fé é um conceito sem
significado. Uma fé que não “creia que” certas proposições sejam verdadeiras não crê
em coisa alguma em absoluto; o conteúdo dessa suposta fé está indefinido.
Muitos alegam que Tiago 2.19 opõe-se a esse ponto de vista somente intelectual e
proposicional sobre a fé. O versículo diz, “Você crê que existe um só Deus? Muito bem! Até mesmo os demônios crêem — e tremem!” Para eles, esse verso indica que
meramente “crer que exista um só Deus” é bom porque consente numa proposição
verdadeira, mas não é uma fé salvífica. Até os demônios, e por implicação os nãoeleitos,
podem ter tal espécie de “fé” e, em conseqüência, isso falha ao não distinguir
o tipo de fé que salva com uma “mera” concordância intelectual ao evangelho.
Contudo, tal objeção ignora o contexto da passagem. O versículo 17 diz: “Assim
também a fé, por si só, se não for acompanhada de obras, está morta”. A verdadeira fé
resulta em comportamento que corresponde ao conteúdo da crença de alguém. Os
demônios “crêem” que há um só Deus, mas não agem de um modo que corresponda a
uma tal crença. Em vez de adorarem-no como Deus, meramente estremecem e se
rebelam contra ele.
O que Tiago diz não contradiz o que escrevi acerca da fé, mas serve para esclarecê-la.
Ele está dizendo que a verdadeira fé produz ações que correspondem ao alegado
assentimento a ela. Em nenhum lugar ele diz que a alternativa à “fé” dos demônios é
alguma espécie de “confiança pessoal”. Antes, o que diz faz com que seja preciso que
incluamos em nossa definição de fé que o verdadeiro assentimento subentende
obediência às necessárias implicações das proposições afirmadas.
Por exemplo, supondo que alguém corretamente tenha definido “Deus”, crer que
“existe um só Deus” (Tiago 2.19) também requer que essa pessoa o adore, visto que a
palavra denota o ser último que é inerentemente digno de culto. Que os demônios não
adorem a “Deus” significa que eles, ou se recusam a reconhecer o pleno significado
da palavra, ou que, estando totalmente ciente de suas implicações, opõem-se a
conceder a ela completo assentimento.
Um comentário feito por Sinclair Ferguson sobre fé mostra a confusão comum acerca
do assentimento e da confiança.
Fé é mais do que assentimento, mas nunca é menos que esse. A fé de Tomé no
Cristo ressurreto foi assentimento ao fato da ressurreição. Porém, foi mais que
isso. Foi um coração que reconheceu: “Senhor meu, e Deus meu!” (João
20.28)38.
Não obstante, não há diferença alguma entre “um coração que reconheceu” e “uma
mente que assentiu”. 39 Ele está fazendo uma distinção que soa piedosa mas que
carece de sentido. Além disso, “Senhor meu, e Deus meu!” não é uma pessoa, mas
uma proposição. Logo, ainda que Ferguson pareça não estar a par disso, ele concorda
conosco que a fé de Tomé significa “uma mente que assentiu a uma proposição”, e
que a fé não é “mais” do que assentimento.
Todas as considerações acima resultam numa definição bíblica de fé. Visto que a
natureza da fé é o assentir ao conhecimento, e esse denota uma retenção e
compreensão de uma ou mais proposições, fé é assentimento voluntário a proposições
compreendidas, e assentimento aqui envolve obediência às exigências inerentemente
presentes nas ditas proposições.
A fonte dessas proposições às quais se deve assentir é a Bíblia. Enquanto a fé salvífica
consiste de assentimento a certas proposições relacionadas à obra redentora de Cristo,
a fé bíblica em geral permanece e se desenvolve no cristão na medida em que assente
a essas mesmas proposições junto com outras naquele livro, e assim ele cresce em
maturidade espiritual.
Em vez de usar a palavra “confiança” para distinguir a fé verdadeira da falsa, temos
somente que distinguir o verdadeiro assentimento do falso, ou a fé verdadeira da
falsa. O verdadeiro assentimento quer dizer uma concordância intelectual com
proposições compreendidas que resultam em obediência a todas as implicações
daquelas. Por outro lado, uma pessoa com falso assentimento a proposições bíblicas
afirma que concorda com as Escrituras, mas não produz os pensamentos, linguagem e
comportamento que necessariamente se infere de uma tal concordância.
A salvação pela graça mediante a fé é um dom de Deus: “Pois vocês são salvos pela
graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para
que ninguém se glorie” (Efésios 2.8,9). Desse modo, a fé não pode ser fabricada pelo
homem, mas somente dada a ele. Isso é consistente com o que dissemos a respeito da
natureza monergística da salvação até aqui, que da eleição à regeneração e, agora, ao
arrependimento e à fé, a salvação é unicamente a obra de Deus, não do homem.
Portanto, ninguém pode se gloriar mesmo acerca de sua aceitação do evangelho.
Sem a obra divina de regeneração na qual ele transforma a disposição e volição do
homem, ninguém pode ou vai assentir de verdade às proposições bíblicas sobre Deus
e Cristo. Nossa definição indica que a fé tem um elemento de volição, que é um
assentimento voluntário ao evangelho. A vontade do homem não regenerado não pode
assentir ao evangelho, mas aquele que foi regenerado por Deus também foi feito
desejoso de aceitar a Cristo; Deus mudou o seu querer. Logo, ele não “compele” uma
pessoa à fé no sentido de forçá-la a crer o que ele conscientemente rejeita a aceitar,
mas “compele” a uma mudança na vontade dela pela regeneração, de forma que seu
assentimento ao evangelho seja de fato voluntário. Ou seja, a fé é voluntária no
sentido de que a pessoa eleita decide sim aceitar o evangelho, mas somente o faz
porque Deus a leva a assim decidir; sem o poder dele para “compelir” ou transformar
o querer, ninguém decidiria aceitar aquele.
Ora, Jesus diz em João 7.17: “Se alguém decidir fazer a vontade de Deus, descobrirá
se o meu ensino vem de Deus ou se falo por mim mesmo”. Mas Romanos 8.7 diz que
“a mentalidade da carne é inimiga de Deus porque não se submete à Lei divina, nem
pode fazê-lo”. Visto que a mente pecaminosa não pode se submeter a ele, isso
obrigatoriamente significa que a pessoa que “decide fazer a vontade de Deus” já foi
transformada por ele, de modo que sua disposição não mais é pecaminosa, mas reta.
Ela, então, voluntariamente decide fazer a vontade divina, e torna-se apta a discernir a
veracidade do evangelho. Outra vez, isso faz supor que a regeneração deve preceder a
fé, e que a fé mesma é um dom de Deus.
JUSTIFICADOS
Os cristãos estão acostumados a pensar que a “salvação” vem pela fé, especialmente
em oposição às obras. A JUSTIFICAÇÃO é um ato de Deus pelo qual ele declara o pecador eleito como sendo justo sobre a base da justiça de Cristo. Visto que a
justificação se refere à tal justiça sendo legalmente creditada ao eleito, e assim,
precede muitos dos outros itens na aplicação da redenção, num certo sentido, não
incorre em erro quem diz que a fé leva aos itens subseqüentes na ordem da salvação,
para a qual a justificação é uma pré-condição. Por exemplo, Atos 26.18 diz que os
eleitos são “santificados pela fé ”.
Entretanto, a regeneração precede tanto a fé como a justificação, e nunca é dito que
ela segue ou resulta da fé, nem que deve sempre ser confundida com a justificação. É
a regeneração que leva à fé, e é a fé que leva à nossa justificação.
Em outras palavras, tendo escolhido certos indivíduos para serem salvos, Deus enviou
Cristo para morrer por eles e, assim, pagar pelos seus pecados. No devido tempo,
Deus altera a disposição pecaminosa deles para uma outra que se deleita em sua
vontade e suas leis. Como resultado, esses indivíduos respondem ao evangelho em fé,
o que, por seu turno, leva à uma declaração legal da parte de Deus de que eles foram
feitos justos aos seus olhos.
Portanto, a fé é nossa resposta divinamente capacitada ao chamado eficaz de Deus, e a
justificação é a sua resposta à nossa fé, a qual, antes de tudo, veio dele. Paulo escreve
que todos aqueles que são predestinados por ele são também chamados, e visto que o
chamado é um chamado eficaz, todos que são chamados dessa maneira também
respondem em fé, e são, portanto, justificados (Romanos 8.30).
A Escritura afirma que a justificação vem pela fé, e não pelas obras. Exemplos de
passagens em apoio disso incluem as seguintes:
Abrão creu no SENHOR, e isso lhe foi creditado como justiça. (Gênesis 15.6)
Por meio dele, todo aquele que crê é justificado de todas as coisas das quais
não podiam ser justificados pela Lei de Moisés. (Atos 13.39)
Portanto, ninguém será declarado justo diante dele baseando-se na obediência
à Lei, pois é mediante a Lei que nos tornamos plenamente conscientes do
pecado. Mas agora se manifestou uma justiça que provém de Deus,
independente da Lei, da qual testemunham a Lei e os Profetas, justiça de Deus
mediante a fé em Jesus Cristo para todos os que crêem. Não há distinção, pois
todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus, sendo justificados
gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus...
Pois sustentamos que o homem é justificado pela fé, independente da
obediência à Lei. (Romanos 3.20-24, 28)
Ora, o salário do homem que trabalha não é considerado como favor, mas
como dívida. Todavia, àquele que não trabalha, mas confia em Deus, que
justifica o ímpio, sua fé lhe é creditada como justiça. (Romanos 4.4-5)
Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor
Jesus Cristo, por meio de quem obtivemos acesso pela fé a esta graça na qual
agora estamos firmes; e nos gloriamos na esperança da glória de Deus.
(Romanos 5.1,2)
Sabemos que ninguém é justificado pela prática da Lei, mas mediante a fé em
Jesus Cristo. Assim, nós também cremos em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pela prática da Lei, porque pela prática da
Lei ninguém será justificado. (Gálatas 2.16)
Assim, a Lei foi o nosso tutor até Cristo, para que fôssemos justificados pela
fé. (Gálatas 3.24)
À luz da ênfase bíblica sobre a justificação pela fé somente, especialmente nos
escritos de Paulo, alguns crentes ficam confusos com certos dos versículos de Tiago 2.
Por exemplo, o versículo 24 diz: “Vejam que uma pessoa é justificada por obras, e
não apenas pela fé”. Mas a dificuldade desaparece quando observamos como o termo
é usado e quando prestamos atenção ao contexto.
Observe que estamos discutindo como uma palavra está sendo usada por dois
escritores bíblicos diferentes. Embora possamos estar certos de que todos os escritores
da Escritura concordam em teologia, eles nem sempre usam as mesmas palavras para
expressar os mesmos conceitos, e nem sempre utilizam as mesmas palavras com
exatamente o mesmo significado ou ênfase. Por exemplo, embora João não use a
palavra “justificação”, seus escritos ensinam que alguém é salvo pela fé somente tão
fortemente quanto os escritos de Paulo. 40 Listaremos somente alguns exemplos aqui:
Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, por não
crer no nome do Filho Unigênito de Deus. (João 3.18)
Então lhe perguntaram: “O que precisamos fazer para realizar as obras que
Deus requer?” Jesus respondeu: “A obra de Deus é esta: crer naquele que ele
enviou”. (João 6.28,29)
Mas ele continuou: “Vocês são daqui de baixo; eu sou lá de cima. Vocês são
deste mundo; eu não sou deste mundo. Eu lhes disse que vocês morrerão em
seus pecados. Se vocês não crerem que Eu Sou, de fato morrerão em seus
pecados”. (João 8.23,24)
Mas estes foram escritos para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho
de Deus e, crendo, tenham vida em seu nome. (João 20.31)
Com o entendimento de que a mesma palavra pode ser usada com significados
diferentes por escritores bíblicos diferentes, podemos aceitar a seguinte explicação de
Robert Reymond:
Enquanto Paulo pretende dizer por “justificado” o ato real da parte de Deus,
pelo qual ele perdoa e imputa justiça ao ímpio, para Tiago “justificado”
significa o veredicto que Deus declara quando o realmente (anteriormente)
justificado demonstra seu real estado de justiça pela obediência e boas obras...
Ao passo que Paulo, quando repudia as “obras”, está se referindo às obras da
lei, isto é, toda e qualquer obra, de qualquer espécie, feita com objetivo de
adquirir mérito, Tiago tenciona com “obras” se referir a atos de bondade para
com aqueles em necessidade, realizados como o fruto e a evidência do real
estado de justificado e de uma fé verdadeira e vital (Tiago 2.14-17)... E enquanto Paulo cria, de todo coração, que os homens são justificados pela fé
somente, ele insiste tão fortemente quanto Tiago que tal fé, se sozinha, não é
verdadeira, mas é uma fé morta: “Porque em Cristo Jesus nem circuncisão
nem incircuncisão significam alguma coisa. [O que conta] é a fé que opera
através do amor” (Gálatas 5.6), o que apenas difere em significado da
expressão de Tiago: “a fé como as obras estavam atuando juntas com as obras
[de Abraão], e a fé foi aperfeiçoada pelas obras” (Tiago 2.22). Paulo também
fala da “obra da fé” do cristão (1 Tessalonicenses 1.3). E no mesmo contexto
onde ele afirma que somos salvos pela graça através da fé, e “não por obras”,
Paulo pode declarar que fomos “criados em Cristo Jesus para as boas obras, as
quais Deus preparou de antemão para que andássemos nelas” (Efésios 2.8-10).
Resumindo, enquanto para Tiago “a fé sem obras é morta”, para Paulo “a fé
que opera através do amor” é inevitável, se ela for uma fé verdadeira. 41
Paulo queria mostrar que a justificação, no sentido da declaração legal inicial de
justiça da parte de Deus, vem somente pela fé na obra de Cristo, mas Tiago estava
mais preocupado em mostrar que se tal fé não resulta num estilo de vida justo, então,
antes de tudo, essa fé não é uma fé verdadeira, e a declaração legal de justiça da parte
divina nunca aconteceu, de forma alguma. Visto que alguém não é salvo pelas boas
obras, mas para as boas obras (Efésios 2.10), uma pessoa não necessita produzir boas
obras para ser salva, mas se ela não produz boas obras após ela alegar ser salva, então
ela nunca foi salva.
Assim, Tiago não nega que a justiça legal venha pela fé somente – o que não está sob
consideração – mas ele queria desafiar seus leitores a demonstrarem que a fé deles era
genuína: “Mostre-me a sua fé sem obras, e eu lhe mostrarei a minha fé pelas obras”
(Tiago 2.18). Sua ênfase não era sobre como alguém obtém justiça legal, mas sobre
como alguém que reivindica ter alcançado tal justificação deveria se comportar: “A
religião que Deus, o nosso Pai, aceita como pura e imaculada é esta: cuidar dos órfãos
e das viúvas em suas dificuldades e não se deixar corromper pelo mundo” (Tiago
1.27).
A natureza legal da justificação significa que a justiça creditada aos eleitos é uma
JUSTIÇA IMPUTADA antes do que uma JUSTIÇA INFUNDIDA. Deus enviou
Cristo para pagar pelos pecados dos eleitos, então lhes concede fé como o meio pelo
qual credita legalmente a justiça positiva de Cristo a eles. A justiça concedida aos
eleitos não é, desse modo, aquela que tenha sido adquirida ou produzida por eles
mesmos, mas a que foi gerada por Cristo e lhes dada como um dom. Logo, quando
afirmamos que a justificação é pela fé somente, estamos, na verdade, afirmando que a
justificação não é pelos nossos próprios esforços, os quais nunca poderiam adquirir
justificação, mas que a nossa justificação é por Cristo somente, que adquiriu
justificação para nós.
Visto que a justificação envolve uma declaração legal, ela é um ato instantâneo.
Alguém está justificado ou não-justificado; ninguém se torna justificado
gradualmente, mas é declarado justo instantaneamente quando crê no evangelho.
Portanto, o conceito de justificação exclui o processo pelo qual o crente cresce em
conhecimento e santidade, que é parte da santificação. Os cristãos que afirmam a justificação pela fé somente, todavia, freqüentemente
confundem justiça imputada com justiça infundida. A justificação é uma justiça
imputada, e a santificação é uma justiça infundida. A justificação é uma declaração
instantânea de justiça, mas a santificação se refere ao crescimento espiritual do crente
após ele ter sido justificado por Deus.
ADOTADOS
Tendo sido declarados justos por Deus, a ADOÇÃO é um ato seu pelo qual ele faz
com que os eleitos justificados se tornem membros de sua família.
Algumas pessoas pensam que todo ser humano é um filho de Deus. Contra essa
concepção errônea, a Bíblia ensina que, pelo contrário, todo não-cristão é um filho do
diabo:
O campo é o mundo, e a boa semente são os filhos do Reino. O joio são os
filhos do Maligno. (Mateus 13.38)
Então Jesus respondeu: “Não fui eu que os escolhi, os Doze? Todavia, um de
vocês é um diabo!”. (João 6.70)
Vocês pertencem ao pai de vocês, o diabo, e querem realizar o desejo dele. Ele
foi homicida desde o princípio e não se apegou à verdade, pois não há verdade
nele. Quando mente, fala a sua própria língua, pois é mentiroso e pai da
mentira. (João 8.44)
Filho do diabo e inimigo de tudo o que é justo! Você está cheio de toda
espécie de engano e maldade. Quando é que vai parar de perverter os retos
caminhos do Senhor? (Atos 13.10)
Aquele que pratica o pecado é do diabo, porque o diabo vem pecando desde o
princípio. Para isso o Filho de Deus se manifestou: para destruir as obras do
diabo. (1 João 3.8)
Desta forma sabemos quem são os filhos de Deus e quem são os filhos do
diabo: quem não pratica a justiça não procede de Deus; e também quem não
ama seu irmão. (1 João 3.10)
Não sejamos como Caim, que pertencia ao Maligno e matou seu irmão. E por
que o matou? Porque suas obras eram más e as de seu irmão eram justas. (1
João 3.12)
Por outro lado, aqueles que foram salvos por Cristo foram também feitos filhos de
Deus:
Porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de
Deus. Porque não recebestes o espírito de escravidão, para, outra vez, estardes
em temor, mas recebestes o espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos:
“Aba, Pai!”. O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos
de Deus. E, se nós somos filhos, somos, logo, herdeiros também, herdeiros de
Deus e co-herdeiros de Cristo; se é certo que com ele padecemos, para que
também com ele sejamos glorificados. (Romanos 8.14-17, ERC) Não é pouca coisa ser chamado filhos e herdeiros de Deus. Talvez essa doutrina tenha
sido tão diluída e abusada nos círculos cristãos e no mundo que nós não estamos tão
impressionados com ele quanto deveríamos estar: “Vejam como é grande o amor que
o Pai nos concedeu: que fôssemos chamados filhos de Deus, o que de fato somos! Por
isso o mundo não nos conhece, porque não o conheceu” (1 João 3.1).
Uma implicação importante de termos sido adotados na família de Deus é que nós
podemos agora nos relacionar com ele como o nosso Pai Celestial, e que podemos ter
agora comunhão com outros cristãos como verdadeiros membros de família. Na
realidade, a união entre os cristãos deveria ser mais forte do que aquela que existe
entre os membros de uma família natural. Nós fomos unidos pela vontade divina, pelo
sangue de Cristo e por uma fé comum.
A maioria das pessoas supõe que a Bíblia nos ensina a tratar os outros de uma forma
imparcial. Por exemplo, não se deve dar um tratamento especial a um rico apenas
porque ele é rico (Tiago 2.1-9). Contudo, a Bíblia não ensina que devemos tratar a
todos da mesma maneira; antes, nós temos que dar prioridade a certas pessoas:
“Portanto, enquanto temos oportunidade, façamos o bem a todos, especialmente aos
da família da fé” (Gálatas 6.10). Nós temos que colocar os cristãos em primeiro lugar
quando formos prover assistência a outras pessoas.
Devemos ser cuidadosos para evitar confundir adoção com outros itens nos benefícios
da redenção. Por exemplo, regeneração é uma ressurreição espiritual que capacita o
indivíduo a responder positivamente a Deus, mas a pessoa não se torna um filho dele
através daquela. É possível para uma criatura racional ser espiritualmente viva, sem
ser um membro da família divina no sentido denotado por adoção. Anjos podem ser
um exemplo dessa classe de seres.
Além do que, adoção não é justificação. Seria possível para Deus declarar legalmente
alguém como justo sem também fazer dessa mesma pessoa um filho através da
adoção. Alguém que foi regenerado e justificado já permanece como justo diante de
Deus, e nunca será condenado (Romanos 8.33). Mas a doutrina da adoção nos ilumina
ainda mais com respeito à extensão do amor dele para com os seus eleitos, que, além
de salvá-los do pecado e do inferno, também os fez seus filhos e herdeiros.
Vários itens nos benefícios da redenção têm sido distorcidos por algumas pessoas para
denotar deificação; as doutrinas da regeneração e da glorificação são especialmente
tendentes a serem abusadas. Um entendimento apropriado da adoção nos ajudará a
evitar esse erro. Um pregador disse o seguinte:
Pedro disse isso claramente; ele disse: “Nós somos participantes da natureza
divina”. Essa natureza é a vida eterna em perfeição absoluta. E essa foi
comunicada, injetada em seu espírito humano, e você a teve comunicada em si
por Deus da mesma forma como você a comunicou a seu filho a natureza da
humanidade. Esse filho não nasceu uma baleia! Ele nasceu um humano! Isso
não é verdade? Bem, agora, você não tem um [lado] humano, tem? Você é um
deles. Você não tem um deus em você. Você é um. Esse pregador ou está querendo dizer alguma outra coisa e se equivocou no caminho,
o que faz supor extremo descuido e expressa indiferença ao ministério da pregação,
ou ele quer dizer o que disse, o que constitui blasfêmia do tipo mais terrível. Em
outras palavras, se isso foi apenas uma escolha infeliz de palavras, então ela foi uma
escolha muito infeliz de palavras; se ela foi uma escolha boa de palavras, então foi
uma doutrina muito blasfema. Ambos os erros são suficientes para resultarem em
demissão do ministério, se não em excomunhão da igreja.
Jesus é o “Unigênito” de Deus (João 3.16; veja também João 3.18, 1 João 4.9); ele
tem um lugar único diante de Deus e um relacionamento peculiar com ele. Nós somos
filhos adotados de Deus, e a regeneração não nos torna parte da Trindade! Que Jesus
é também aludido como o “primogênito” (Romanos 8.29) denota sua preeminência
entre a criação divina e os seus eleitos, de acordo com a mentalidade hebraica, e não
significa que nós somos os filhos subseqüentes de Deus no mesmo sentido e na
mesma ordem de Deus Filho. Por exemplo, Colossenses 1.15 diz: “Ele é a imagem do
Deus invisível, o primogênito de toda a criação”. Isso não significa que o universo e
os planetas também sejam filhos de Deus.
SANTIFICADOS
A palavra SANTIFICAÇÃO pode ser usada em dois sentidos. SANTIFICAÇÃO
DEFINIDA refere-se à quebra instantânea e decisiva do domínio do pecado quando o
novo crente chega à fé em Cristo. Deus o consagrou e separou do mundo. Mas nessa
seção, estamos interessados na SANTIFICAÇÃO PROGRESSIVA, que se refere ao
crescimento gradual do crente em conhecimento e santidade, de forma que tendo
recebido a justiça legal na justificação, ele pode agora desenvolver uma justiça
pessoal em seu pensamento e comportamento.
Algumas pessoas cometem o engano de pensar que a santificação toda é como a
justificação, no sentido de ser um ato imediato de Deus pelo qual ele nos fazer
alcançar a perfeita santidade em pensamento e conduta e, assim, inferindo que os
verdadeiros cristãos não mais cometem pecados de forma alguma. Entretanto, embora
ela tenha um ponto definido de começo na regeneração, a Bíblia descreve a
santificação como um processo de crescimento, de modo que alguém pense e se
comporte cada vez mais de uma forma que seja agradável a Deus, e se conforme à
semelhança de Cristo.
Várias passagens bíblicas podem dar a impressão que alguém cessa de pecar
totalmente após a regeneração. Por exemplo, 1 João 3.9 diz: “Todo aquele que é
nascido de Deus não pratica o pecado, porque a semente de Deus permanece nele; ele
não pode estar no pecado, porque é nascido de Deus”. Mas esse versículo está apenas
dizendo que aquele que é nascido de Deus não continua no pecado, e não que ele não
peca em hipótese alguma. Na verdade, ele escreve no início da epístola: “Se
afirmarmos que estamos sem pecado, enganamos a nós mesmos, e a verdade não está
em nós” (1.8). Isto é, uma pessoa regenerada deve exibir uma transformação definida
em seu pensamento e comportamento. A perfeição não está em vista aqui, mas um
inequívoco voltar-se do pensar e viver perversos para um pensar e viver santos. Na mesma carta, o apóstolo João escreve: “Meus filhinhos, escrevo-lhes estas coisas
para que vocês não pequem. Se, porém, alguém pecar, temos um intercessor junto ao
Pai, Jesus Cristo, o Justo” (1 João 2.1). A obra expiatória de Cristo pagou eficazmente
não somente por aqueles pecados que nós cometemos antes da regeneração, mas
também por aqueles subseqüentes a ela. Não obstante, João não escreve isso para nos
conceder a liberdade para pecar, mas pelo contrário, ele diz: “Escrevo-lhes estas
coisas para que vocês não pequem”. O versículo também mostra que ele não exige
que os cristãos tenham alcançado a perfeição impecável, visto que ele faz provisão
para aquele que peca, dizendo: “Se, porém, alguém pecar, temos um intercessor junto
ao Pai, Jesus Cristo, o Justo”.
Hebreus 12.4 apresenta a santificação como uma “luta contra o pecado”, mas a Bíblia
também nos diz que essa é uma luta que podemos vencer. Paulo escreve:
Não ofereçam os membros do corpo de vocês ao pecado, como
instrumentos de injustiça; antes ofereçam-se a Deus como
quem voltou da morte para a vida; e ofereçam os membros do
corpo de vocês a ele, como instrumentos de justiça. Pois o
pecado não os dominará, porque vocês não estão debaixo da
Lei, mas debaixo da graça (Romanos 6.13,14)
O pecado não é o nosso mestre, de forma que não precisamos obedecê-lo. Fomos
libertos do pecado para que possamos agora levar vidas justas.
Como em todas as áreas de nossa vida espiritual, o modo como crescemos em
santidade envolve o intelecto e a volição, ou o entendimento e a vontade. Pedro
escreve: “Graça e paz lhes sejam multiplicadas, pelo pleno conhecimento de Deus e
de Jesus, o nosso Senhor. Seu divino poder nos deu tudo de que necessitamos para a
vida e para a piedade, por meio do pleno conhecimento daquele que nos chamou para
a sua própria glória e virtude” (2 Pedro 1.2,3). Crescemos em maturidade espiritual
primeiro através do conhecimento. Seria impossível afastar-se da iniqüidade e seguir a
justiça sem um claro conceito do que a impiedade e a justiça significam, e que tipos
de pensamentos e ações correspondem a cada uma delas. Quanto a nossa volição,
Paulo escreve: “Considerem-se mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo
Jesus” (Romanos 6.11).
Como todos os itens que esse capítulo discute, a santificação é uma obra de Deus;
contudo, ela é SINERGÍSTICA em natureza, significando que num sentido ela
também é uma obra do homem, e requer sua vontade e esforço deliberados no
processo. Sobre esse assunto, Paulo escreve:
Assim, meus amados, como sempre vocês obedeceram, não
apenas na minha presença, porém muito mais agora na minha
ausência, ponham em ação a salvação de vocês com temor e
tremor, pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele.
(Filipenses 2.12,13) 43
O crente deve ativamente fazer sua parte na santificação, de forma que persiga uma
vida de obediência a Deus “com temor e tremor”.
Todavia, na continuação da passagem, é explicado que até mesmo o desenvolvimento
da nossa salvação é definitivamente uma obra de Deus: “É Deus quem efetua em
vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele”. Nossas
ações e decisões permanecem debaixo do controle dele após a nossa regeneração e
santificação. Portanto, embora uma pessoa esteja consciente de seus esforços e lutas
na santificação, no final Deus recebe a glória, e o crente ainda não poderá se gloriar
de suas próprias realizações.
PRESERVADOS
Todos os que passam por uma fase da aplicação da redenção, experimentarão também
a fase seguinte. Por exemplo, todos a quem Deus predestinou, ele também chamará à
salvação no devido tempo. Ora, Romanos 8.30 diz: “Aos que justificou, também
glorificou”. Tal declaração necessariamente implica que todos os que experimentam a
justificação também experimentarão a glorificação; ninguém que esteja justificado
deixará de ser glorificado. Visto que a glorificação se refere à consumação da obra
salvadora de Deus no eleito, isso significa que uma vez que um indivíduo tenha sido
justificado aos olhos de Deus, sua justiça legal nunca será perdida. Visto que todos
aqueles que são justificados também serão glorificados, os verdadeiros cristãos nunca
perderão sua salvação.
Essa doutrina é amiúde chamada de PERSEVERANÇA DOS SANTOS; e também de
SEGURANÇA ETERNA em alguns círculos. Esses termos são acurados, visto que os
crentes verdadeiros conscientemente perseveram na fé e os eleitos estão, de fato,
eternamente seguros em sua salvação. Contudo, muitas passagens bíblicas tratando
com esse tópico enfatizam que é Deus quem ativamente preserva o crente do princípio
ao fim da sua salvação, que Jesus é “o autor e consumador da nossa fé” (Hebreus
12.2). Sendo esse o caso, PRESERVAÇÃO é um termo melhor. Ele reflete o fato de
que, no final das contas, é Deus quem mantém a salvação dos cristãos, e não o crente
em si.
Favorecer a perspectiva da preservação não nega que o crente deva deliberadamente
se aperfeiçoar e conscientemente se esforçar a fim de perseverar. É antibíblico dizer
que, visto que é Deus em última análise quem nos guarda, logo, não precisamos
exercer nenhum esforço consciente em nosso desenvolvimento espiritual. “Relaxe, e
deixe Deus fazer tudo”, uma frase popular que provavelmente veio do movimento de
Keswick, é antibíblica quando aplicada à santificação. Porém, a palavra “preservação”
nos ajuda a lembrar que é Deus quem concede e causa qualquer aperfeiçoamento e
estabilidade em nosso crescimento em conhecimento e santidade, mesmo que estejamos dolorosamente conscientes dos esforços que exercemos para o nosso
desenvolvimento espiritual.
Há muitas passagens bíblicas que ensinam que Deus preserva aqueles a quem ele
elegeu, regenerou e justificou:
Farei com eles uma aliança permanente: Jamais deixarei de fazer o bem a eles,
e farei com que me temam de coração, para que jamais se desviem de mim.
(Jeremias 32.40)
Todo aquele que o Pai me der virá a mim, e quem vier a mim eu jamais
rejeitarei. Pois desci dos céus, não para fazer a minha vontade, mas para fazer
a vontade daquele que me enviou. E esta é a vontade daquele que me enviou:
que eu não perca nenhum dos que ele me deu, mas os ressuscite no último dia..
(João 6.37-39)
Eu lhes dou a vida eterna, e elas jamais perecerão; ninguém as poderá arrancar
da minha mão. Meu Pai, que as deu para mim, é maior do que todos; ninguém
as pode arrancar da mão de meu Pai. (João 10.28,29)
Pois estou convencido de que nem morte nem vida, nem anjos nem demônios,
nem o presente nem o futuro, nem quaisquer poderes, nem altura nem
profundidade, nem qualquer outra coisa na criação será capaz de nos separar
do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor. (Romanos 8.38,39)
Ele os manterá firmes até o fim, de modo que vocês serão irrepreensíveis no
dia de nosso Senhor Jesus Cristo. (1 Coríntios 1.8)
Ora, é Deus que faz que nós e vocês permaneçamos firmes em Cristo. Ele nos
ungiu, nos selou como sua propriedade e pôs o seu Espírito em nossos
corações como garantia do que está por vir. (2 Coríntios 1.21,22)
Estou convencido de que aquele que começou boa obra em vocês, vai
completá-la até o dia de Cristo Jesus. (Filipenses 1.6)
Que o próprio Deus da paz os santifique inteiramente. Que todo o espírito, a
alma e o corpo de vocês sejam preservados irrepreensíveis na vinda de nosso
Senhor Jesus Cristo. Aquele que os chama é fiel, e fará isso. (1
Tessalonicenses 5.23,24)
Por essa causa também sofro, mas não me envergonho, porque sei em quem
tenho crido e estou bem certo de que ele é poderoso para guardar o que lhe
confiei até aquele dia. (2 Timóteo 1.12)
O Senhor me livrará de toda obra maligna e me levará a salvo para o seu
Reino celestial. A ele seja a glória para todo o sempre. Amém. (2 Timóteo
4.18)
Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo! Conforme a sua
grande misericórdia, ele nos regenerou para uma esperança viva, por meio da
ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma herança que jamais
poderá perecer, macular-se ou perder o seu valor. Herança guardada nos céus para vocês que, mediante a fé, são protegidos pelo poder de Deus até chegar a
salvação prestes a ser revelada no último tempo. (1 Pedro 1.3-5)
Judas, servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago, aos que foram chamados,
amados por Deus Pai e guardados por Jesus Cristo. (Judas 1)
Àquele que é poderoso para impedi-los de cair e para apresentá-los diante da
sua glória sem mácula e com grande alegria, ao único Deus, nosso Salvador,
sejam glória, majestade, poder e autoridade, mediante Jesus Cristo, nosso
Senhor, antes de todos os tempos, agora e para todo o sempre! Amém. (Judas
24-25)
A doutrina da preservação não diz que qualquer um que fez uma profissão de fé em
Cristo esteja portanto salvo e nunca se perderá, visto que sua profissão pode ser falsa.
Antes, a doutrina ensina que os verdadeiros cristãos nunca se perderão. Eles nunca se
apartarão permanentemente de Cristo, embora alguns deles possam até mesmo cair
profundamente no pecado por um tempo.
Um verdadeiro cristão é alguém que deu assentimento verdadeiro ao evangelho, e cuja
“fé sincera” (1 Timóteo 1.5) se torna evidente através de uma transformação
duradoura de pensamentos, conversação e comportamento em conformidade com as
exigências da Escritura. João diz que alguém que é regenerado “não pode continuar
pecando” (1 João 3.9). Por outro lado, uma pessoa que produz uma profissão de Cristo
como resultado de um falso assentimento ao evangelho pode permanecer “somente
um pouco de tempo. Quando surge alguma tribulação ou perseguição por causa da
palavra, logo a abandona” (Mateus 13.21).
Algumas vezes até os eleitos podem cair em sério pecado, mas tal queda nunca será
permanente. Todavia, enquanto uma pessoa estiver vivendo um estilo de vida
pecaminoso, não temos razão para crer em sua profissão de fé naquele momento, e,
portanto, devemos pensar dele como um incrédulo. Jesus ensina que uma recusa
obstinada para se arrepender é uma razão suficiente para a excomunhão:
Se o seu irmão pecar contra você, vá e, a sós com ele, mostre-lhe o erro. Se ele
o ouvir, você ganhou seu irmão. Mas se ele não o ouvir, leve consigo mais um
ou dois outros, de modo que ‘qualquer acusação seja confirmada pelo
depoimento de duas ou três testemunhas. Se ele se recusar a ouvi-los, conte à
igreja; e se ele se recusar a ouvir também a igreja, trate-o como pagão ou
publicano. (Mateus 18.15-17)
Visto que ele é considerado um incrédulo, não pode ser um candidato para casamento
por um cristão, não pode participar na comunhão, e não pode manter nenhuma
responsabilidade ministerial. Ele pode ser de fato um verdadeiro cristão, mas não há
nenhuma forma de se estar certo disso enquanto ele permanecer no pecado. Antes, ele
deve ser considerado e tratado como um incrédulo, juntamente com todas as
implicações de tal suposição. “Portanto, irmãos, empenhem-se ainda mais para
consolidar o chamado e a eleição de vocês, pois se agirem dessa forma, jamais
tropeçarão” (2 Pedro 1.10).
Aqueles que caem e nunca se arrependem jamais foram verdadeiramente salvos. João
diz: “Eles saíram do nosso meio, mas na realidade não eram dos nossos, pois, se fossem dos nossos, teriam permanecido conosco; o fato de terem saído mostra que nenhum deles era dos nossos” (1 João 2.19). Judas pareceu ter seguido Jesus por
vários anos, mas Jesus diz: “Não fui eu que os escolhi, os Doze? Todavia, um de
vocês é um diabo!” (João 6.70). O versículo 64 explica: “Jesus sabia desde o princípio
quais deles não criam e quem o iria trair”.
Assim, não é que Judas tivesse verdadeira fé, e então caísse em pecado e perdesse a
sua salvação; pelo contrário, ele nunca teve verdadeira fé de forma alguma. Jesus
escolheu Judas sabendo que ele seria o traidor: “Enquanto estava com eles, eu os
protegi e os guardei no nome que me deste. Nenhum deles se perdeu, a não ser aquele
que estava destinado à perdição, para que se cumprisse a Escritura” (João 17.12). Esse
versículo pressupõe a eleição divina, e explicitamente ensina as doutrinas da
preservação e da condenação. Jesus guardou a salvo os onze, que estavam entre os
eleitos, mas Judas se perdeu porque ele, antes e tudo, nunca tinha sido salvo; estava
entre os condenados, “preparados para destruição”.
Por outro lado, aqueles dentre os eleitos que parecem decair de sua fé, todavia, retém
sua salvação, e eles retornarão a Cristo de acordo com o poder de Deus para preserválos.
Por exemplo, mesmo antes de Pedro negar a Cristo, foi-lhe dito: “Simão, Simão,
Satanás pediu vocês para peneirá-los como trigo. Mas eu orei por você, para que a sua
fé não desfaleça. E quando você se converter, fortaleça os seus irmãos” (Lucas
22.31,32). É verdade que se a fé de alguém se perder realmente, então ele perdeu
também sua salvação; contudo, é o próprio Deus quem impede que a fé dos seus
eleitos fracasse. E, assim como Jesus orou por Pedro, ele está agora orando por todos
os cristãos, de modo que não importa quais problemas espirituais eles pareçam estar
experimentando, no final a fé deles não malogrará:
Minha oração não é apenas por eles. Rogo também por aqueles que crerão em mim, por meio da mensagem deles. (João 17.20)
Portanto, ele é capaz de salvar definitivamente aqueles que, por meio dele, aproximam-se de Deus, pois vive sempre para interceder por eles. (Hebreus 7.25)
Jesus não fez tal oração por Judas, mas orou somente pelos seus eleitos: “Eu rogo por eles. Não estou rogando pelo mundo, mas por aqueles que me deste, pois são teus” (João 17.9).
Uma das objeções mais comuns a essa doutrina declara que, se é verdade que o crente não pode perder sua salvação, então isso constitui uma licença implícita para pecar. O cristão pode cometer todo tipo de pecado, e ainda permanecerá seguro em Cristo. Entretanto, o verdadeiro cristão não deseja viver no pecado, embora possa ocasionalmente tropeçar. O verdadeiro crente detesta o pecado e ama a justiça. Alguém que peca de maneira irrefreada não é um cristão absolutamente. Há várias passagens bíblicas que ordenam os cristãos a buscarem a justiça e evitarem a impiedade. Algumas dessas passagens são tão fortes em expressão e contém advertências tão sinistras, que alguns as interpretam incorretamente, como dizendo que é possível para um verdadeiro crente perder sua salvação. Por exemplo, Hebreus 6.4-6 diz o seguinte:
Ora, para aqueles que uma vez foram iluminados, provaram o dom celestial, tornaram-se participantes do Espírito Santo, experimentaram a bondade da palavra de Deus e os poderes da era que há de vir, e caíram, é impossível que sejam reconduzidos ao arrependimento; pois para si mesmos estão crucificando de novo o Filho de Deus, sujeitando-o à desonra pública. Em primeiro lugar, o que quer que essa passagem signifique, ela não diz que os eleitos renunciam de fato a sua fé. Vamos assumir que a passagem está de fato dizendo que se alguém decair da fé depois de alcançar certo estágio de desenvolvimento espiritual, ela de fato perderia sua salvação. Isso não desafia a doutrina da preservação – na realidade, podemos concordar de todo coração com tal declaração. Se o eleito sincera e permanentemente renuncia a Cristo, então perde sua salvação. Contudo, nós já lemos vários versículos dizendo que isso nunca acontece, que o verdadeiro crente nunca renunciará a Cristo de forma sincera e permanente, e a passagem acima não diz nada que contradiga isso. João diz que aqueles que se apartam da fé nunca estiveram verdadeiramente na fé.
Em segundo lugar, vários versículos adiante, o escritor declara explicitamente que o que essa passagem descreve não acontecerá aos seus leitores: “Amados, mesmo falando dessa forma, estamos convictos de coisas melhores em relação a vocês, coisas que acompanham a salvação” (Hebreus 6.9). Parafraseando, ele está dizendo: “Embora estejamos falando dessa forma, estou certo de que quando diz respeito à salvação, isso não acontecerá com vocês”.
Em terceiro lugar, devemos lembrar que Deus usa vários meios pelos quais ele realiza os seus fins. Por exemplo, embora ele tenha determinado imutavelmente as identidades daqueles a quem salvaria, ele não salva essas pessoas sem se valer de meios. Antes, ele salva os eleitos por meio da pregação do evangelho, e da fé em Cristo que coloca dentro deles. Deus usa vários meios para realizar os seus fins, e ele escolhe e controla tanto os meios como os fins.
Conseqüentemente, apenas porque se nos diz que os eleitos perseverarão na fé, não significa que Deus não os advirta contra a apostasia. Na verdade, essas advertências escriturísticas sobre as conseqüências de renunciar a fé cristã são um dos meios pelos quais Deus impede seus eleitos de cometer apostasia. Os réprobos ignorarão essas advertências, mas os eleitos prestarão atenção a elas (João 10.27), e assim, eles continuarão a operar a própria santificação “com temor e tremor” (Filipenses 2.12). Concernente às palavras de Deus, Salmo 19.11 diz: “Por elas o teu servo é advertido; há grande recompensa em obedecer-lhes”.
"Ordo Salutis" - A Ordem da Salvação
Por
AD Jardim Botânico
Data:
18:26
SALVAÇÃO
ELEITOS
A doutrina bíblica da ELEIÇÃO ensina que Deus escolheu um número definido de indivíduos para obter salvação mediante a fé em Cristo. As identidades exatas dessas pessoas foram determinadas e são inalteráveis. Deus elegeu tais indivíduos sem qualquer consideração por suas decisões, ações e outras condições neles, mas a base de sua opção foi somente seu querer. Ele as escolheu para a salvação tão somente porque quis escolhê-los, e não porque ele previu qualquer coisa que eles fossem decidir ou fazer.
Ainda que eu vá mais completamente discutir a doutrina da eleição e responder a várias objeções na presente seção, já tenho estado explicando e defendendo a doutrina através deste livro, e todos os argumentos em apoio à absoluta soberania e à eleição divinas que haviam aparecido nos capítulos anteriores também se aplicam a esta seção. Lembrando isso, a necessidade de repetição será reduzida.
Nossa primeira passagem bíblica vem de Romanos 9. Ainda que o Israel nacional fosse supostamente a nação escolhida de Deus, a maioria de seu povo tinha rejeitado a Cristo, e assim foram tirados da salvação. Isso significa que a promessa divina para com Israel havia falhado? Paulo resolve essa questão em sua carta aos romanos: Não pensemos que a palavra de Deus falhou. Pois nem todos os descendentes de Israel são Israel. Nem por serem descendentes de Abraão passaram todos a ser filhos de Abraão. Ao contrário: “Por meio de Isaque a sua descendência será considerada”. Noutras palavras, não são os filhos naturais que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa é que são considerados descendência de Abraão. Pois foi assim que a promessa foi feita: “No tempo devido virei novamente, e Sara terá um filho.” (Romanos 9.6-9)
Ainda que “Israel” fosse a nação escolhida por Deus, nem todos os israelitas de nascimento natural eram israelitas genuínos. Deus nunca fez a promessa de salvação ao Israel nacional, mas somente aos verdadeiros descendentes de Abraão, que constituem o Israel espiritual. Quando seus adversários alegavam ser descendentes de Abraão, Jesus respondia: “Se vocês fossem filhos de Abraão, fariam as obras que Abraão fez. Mas vocês estão procurando matar-me, sendo que eu lhes falei a verdade que ouvi de Deus; Abraão não agiu assim” (João 8.38-40). Ainda que tais pessoas fossem descendentes naturais de Abraão, Jesus disse que eles não eram de fato filhos dele, mas que tinham por pai o diabo (v. 44).
Por outro lado, Paulo escreve: “Se vocês são de Cristo, são descendência de Abraão e herdeiros segundo a promessa” (Gálatas 3.29). Aqueles que tem a fé de Abraão são seus genuínos filhos (Romanos 4.16). A promessa divina foi feita aos descendentes espirituais de Abraão, não aos naturais. Naturalmente, esses últimos que creem em Cristo são também seus descendentes espirituais e, assim, também herdeiros da promessa, mas herdeiros somente devido à sua herança espiritual e não à natural. Paulo então cita o exemplo de Jacó e Esaú:
E esse não foi o único caso; também os filhos de Rebeca tiveram um mesmo pai, nosso pai Isaque. Todavia, antes que os gêmeos nascessem ou fizessem qualquer coisa boa ou má — a fim de que o propósito de Deus conforme a eleição permanecesse, não por obras, mas por aquele que chama — foi dito a ela: “O mais velho servirá ao mais novo”. Como está escrito: “Amei Jacó, mas rejeitei Esaú.” (Romanos 9.10-13).
Ainda que tanto Jacó quanto Esaú fossem descendentes naturais de Isaque, Deus os tratou diferentemente, ao favorecer o mais novo em detrimento do mais velho. Tal decisão não foi baseada em “qualquer coisa boa ou má” que tivessem feito, mas foi para que “o propósito de Deus conforme a eleição permanecesse.” A escolha foi incondicional, significando que não foi “por obras, mas por aquele que chama.” Jacó foi favorecido devido à soberana vontade de Deus, não por algo que tivesse feito ou fosse fazer; a escolha divina foi completamente independentemente de qualquer condição em Jacó. Como diz o versículo 15: “Terei misericórdia de quem eu quiser ter misericórdia e terei compaixão de quem eu quiser ter compaixão.” O verso 16 expressa a condição necessária: “Portanto, isso não depende do desejo ou do esforço humano, mas da misericórdia de Deus”. Paulo diz que Deus nos salvou “por causa da sua própria determinação e graça,” não devido a qualquer condição que ele viu em nós, e ele nos deu essa graça salvífica “desde os tempos eternos” (2 Timóteo 1.9). Ele “nos predestinou”, escreve Paulo, “conforme o bom propósito da sua vontade” (Efésios 1.5), não devido ao que ele soubesse que iríamos decidir ou fazer. Somos “chamados de acordo com o seu propósito” (Romanos 8.28). Aos tessalonicenses, Paulo escreve: “Ele os escolheu [a vocês]” (1 Tessalonicenses 1.4), e não: “Vocês o escolheram”. Ele repete isso em sua próxima carta a eles e diz: “Deus os escolheu [a vocês] para serem salvos” (2 Tessalonicenses 2.13), e não: “Vocês escolheram a si próprios para serem salvos.” A eleição não depende das decisões ou ações do homem, mas da misericórdia divina que é dispensada por sua vontade soberana somente. Jesus diz em João 6.37,44: Todo aquele que o Pai me der virá a mim, e quem vier a mim eu jamais rejeitarei. Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, não o atrair; e eu o ressuscitarei no último dia. O versículo 37 diz que todos os que são pelo Pai dados a Jesus virão a esse, e o 44 exclui todos os demais de vir a Jesus. Ou seja, serão salvos todos a quem o Pai lhe dá (v. 37), e ninguém que o Pai não dê a Jesus será salvo (v. 44). Visto que outras passagens bíblicas indicam que nem todos serão salvos, segue-se necessariamente que o Pai não dá toda pessoa a Jesus para ser salva.
A palavra traduzida por “atrair” no versículo 44 também quer dizer “arrastar”, “puxar” ou até “forçar”, de modo que pode ser lido: “Ninguém pode vir a mim a não ser que o Pai que me enviou o arraste, o puxe e o force.” Por exemplo, a palavra é traduzida por “arrastaram” e “arrastam” na NVI nos seguintes versículos: Percebendo que a sua esperança de lucro tinha se acabado, os donos da escrava agarraram Paulo e Silas e os arrastaram para a praça principal, diante das autoridades. (Atos 16.19) Toda a cidade ficou alvoroçada, e juntou-se uma multidão. Agarrando Paulo, arrastaram-no para fora do templo, e imediatamente as portas foram fechadas. (Atos 21.30) Mas vocês têm desprezado o pobre. Não são os ricos que oprimem vocês? Não são eles os que os arrastam para os tribunais? (Tiago 2.6). Tendo em mente a total depravação do homem (Romanos 3.10-12,23), que está espiritualmente morto e não pode responder a ou mesmo requisitar qualquer assistência, Jesus está dizendo que ninguém pode ter fé nele a menos que seja escolhido e compelido pelo Pai. Visto que a fé em Cristo é o único caminho para a salvação (Atos 4.12), e visto que é o Pai apenas e não os próprios indivíduos humanos quem escolhe aqueles que virão a Cristo, segue-se que é o Pai que elege quem receberá salvação, e não os indivíduos humanos mesmos.
Jesus repete esse ensino em João 6.63-66: O Espírito dá vida; a carne não produz nada que se aproveite. As palavras que eu lhes disse são espírito e vida. Contudo, há alguns de vocês que não creem”.
Pois Jesus sabia desde o princípio quais deles não criam e quem o iria trair. E prosseguiu: “É por isso que eu lhes disse que ninguém pode vir a mim, a não ser que isto lhe seja dado pelo Pai”. Daquela hora em diante, muitos dos seus discípulos voltaram atrás e deixaram de segui-lo.
Ninguém pode vir a Jesus a não ser que lhe seja dado pelo Pai; ou seja, ninguém tem a faculdade de aceitar Jesus se o Pai não lha der. Essa mesma passagem mostra que o segundo não dá tal capacidade a todos, visto que muitos deles não creem e que “muitos dos seus discípulos voltaram atrás e deixaram de segui-lo”. Jesus diz a seus discípulos: “Vocês não me escolheram, mas eu os escolhi” (João 15.16; também v. 19). Diz que “ninguém conhece o Pai a não ser o Filho e aqueles a quem o Filho o quiser revelar” (Mateus 11.27). E, em Mateus 22.14, que “muitos são chamados, mas poucos são escolhidos”, não que “muitos são convidados, mas poucos. “E quem, neste mundo de morte e pecado, não digo meramente querer, mas que pode querer o bem? Não é sempre verdade que uvas não são colhidas de espinheiros, nem figos dos cardos; que é somente a boa árvore que produz bom fruto enquanto que a má, sempre e em todo lugar, só fruto mau? ...É inútil conversar sobre salvação sendo a favor do ‘todos que a quiserem’ num mundo em que o ‘não a quero’ é universal”; Jesus contradiz a suposição comum de que responsabilidade pressupõe capacidade — isto é, que se alguém é incapaz de aceitar o evangelho, então ele não deve ser censurado por rejeitá-lo. Contudo, ele diz que todos os seres humanos são incapazes disso a menos que capacitadas por Deus, mas todos os que recusam o Evangelho serão também punidos por sua incredulidade. Deste modo, a responsabilidade não pressupõem capacidade. Discutiremos isso mais adiante no texto. aceitam o convite.” Isto é, muitos podem ouvir a pregação do evangelho, mas apenas aqueles “designados para a vida eterna” (Atos 13.48) podem e vão crer. Os eleitos são aqueles “por ele [Deus] escolhidos” (Marcos 13.20). Os crentes foram “escolhido[s] pela graça” (Romanos 11.5), e são eles “os que pela graça haviam crido” (Atos 18.27). Assim, não se pode eleger a si mesmo para a salvação aceitando a Cristo, mas recebe-se salvação aceitando a ele porque Deus escolhe primeiro. A fé não é a causa da eleição, mas a eleição é a causa da fé. Cremos em Cristo porque Deus primeiro nos elegeu para sermos salvos e então nos levou a acreditar naquele. Somos salvos porque Deus nos escolheu, não porque o escolhemos. A seguir, uma lista de várias passagens bíblicas relevantes para a doutrina da eleição, incluindo citações mais completas daquelas passagens que estão citadas apenas parcialmente acima. Algumas dessas passagens são também relevantes para os outros tópicos que discutiremos posteriormente neste capítulo:
Como são felizes aqueles que escolhes e trazes a ti, para viverem nos teus átrios! Transbordamos de bênçãos da tua casa, do teu santo templo! (Salmo 65.4)
Todas as coisas me foram entregues por meu Pai. Ninguém conhece o Filho a não ser o Pai, e ninguém conhece o Pai a não ser o Filho e aqueles a quem o Filho o quiser revelar. (Mateus 11.27)
Pois muitos são chamados, mas poucos são escolhidos. (Mateus 22.14)
Se o Senhor não tivesse abreviado tais dias, ninguém sobreviveria. Mas, por causa dos eleitos por ele escolhidos, ele os abreviou. (Marcos 13.20)
Vocês não me escolheram, mas eu os escolhi para irem e darem fruto, fruto que permaneça, a fim de que o Pai lhes conceda o que pedirem em meu nome. (João 15.16)
Se vocês pertencessem ao mundo, ele os amaria como se fossem dele. Todavia, vocês não são do mundo, mas eu os escolhi, tirando-os do mundo; por isso o mundo os odeia. (João 15.19)
Ouvindo isso, os gentios alegraram-se e bendisseram a palavra do Senhor; e creram todos os que haviam sido designados para a vida eterna. (Atos 13.48)
Querendo ele [Apolo] ir para a Acaia, os irmãos o encorajaram e escreveram
aos discípulos que o recebessem. Ao chegar, ele auxiliou muito os que pela
graça haviam crido. (Atos 18.27)
Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam,
dos que foram chamados de acordo com o seu propósito. (Romanos 8.28)
E Isaías diz ousadamente: “Fui achado por aqueles que não me procuravam;
revelei-me àqueles que não perguntavam por mim”. (Romanos 10.20)
E qual foi a resposta divina? “Reservei para mim sete mil homens que não
dobraram os joelhos diante de Baal.” Assim, hoje também há um
remanescente escolhido pela graça. E, se é pela graça, já não é mais pelas
obras; se fosse, a graça já não seria graça. Que dizer então? Israel não
conseguiu aquilo que tanto buscava, mas os eleitos o obtiveram. Os demais
foram endurecidos, como está escrito: “Deus lhes deu um espírito de
atordoamento, olhos para não ver e ouvidos para não ouvir, até o dia de hoje.”
(Romanos 11.4-8)
Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos
e irrepreensíveis em sua presença. Em amor nos predestinou para sermos
adotados como filhos, por meio de Jesus Cristo, conforme o bom propósito da
sua vontade, para o louvor da sua gloriosa graça, a qual nos deu gratuitamente
no Amado. (Efésios 1.4-6)
Nele fomos também escolhidos, tendo sido predestinados conforme o plano
daquele que faz todas as coisas segundo o propósito da sua vontade, a fim de
que nós, os que primeiro esperamos em Cristo, sejamos para o louvor da sua
glória. (Efésios 1.11,12)
Porque somos criação de Deus realizada em Cristo Jesus para fazermos boas
obras, as quais Deus preparou antes para nós as praticarmos. (Efésios 2.10)
Pois a vocês foi dado o privilégio de não apenas crer em Cristo, mas também
de sofrer por ele, já que estão passando pelo mesmo combate que me viram
enfrentar e agora ouvem que ainda enfrento. (Filipenses 1.29,30)
Assim, meus amados, como sempre vocês obedeceram, não apenas na minha presença, porém muito mais agora na minha ausência, ponham em ação a salvação de vocês com temor e tremor, pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele. (Filipenses 2.12,13)
Sabemos, irmãos, amados de Deus, que ele os escolheu porque o nosso evangelho não chegou a vocês somente em palavra, mas também em poder, no Espírito Santo e em plena convicção. Vocês sabem como procedemos entre vocês, em seu favor. (1 Tessalonicenses 1.4,5)
Porque Deus não nos destinou para a ira, mas para recebermos a salvação por meio de nosso Senhor Jesus Cristo. (1 Tessalonicenses 5.9)
Mas nós devemos sempre dar graças a Deus por vocês, irmãos amados pelo Senhor, porque desde o princípio Deus os escolheu para serem salvos mediante a obra santificadora do Espírito e a fé na verdade. (2 Tessalonicenses 2.13)
Portanto, não se envergonhe de testemunhar do Senhor, nem de mim, que sou prisioneiro dele, mas suporte comigo os meus sofrimentos pelo evangelho, segundo o poder de Deus, que nos salvou e nos chamou com uma santa vocação, não em virtude das nossas obras, mas por causa da sua própria determinação e graça. Esta graça nos foi dada em Cristo Jesus desde os tempos eternos, sendo agora revelada pela manifestação de nosso Salvador, Cristo Jesus. Ele tornou inoperante a morte e trouxe à luz a vida e a imortalidade por meio do evangelho. (2 Timóteo 1.8-10)
Vocês, porém, são geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de Deus, para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz. (1 Pedro 2.9)
A besta que você viu, era e já não é. Ela está para subir do Abismo e caminha para a perdição. Os habitantes da terra, cujos nomes não foram escritos no livro da vida desde a criação do mundo, ficarão admirados quando virem a besta, porque ela era, agora não é, e entretanto virá. (Apocalipse 17.8)
Guerrearão contra o Cordeiro, mas o Cordeiro os vencerá, pois é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; e vencerão com ele os seus chamados, escolhidos e fiéis. (Apocalipse 17.14)
A Bíblia não pinta a humanidade como um grupo de pessoas se afogando no mar do pecado, e que seriam resgatados tantos quanto queiram cooperar com Cristo. Antes, traz a figura na qual todos os seres humanos estão mortos na água (Efésios 2.1; Romanos 3.10), e que afundaram todos rumo ao fundo (Jeremias 17.9). Visto estarem mortos, são incapazes de cooperar com qualquer assistência, ou mesmo de requerê-la.
Na verdade, não prefeririam ser resgatados se deixados a si mesmos (Romanos 8.7; Colossenses 1.21). Contra uma tal situação, o Pai escolheu alguns para serem salvos por Cristo (2 Tessalonicenses 2.13; Efésios 1.4,5) arrastando-os para fora da água (João 6.44,65), meramente por sua própria iniciativa (Romanos 9.15). Tendo assim agido, ele os ressuscita dos mortos para nova vida em Cristo (Lucas 15.24; Romanos 6.13).
A doutrina bíblica da eleição ensina que ainda que todos os seres humanos mereçam o tormento sem fim no inferno devido aos pecados seus, Deus preferiu mostrar misericórdia para com alguns deles. Ele os elegeu antes da criação do universo e da queda do homem, e o fez sem levar em consideração de qualquer condição neles, seja boa ou má. Tendo elegido alguns para salvação, enviou Cristo para morrer como
pagamento completo por seus pecados, de modo que Deus pode creditar a justiça merecida por esse para eles quando vêm a Cristo. Por outro lado, aqueles que não foram eleitos para a salvação são designados para a condenação eterna, e receberão a punição apropriada por seus pecados, a qual é o tormento sem fim no inferno. Responderemos agora a várias objeções. Isso também nos dá a oportunidade de
aclarar e expandir certos aspectos de tal doutrina. Muitos daqueles que se recusam a aceitar o ponto de vista bíblico da eleição asseveram que Deus de fato escolheu alguns para salvação, mas a base para tal
escolha foi seu CONHECIMENTO ANTECIPADO. Isto é, ele sabia de antemão quais indivíduos livremente aceitariam Cristo, e sobre essa base ele os elegeu. Tal opinião antibíblica destrói o significado de eleição, visto querer dizer que Deus não elege as pessoas para a salvação em absoluto, mas que simplesmente aceita as escolhas daqueles que a si mesmo escolheram para salvação. Quando a locução “conhecimento antecipado” é usada da maneira acima, está se referindo à percepção cognitiva divina dos fatos futuros, tais como as decisões e as ações dos indivíduos. Desse modo, os proponentes desse ponto de vista definem o conhecimento divino antecipado como presciência. Além disso, fica suposto que tal
conhecimento é passivo, de modo que não é Deus que causa os eventos futuros que ele sabe, mas que ele passivamente entende o que suas criaturas farão acontecer. No trecho seguinte, estarei mostrando que definir “conhecimento antecipado” como presciência passiva gera problemas insuperáveis, e que o termo significa algo diferente na Bíblia.
Primeiramente, já expusemos que todo ser humano é em si mesmo tanto incapaz quanto nada disposto a vir a Cristo para salvação; uma pessoa pode e vai vir a Cristo somente se o Pai a capacitar e a compelir a assim fazer (João 6.44,65). Provamos ainda que o Pai não capacita nem compele todo ser humano a vir a Cristo. Isso significa que uma pessoa vem a Cristo somente porque o Pai o leva a assim agir. Visto que isso é verdadeiro, então dizer que a eleição é baseada na presciência divina das decisões futuras do homem é somente dizer que Deus conhece quem ele mesmo fará com que aceite Cristo, e que tal presciência não seria passiva. Se Deus elege uma pessoa porque sabe que essa aceitará Cristo, mas se tal pessoa aceitá-lo somente, porque Deus a levará a isso, então dizer que Deus sabe que ela o fará é o mesmo que
dizer que ele sabe que levará essa pessoa a aceitar Cristo. A eleição divina dela, então,
ainda está baseada em sua decisão soberana de elegê-la para a salvação, e não num conhecimento antecipado passivo de que ela aceitará Cristo sem que Deus a leve a assim fazer.
Isso é o que a Bíblia ensina, mas então significa que a presciência divina não é um conhecimento passivo do que uma pessoa decidirá ou executará, mas que é um conhecimento do que Deus a levará a decidir ou executar. A presciência divina é uma forma do autoconhecimento de Deus — um conhecimento dos seus próprios planos, e um conhecimento do que ele realizará no futuro. Portanto, dizer que a eleição é
baseada na presciência não desafia nossa posição absolutamente, visto que o conhecimento divino do futuro nunca é passivo, mas é ele mesmo que causa todas as coisas que ele sabe que acontecerá no futuro (Isaías 46.10).
Em segundo lugar, a Bíblia declara que a eleição divina não está baseada nas decisões ou ações do homem, que Deus não elege alguns para a salvação devido ao que essa pessoa decidirá ou fará.
Pois ele diz a Moisés: “Farei misericórdia a quem eu fizer misericórdia, e terei piedade de quem eu tiver piedade.” Não depende, portanto, daquele que quer, nem daquele que corre, mas de Deus que faz misericórdia... De modo que ele faz misericórdia a quem quer e endurece ele quer. (Romanos 9.15-16, 18; Bíblia de Jerusalém).
A eleição divina não é baseada numa presciência passiva, e, em primeiro lugar, a
presciência divina não é passiva. Deus escolhe uma pessoa porque quer escolher
aquela pessoa, e sabe que ela crerá no evangelho por saber quem ele fará crer no
evangelho.
Em terceiro lugar, definir o conhecimento divino antecipado como presciência passiva, na verdade, não logra fazer sentido com as passagens bíblicas que dizem que a eleição divina é baseada em conhecimento antecipado: Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou. (Romanos 8.29,30)
Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos eleitos de Deus, peregrinos dispersos no Ponto, na Galácia, na Capadócia, na província da Ásia e na Bitínia, escolhidos de acordo com o pré-conhecimento de Deus Pai, pela obra santificadora do Espírito, para a obediência a Jesus Cristo e a aspersão do seu sangue: Graça e
paz lhes sejam multiplicadas. (1 Pedro 1.1,2)
Nossos adversários interpretariam essas duas passagens como dizendo que a eleição divina está baseada em conhecimento antecipado no sentido de presciência passiva; isto é, Deus escolhe aqueles a quem ele passivamente sabia que aceitaria Cristo.Ora, a estrutura de Romanos 8.29,30 necessariamente implica que todos os indivíduos incluídos numa fase da ordem de salvação também entrariam em todas as fases
subseqüentes, e que todos os indivíduos em qualquer fase da ordem de salvação estão também incluídos em todas as fases anteriores. Desse modo, todos aqueles de antemão conhecidos foram também predestinados; todos aqueles predestinados são também chamados; todos aqueles chamados são também justificados; e todos aqueles justificados são também glorificados.
Michael Magill traduz a passagem como segue:
Porque a quem Ele conheceu de antemão, [os tais] Ele também predestinou...
E a quem Ele predestinou, os tais Ele também chamou
E a quem Ele chamou, aos tais Ele também declarou justos
E a quem Ele declarou justo, aos tais Ele também glorificou
Logo, seja o que for que o conhecimento antecipado queira dizer, todos os que são conhecidos de antemão por Deus são também por ele justificados. Entretanto, a passagem não diz que é a fé ou as escolhas das pessoas que são antecipadamente conhecidas por Deus, mas sim as pessoas. Nossos adversários assumem que o conhecimento de antemão significa presciência nessa passagem. Mas visto serem as pessoas que são conhecidas antecipadamente, visto ser o conhecimento divino do futuro exaustivo, e visto que todos os que são de antemão conhecidos são também justificados, então necessariamente segue que se alguém define conhecimento de antemão como presciência nessa passagem, deve ele também entenda-lo como ensinando a salvação universal. Ou seja, se conhecimento de antemão aqui se refere àquele de Deus sobre os fatos
futuros (especialmente uma presciência passiva), se é ele aplicado a pessoas nesta passagem e não à sua fé ou às suas escolhas, se Deus sabe sobre todos os seres humanos, e se todos os que são conhecidos por antecipação são justificados, então todos os seres humanos são também justificados; por conseguinte, o conhecimento de antemão quando relacionado à divina eleição, e quando usado nesta passagem em
particular, não pode querer dizer presciência (especialmente uma de tipo passivo). O conhecimento antecipado deve significar alguma coisa a mais. Provaremos que, em um contexto salvífico, o “conhecimento” divino faz alusão a sua soberana escolha e afeição propositada por pessoas e não à sua percepção passiva dos fatos. Por exemplo, Mateus 7.23 diz: “Então eu lhes direi claramente: Nunca os
conheci. Afastem-se de mim vocês, que praticam o mal!” Visto Jesus como Deus é onisciente, “nunca os conheci” não pode significar que ele nunca tivesse estado a par da existência, dos pensamentos e das ações dessas pessoas. Na verdade, ele sabe que “praticam o mal.” Portanto, a negação do “conhecimento” aqui é uma negação de uma relação salvífica, e não uma percepção passiva dos fatos. Em conseqüência,
“conhecimento de antemão” referir-se-ia a um relacionamento salvífico estabelecido na mente divina antes da existência dos indivíduos eleitos; ou seja, quer dizer ordenar de antemão. Muitas passagens bíblicas empregam o conceito de antemão neste sentido. Por exemplo, Deus diz a Jeremias*: “Antes mesmo de te formar no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei. Eu te constituí profeta para as nações.” Naturalmente Deus conheceria uma pessoa a quem ele mesmo se propôs criar; isto é, Deus conhece seus próprios planos. O principal sentido aqui é que antes que Jeremias fosse concebido, Deus o escolheu — não que Deus se agradou com o que passivamente soube acerca de Jeremias, mas que ele o designou e o fez. O conhecimento divino antecipado como eleição e ordenação de antemão fica mais
evidente pelo paralelismo das linhas neste versículo. Quando uma linha ou expressão é posta em paralelo com uma outra linha ou expressão em um versículo, uma parte expande ou esclarece o significado da outra. Por exemplo, “pois foi ele quem fundoua sobre os mares e firmou-a sobre as águas” não necessariamente quer dizer que além de haver fundado-a “sobre as águas”, ele também “firmou-a” sobre essas. Antes,
“firmou-a sobre as águas” porta um significado similar a “fundou-a sobre os mares”, e ajuda a esclarecê-lo. Um outro exemplo vem da Oração Dominical, onde Jesus diz: “Não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal” (Mateus 6.13). Não é que devemos pedir a Deus para livrar-nos “do mal” além de não nos deixar “cair em tentação”, mas que “livra-nos do mal” é o que significa “não nos deixe cair em
tentação”. Com isso em mente, o paralelismo na chamada divina de Jeremias ajuda-nos a aclarar
o significado de “eu te conheci.” Repetindo, Jeremias 1.5 diz: “Antes mesmo de te formar no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei. Eu te constituí profeta para as nações.” Ou então, podemos traduzir assim o versículo: Eu te conheci antes que te formasse no útero,
Eu te consagrei antes que tivesses nascido; Eu te constituí um profeta às nações. As palavras “eu te conheci” corresponde a “eu te consagrei” e “eu te constituí,” e as três expressões carregam significados similares. Pois Deus conhecer Jeremias no sentido aqui proposto é consagrá-lo e constituí-lo para o próprio propósito divino. S. M. Baugh também usa essa passagem para ilustrar o sentido do conhecimento antecipado de Deus, e escreve:
Um outro exemplo notável do conhecimento divino de antemão está expresso em Jeremias 1.5, onde Deus diz a Jeremias: Eu te conheci antes mesmo de te formar no ventre materno, Eu te consagrei antes que saísses do seio. Eu te constituí profeta para as nações. As primeiras duas linhas são estritamente paralelas no número de sílabas e na ordem das palavras...
Mas como pôde Deus ter conhecido Jeremias antes mesmo de concebido?
Porque ele pessoalmente formou seu profeta, como a Adão do pó (Gn 2.7), e todas as pessoas (Sl 139.13-16; Is 44.24). Deus soube de antemão não apenas a possibilidade da existência de Jeremias — de fato ele conhece todas as possibilidades — mas o conheceu por nome antes de ser concebido, pois sabia
como ele formaria e moldaria sua existência. 10 Huey escreve: “Aqui está envolvida um relacionamento de escolha (Gn 18.19; Dt 34.10). O Senhor estava pensando acerca de Jeremias antes desse nascer. Naquele
tempo Deus já o tinha designado para ser um profeta”.
O ponto é que o conhecimento antecipado de Deus refere-se a um relacionamento pessoal originado por sua soberana decisão, e não por uma passiva percepção das futuras pessoas e eventos. Visto que nada ocorre fora de seu decreto ativo (Mateus 10.29), seu conhecimento do futuro está arraigado em sua vontade soberana. O Evangelical Dictionary of Theology diz: “O conhecimento divino de antemão permanece relacionado ao seu querer e poder. O que ele sabe, ele não o sabe meramente como informação. Ele não é mero espectador. O que ele antecipadamente conhece, ordena. Ele o quer”. 12
No Dictionary of Paul and His Letters, J. M. Gundry-Volf escreve: Em vez de se referir a conhecimento especulativo ou neutro (i.e., conhecimento de quem acreditará), a noção paulina do conhecimento divino
antecipado é entendida por muitos intérpretes como um saber no sentido semítico de reconhecer, ter propensão a alguém, conhecimento o qual expressa um movimento do querer estendendo a mão para o relacionamento pessoal com alguém. Tal espécie de conhecimento é ilustrado pelo significado do
hebraico yada, “conhecer,” em textos como os de Amós 3.2; Oséias 13.5; e Jeremias 1.5... No emprego que Paulo faz de proginosko o aspecto de prétemporalidade adiciona-se ao sentido hebraico de “conhecer” como “ter consideração por” ou “favorecer a.” O resultado é um verbo que alude à eterna eleição do amor divino. O artigo sobre conhecimento antecipado em The International Standard Bible Encyclopedia ajuda a reforçar vários pontos que estamos discutindo:
A teologia arminiana, em todas as suas variantes, propugna que o conhecimento antecipado de Deus é simplesmente um conhecimento presciente, um saber de antemão se uma dada pessoa crerá em Cristo ou rejeita-lo-á. A eleição divina, portanto, diz-se ser simplesmente a escolha de Deus para a salvação daqueles que Ele sabe antecipadamente que preferirão crer em Cristo. Ele prevê a ação livre contingente da fé e, prevendo quem crerá em Cristo, elege-os porque eles assim o fazem. Mas isso destrói o ponto de vista bíblico da eleição. No pensamento bíblico a eleição significa
que Deus elege pessoas, não que elas o elegem. Na Escritura é Deus que em Cristo decide por nós — não nós que, fazendo uma decisão por Cristo, decidimos por Deus.
A teologia reformada propugna que o conhecimento divino antecipado contém o ingrediente da determinação divina. Os reformadores sustentavam que de fato Deus sabe de antemão quem crerá, porque crer em Cristo não é uma realização pessoal, mas um dom divino comunicado aos homens pela graça divina e pelo Espírito. Desse modo, esse conhecimento antecipado não é meramente presciência, mas um conhecimento que por si mesmo determina o evento. Ou seja, no pensamento reformado o que Deus sabe por antecipação, ele ordena de antemão...
Que o conhecimento antecipado divino contenha a idéia da determinação divina não repousa meramente em uns poucos textos bíblicos, mas reflete uma verdade acerca de Deus que vem a expressar-se numa variedade de conceitos bíblicos descritivos do caráter misterioso e singular das ações divinas. Esse
conhecimento é por si próprio uma forma de determinação que explica a realidade daquilo que é divinamente sabido de antemão...
Assim, é um engano definir conhecimento antecipado como presciência passiva, porque a Bíblia quer dizer algo mais com esse termo. Agora que esclarecemos o significado de conhecimento antecipado, devemos aplicar a definição correta à passagem em disputa, que lemos:
Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou. (Romanos 8.29,30)
A respeito dessa passagem, Baugh escreve:
A interpretação armininana clássica de Romanos 8.29, que o conhecimento antecipado de Deus da fé é que está em vista, está claramente lendo a própria teologia no texto. Paulo não diz: “cuja fé ele soube antecipadamente,” mas “quem ele conheceu de antemão.” Ele nos conheceu antecipadamente...
Porém, em Romanos 8.29, a predestinação não depende da fé; antes, Deus nos predestina sobre a base de seu gracioso compromisso para conosco antes que houvesse o mundo...
Talvez uma outra tradução expresse melhor o conceito por trás de Romanos 8.29: “Aqueles a quem ele previamente se devotou...” Repetindo, isso não é dizer que o conhecimento antecipado de Deus está vazio da cognição intelectual; ter uma relação pessoal com alguém, como uma relação
marital, inclui conhecimento acerca daquela pessoa... Deus nos conheceu de antemão porque moldou a cada um de nós pessoal e intimamente de acordo com seu plano...
Que Paulo se refere a esse conceito de um relacionamento com compromisso na frase a quem ele de antemão conheceu em Romanos 8.29 é confirmado pelo contexto...
Confirmação adicional de “conhecimento de antemão” em Romanos 8.29 como aludindo a um compromisso prévio é encontrado em uma passagem próxima, Romanos 11.1,2, onde proginosko só pode ter esse sentido: “Deus não rejeitou seu povo, rejeitou? De jeito nenhum! Pois eu também sou um israelita... Deus não rejeitou seu povo a quem dantes conheceu”. Como em Romanos 8.29, o objeto do conhecimento antecipado são as pessoas mesmas em vez de eventos históricos a fé de uma pessoa em particular...
A noção arminiana de “fé prevista” é impossível como interpretação do conhecimento antecipado em Romanos 11.1,2 e, por conseguinte, na passagem anterior, Romanos 8.29, também o é. A última explica que Deus iniciou uma relação de compromisso desde a eternidade com certos indivíduos a quem predestinou por graça.
F. F. Bruce concorda, dizendo que “o conhecimento divino antecipado aqui tem a conotação de ser a graça eletiva freqüentemente subentendida pelo verbo ‘conhecer’ no Antigo Testamento. Quando Deus tem conhecimento das pessoas dessa maneira especial, ele põe sobre elas sua preferência.”
Douglas Moo também defende que conhecimento antecipado tem o sentido de ordenar de antemão quando utilizado em Romanos 8.29:
No [armininanismo] a resposta humana de fé torna-se o objeto do “conhecimento antecipado” divino; e tal conhecimento, por sua vez, é a base para a predestinação: pois “a quem ele dantes conheceu, ele predestinou.” Porém, considero improvável que seja ela a correta interpretação.
(1) O uso do verbo no NT e seu substantivo cognato não se conforma ao padrão geral de utilização... os três outros além da ocorrência neste texto, todos os quais têm a Deus como seu sujeito, não querem dizer “conhecer dantes” — no sentido de conhecimento intelectual, ou cognição — mas “entrar antes em
relacionamento com” ou “escolher, ou determinar, antes” (Rm 11.2; 1Pd 1.20; At 2.23; 1Pd 1.2).
(2) Que o verbo aqui contenha esse sentido bíblico particular de “conhecer” é sugerido pelo fato de que ele tem um objeto pessoal simples. Paulo não diz que Deus soube de algo sobre nós mas que nos conheceu, e isso é reminiscência do sentido de “conhecer” no AT.
(3) Além domais, é somente alguns indivíduos... que são objetos de sua atividade; e isso mostra que uma ação aplicável apenas aos cristãos deve estar indicada pelo verbo. Se, então, a palavra significa “conhecer intimamente”, “ter consideração por”, tal deve ser um conhecimento ou amor que é peculiar aos crentes e que os leva a serem predestinados. Sendo esse o caso, a diferença entre “conhecer ou amar de antemão” e “escolher antecipadamente” praticamente deixa de existir.
Ainda que o conhecimento antecipado em Romanos 8.29 não pode querer dizer presciência passiva, John Murray propugna que mesmo que fosse esse o caso, isso ainda assim não desafia a doutrina da eleição:
Pois certamente é verdade que Deus prevê a fé; ele prevê tudo que acontece. A questão então seria simplesmente: de onde provém essa fé que Deus prevê? E a única resposta bíblica é que a fé que ele prevê é a que ele mesmo cria... Logo, o interesse é simplesmente de interpretação, como ela deve ser aplicada
a essa passagem... Sobre fundamentos exegéticos, devemos rejeitar a opinião de que “dantes conheceu” refere-se à previsão de fé...
Como diz Nelson’s Illustrated Bible Dictionary, “em Romanos 8.29 e 11.2, o uso da locução dantes conheceu pelo apóstolo Paulo tem o sentido de ‘escolher’ ou ‘pôr especial afeto sobre.’ O amor eletivo de Deus, não a previsão da ação humana, é a base de Sua predestinação e salvação”. Alguns que não concordam com esse entendimento de conhecimento antecipado argumentam que, se esse conhecimento em Romanos 8.29 significa ordenação de antemão, então seria redundante traduzir a palavra “predestinado”, visto que o versículo diz: “Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou.” Parece que as duas palavras estão se referindo a conceitos separados no verso; logo, argumentam que devemos adotar a presciência passiva como a definição de conhecimento antecipado. Entretanto, eles falham em não ler o versículo cuidadosamente. Se a locução dantes conheceu significa ordenado de antemão ali, ela seria uma referência à obra divina de eleição, ou seja, sua escolha de indivíduos específicos a quem ele salvaria. Então, o versículo diz que esses a quem Deus elegeu, ele também predestinou, não para repetir o conceito de eleição, mas que ele expõe uma “destinação” ou intenção antecipadamente para os eleitos — a saber, a vontade divina é para eles “serem conformes à imagem de seu Filho.” Conhecimento antecipado nesse versículo referese à eleição divina de indivíduos para a salvação, e a predestinação revela o propósito
específico ou fim que Deus tem designado para seus eleitos. Em outras palavras, Deus não apenas escolhe os eleitos para receberem salvação do pecado, mas também para tornarem-se semelhantes a seu Filho, Jesus Cristo. O versículo está dizendo que as mesmas pessoas a quem Deus elegeu são também
aquelas a quem ele deu a “destinação” ou propósito de se tornarem como Cristo, e que
ele tomou uma tal decisão antecipadamente, e assim os “predestinou.” Em conseqüência, escreve Gundry-Volf: Paulo faz distinção entre o conhecimento divino antecipado e a predestinação divina em Romanos 8.29: “aqueles a quem ele dantes conheceu, também predestinou.” Enquanto o conhecimento de antemão indica o exercício da vontade de Deus para estabelecer um relacionamento especial com aqueles a
quem ele graciosamente elegeu antes dos séculos, a predestinação expressa a nomeação daqueles para uma meta específica antes dos séculos... Em Romanos 8.29 tal meta é a conformidade com a imagem do Filho, uma referência à salvação final dos eleitos. O conhecimento de antemão, como escolha divina, é dessa forma a base da predestinação para a glorificação com Cristo. Esse conhecimento não deve ser compreendido como previsão da fé de modo que se distinga da predestinação.
Baseado nas observações e argumentos acima, é necessário entender conhecimento de antemão em Romanos 8.29 como ordenação antecipada. Kenneth Wuest reconhece isso, e traduz os versículos 29 e 30 como segue: Porque, aqueles a quem Ele de antemão ordenou também dantes marcou como aqueles que eram para serem conformados à imagem derivada de Seu Filho, resultando que Ele é o primogênito entre muitos irmãos. Além disso, aqueles a quem Ele assim assinalou antecipadamente, aos tais Ele também
chamou. E aqueles a quem chamou, aos tais também justificou. Além do mais, aqueles a quem Ele justificou, também aos tais glorificou. A locução “ordenou de antemão” aqui corresponde a conhecimento antecipado, e a frase “dantes marcou” corresponde a predestinação. De modo similar, tais versículos no NT grego se traduzem como segue: Aqueles a quem Deus já havia escolhido ele também reservou para tornaremse
como seu Filho, de modo que o Filho pudesse ser o primeiro entre muitos crentes. E assim aqueles a quem Deus reservou, chamou; e àqueles que chamou, ele pôs em retidão consigo mesmo, e compartilhou sua glória com eles.
Podemos ademais confirmar tal entendimento de conhecimento antecipado examinando Atos 2.23 e 4.28. O primeiro versículo diz: “Este homem lhes foi entregue por propósito determinado e pré-conhecimento de Deus; e vocês, com a ajuda de homens perversos, o mataram, pregando-o na cruz.” Isso não significa que
Deus estivesse passivamente a par do que os homens fariam a Jesus, mas que seu sofrimento era na verdade “propósito determinado” divino, que é também o sentido de conhecimento antecipado aqui. Atos 4.28 também se refere à morte de Cristo, mas diz: “Fizeram o que o teu poder e a tua vontade haviam decidido de antemão que acontecesse.” Mas acabamos de ver que em 2.23 Pedro credita o incidente ao “propósito determinado” e “pré-conhecimento” de Deus. É evidente que tais termos tem sentidos equivalentes, de modo que o conhecimento antecipado dele faz referência a seu “propósito determinado” ou ao que ele “decidiu de antemão.” Na realidade, as palavras de 4.28 nos dão uma boa definição do conhecimento antecipado de Deus — é o que o seu “poder” e a sua “vontade haviam decidido de antemão que acontecesse.” Como escreve Martinho Lutero: “É, então, fundamentalmente necessário e salutar para os cristãos saber que Deus não conhece nada de antemão de modo contingente, mas que Ele prevê, tenciona e faz todas as coisas de acordo com Sua própria vontade imutável, eterna e infalível”. Sem mais argumentação, podemos concluir que o conhecimento antecipado em 1 Pedro 1.2 também não pode fazer alusão a uma presciência passiva. O versículo diz que somos “escolhidos de acordo com o pré conhecimento de Deus Pai.” Naturalmente o somos — o versículo quer dizer que os cristãos foram escolhidos e ordenados por antecipação para salvação pela soberana vontade divina. Muita gente faz a observação de que a eleição bíblica contradiz o “livre arbítrio” do homem, e visto insistirem em que o homem tem livre arbítrio, eles conseqüentemente recusam as doutrinas da soberania absoluta e da divina eleição como apresentada neste livro. Contra tal objeção, podemos simplesmente responder que os seres
humanos não têm livre arbítrio em absoluto. Ainda que muitos cristãos suponham que eles o possuam, essa é uma noção pagã que não consegue achar apoio algum na Bíblia.
R. K. McGregor define “livre arbítrio” como segue: “Pelo termo livre arbítrio quero dizer a crença de que a vontade humana tem um poder inerente de escolher com igual facilidade entre alternativas. Isso é comumente chamado ‘o poder de escolha contrária’ ou ‘a liberdade de indiferença...’ Definitivamente, a vontade fica livre de qualquer causação necessária. Em outras palavras, ela é autônoma de determinação
exterior.”24 Livre arbítrio subentende “a ausência de qualquer poder controlador, até
Deus e sua graça, e por conseqüência a igual faculdade em qualquer situação de escolher um curso de ação dentre dois que sejam incompatíveis entre si.”
Assumindo uma tal definição, afirmo que o homem não tem livre arbítrio.
Em primeiro lugar, é impossível para seres finitos terem livre arbítrio. Se pensarmos no exercício da vontade como o movimento da mente rumo a uma certa direção,26 surge a questão quanto ao que move a mente, e por que ela se move em direção aonde se move. Mesmo se supormos que a mente possa mover-se por si própria, ainda nos fica a questão do porquê dela mover-se à uma dada direção, isto é, porque escolhe uma opinião em vez de uma outra. Se se traça o movimento e a direção da mente a fatores externos à própria mente — fatores que se inculcam sobre a consciência vindos de fora, e assim influenciando ou determinando a decisão — então como esse movimento da mente é livre? Por outro lado, se se traça a causa às propensões inatas da pessoa, então tal movimento da mente, igualmente, não é livre, visto que tais
inclinações embutidas não foram livremente escolhidas (ou seja, sem influências externas) pela pessoa em primeiro lugar, todavia determinam as decisões que ela toma. Se as decisões de uma pessoa são determinadas por uma mistura de propensões inatas e influências externas, fica que ela não tem livre arbítrio.
Se a mente toma decisões baseada em fatores, causas e influências não escolhidas pela mente mesma, então tais decisões não são livres. Ainda que possamos afirmar que o homem tenha uma vontade, de modo que a mente possa realmente mover-se para diferentes opções, a faculdade e a razão para tal movimento nunca é determinada pela mente em si própria, mas por alguma outra coisa que não ela mesma. Visto tal ser
verdade para todos os seres finitos, segue que somente Deus possui livre arbítrio.
Como Lutero escreve contra o humanista Erasmo:
É uma verdade estabelecida, então... que fazemos todas as coisas por necessidade, e nenhuma por “livre arbítrio”; pois o poder de “livre arbítrio” é nada... Segue, portanto, que “livre arbítrio” é obviamente um termo aplicável somente à Majestade Divina; pois apenas Ele pode fazer, e faz (como canta o salmista) “tudo o que deseja, no céu e na terra”. Se é atribuído o “livre arbítrio” aos homens, o é com não mais propriedade do que à divindade mesma o seria — e nenhuma blasfêmia poderia exceder a isso! 27
Ninguém sob o domínio do pecado pode simplesmente “decidir” ficar livre dele sem a intervenção divina, nem a pessoa desejaria ficar liberta dele antes que uma tal intervenção ocorra. A salvação é totalmente a obra de Deus, de modo que ninguém pode se orgulhar de suas obras ou mesmo de seu “bom senso” no que tem “escolhido” (João 15.16; Efésios 2.8). Mesmo após alguém haver se tornado cristão, “é Deus
quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele” (Filipenses 2.13).
A Escritura ensina que Deus é quem determina os pensamentos e decisões do homem. Ele exerce controle imediato sobre a mente desse, e determina todas as propensões inatas e fatores externos relevantes a ele. É Deus quem forma uma pessoa no útero, que determina suas disposições íntimas, e que dispõe suas circunstâncias exteriores pela divina providência. É verdade que a doutrina da eleição contradiz o livre arbítrio do homem, 28 mas isso é uma invenção humana — uma suposição ou aspiração pecaminosa — e não um conceito escriturístico. Logo, a objeção do “livre arbítrio” contra a eleição divina erra porque não há livre arbítrio. Muitos pensam que há uma contradição entre a soberania divina e a responsabilidade
humana. Supõe que a segunda pressuponha a autonomia humana, ou livre arbítrio. Mas se Deus tem controle absoluto e penetrante sobre todas as decisões e ações humanas, então o homem não é livre e, portanto, aquelas duas não se afiguram estar em conflito.
Ora, a primeira definição de “responsável” no Webster’s New World College Dictionary é “de quem se espera ou que está obrigado a prestar contas (por alguma coisa, para alguém); quem responde; quem explica.”29 Independente de o homem ser livre ou não, dele certamente “se espera ou está obrigado a prestar contas” por suas ações a Deus. Diz a Bíblia: “Pois Deus trará a julgamento tudo o que foi feito,
inclusive tudo o que está escondido, seja bom, seja mau” (Eclesiastes 12.14). Ele recompensará o justo e punirá o ímpio; logo, o homem é responsável. O homem é responsável precisamente porque Deus é soberano, visto que ser responsável significa nada mais do que ser considerado alguém que presta contas de
suas próprias ações, que vai ser recompensado ou punido de acordo com um dado padrão de certo e errado. A responsabilidade moral tem tudo a ver se Deus decidiu julgar o homem e se ele tem o poder e a autoridade para fazer cumprir uma tal decisão, mas isso não depende de qualquer “livre arbítrio” no homem. Esse é responsável porque Deus recompensará a obediência e punirá a rebelião, mas tal não
supõe em hipótese alguma que esteja livre para obedecer ou se rebelar. Diz Romanos 8.7: “a mentalidade da carne é inimiga de Deus porque não se submete à Lei de Deus, nem pode fazê-lo.” O homem é responsável por seus pecados não porque seja livre ou capaz de não cometê-los; esse versículo diz que ele não o é. Mas o homem é responsável porque Deus decidiu julgá-lo por seus pecados. Portanto, a
responsabilidade humana não pressupõe a autonomia humana ou o livre arbítrio, mas a absoluta soberania divina. Essa contradiz a autonomia, mas não a responsabilidade humana. 30
Para muitas pessoas, a questão agora se torna de justiça. Insistem elas que seria injusto para Deus condenar aqueles pecadores que nunca foram livres para decidir ou fazer de outra forma, e que foram criados para e predestinados à condenação eterna por ele em primeiro lugar. Visto que tal objeção será relevante quando discutirmos a doutrina da condenação, trataremos dela lá.
Alguns acham impossível negar que a Bíblia de fato ensine a eleição divina, e que essa é para a salvação; contudo, não estão preparados para afirmar que Deus escolhe indivíduos específicos. Eles sugerem que ele de fato elege alguns para a salvação, mas que essa eleição é coletiva em sua natureza. Alegam que Efésios 1.4 apóia tal posição: “Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo.” Visto que o versículo
diz que a eleição divina é em Cristo, a objeção contra a eleição de indivíduos para a salvação é que o objeto da eleição é Cristo, e qualquer um que venha a Cristo torna-se um dos eleitos.
Contudo, Paulo escreve em 1 Coríntios 1.27-30: “Mas Deus escolheu... a fim de que ninguém se vanglorie diante dele. É, porém, por iniciativa dele que vocês estão em Cristo Jesus, o qual se tornou sabedoria de Deus para nós, isto é, justiça, santidade e redenção.” O apóstolo diz que é Deus quem fez a escolha em eleição para que “ninguém se vanglorie diante dele.” Contra aqueles que dizem que somente Cristo é o
objeto da eleição, e que qualquer um que venha a ele torna-se eleito de Deus, a passagem diz: “É... por iniciativa dele que vocês estão em Cristo Jesus.” Ele escolhe quem se torna “em Cristo” e, por conseguinte, a eleição divina é realmente uma seleção de indivíduos.
Além do mais, a eleição coletiva falha ao explicar porque qualquer um quereria vir a Cristo sem ter sido individualmente escolhido e então “arrastado” a ele por Deus.31 Conforme o que já provamos acerca da depravação do homem e de sua escravidão ao pecado, se Cristo devesse ser o único objeto da eleição, ninguém entraria a ele, e ninguém seria salvo. Para uma dada pessoa ser salva, Deus deve primeiro escolher e então direta e poderosamente agir sobre sua mente. Portanto, concluímos que a eleição divina consiste da escolha de indivíduos por Deus para a salvação, e não a igreja coletivamente ou Cristo. Em todo caso, é possível refutar a eleição coletiva diretamente lidando com a passagem em questão. Efésios 1.4-6 diz:
Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em sua presença. Em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos, por meio de Jesus Cristo, conforme o bom propósito da sua vontade, para o louvor da sua gloriosa graça, a qual nos deu gratuitamente
no Amado. O versículo 4 diz que ele nos escolheu “nele,” com o objeto da seleção divina como
“nós” e não Cristo. Isto é, diz que ele “nos escolheu,” e não que ele “o escolheu.” O 5 exclui a eleição coletiva quando diz que “em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos, por meio de Jesus Cristo.” Deus nos predestinou — não Cristo, mas os indivíduos — para sermos adotados como filhos seus por meio de Jesus Cristo. Da mesma forma, diz o verso 6 que “nos deu gratuitamente no Amado.” Deus nos dá salvação em Cristo; ele não dá salvação a Cristo e então nos espera para entrarmos a
Cristo por algum tipo de auto-eleição. Cristo é de fato o eleito ou escolhido para nos conseguir salvação, mas não é ele o eleito quando alguém vem a receber salvação. A eleição no contexto da salvação
refere-se a indivíduos que Deus escolheu para salvar por meio de Jesus Cristo. Ele é o escolhido para salvar, e os eleitos são os escolhidos para serem salvos. O “nele” no versículo 4 corresponde ao “por meio de Jesus Cristo” no 5 e ao “no Amado” no versículo 6, com todas as três expressões aludindo a ele como o meio de salvação, e não o objeto da salvação. Uma outra objeção contra a doutrina bíblica da eleição divina é que ela destrói a razão ou o motivo para se fazer evangelismo. Parece a alguns que, se Deus predetermina as identidades daqueles que serão salvos, isso faria com que a obra de evangelismo ficasse sem sentido.
Superficialmente, isso parece ser uma objeção que surge de uma preocupação nobre e piedosa por evangelismo, mas a suposição é que a única razão ou motivo suficiente para se obedecer à ordem divina de evangelizar é que desobedecê-la resultará na condenação eterna de muitos. Em outras palavras, alguém que faça tal objeção contra a eleição divina está subentendendo que somente vê sentido em obedecer a Deus em pregar o evangelho apenas se sua desobediência levar sua potencial audiência a sofrer o tormento sem fim
no inferno. Ainda que Deus tenha-lhe ordenado pregar o evangelho, ele não tem incentivo algum em fazê-lo a menos que saiba que as outras pessoas serão condenadas para sempre por sua desobediência. A menos que seu papel na salvação ou condenação dos outros seja determinante, para ele não há significado em obedecer à ordem divina. Tal objeção serve para expor a depravação moral de quem a levanta,
mas não oferece desafio algum à doutrina da eleição. Os cristãos fiéis podem afirmar que o mandamento de Deus de pregar o evangelho é mais do que suficiente para dar sentido e propósito ao evangelismo. Suas ordens são inerentemente cheias de sentido, e demandam obediência. Além disso, devemos
compreender que ele controla tanto os meios quanto os fins. Ele não somente determina o que ele quer que aconteça, mas também como ele quer que aconteça, e decidiu que os crentes seriam os meios pelos quais outros indivíduos a quem escolheu sejam trazidos a Cristo. Devemos ser gratos por Deus usar nossa pregação como o meio pelo qual ele chama aqueles que escolheu para salvação (2 Timóteo 2.10).
É verdade que Deus não necessita de nós: “Ele não é servido por mãos de homens, como se necessitasse de algo, porque ele mesmo dá a todos a vida, o fôlego e as demais coisas” (Atos 17.25). Seus mandamentos para nós nunca refletem sua necessidade, visto não ter ele nenhuma, mas seu preceptivo querer para as nossas vidas. Pregamos para que aqueles que estão “designados para a vida eterna” (Atos 13.48) venham a Cristo, e não porque eles perder-se-ão sem nós. Entretanto, isso significa mais para algumas pessoas ter essa necessidade do que obedecer aos mandamentos de Deus.
O outro lado da doutrina da eleição é a doutrina da REPROVAÇÃO. Assim como Deus ativamente escolheu salvar alguns, da mesma maneira preferiu condenar o restante da humanidade. Assim como determinou quais indivíduos específicos seriam salvos, determinou quais indivíduos específicos seriam condenados para sempre: O oleiro não tem direito de fazer do mesmo barro um vaso para fins nobres e outro para uso desonroso? E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar conhecido o seu poder, suportou com grande paciência os vasos de sua ira, preparados para a destruição? (Romanos 9.21,22)
Portanto, para vocês, os que crêem, esta pedra é preciosa; mas para os que não crêem, “a pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular”, e, “pedra de tropeço e rocha que faz cair.” Os que não crêem tropeçam, porque desobedecem à mensagem; para o que também foram destinados. (1 Pedro
2.7,8) Muita gente tenta diluir essa doutrina dizendo que Deus meramente “ignora” os réprobos, mas a Bíblia ensina que ele ativamente endurece seus corações contra si mesmo e o evangelho: Mas o SENHOR endureceu o coração do faraó, e ele não deixou que os israelitas saíssem. (Êxodo 10.20) Pois foi o próprio SENHOR que lhes endureceu o coração para guerrearem contra Israel, para que ele os destruísse totalmente, exterminando-os sem misericórdia, como o SENHOR tinha ordenado a Moisés. (Josué 11.20)
SENHOR, por que nos fazes andar longe dos teus caminhos e endureces o nosso coração para não termos temor de ti? Volta, por amor dos teus servos, por amor das tribos que são a tua herança! (Isaías 63.17)
Cegou os seus olhos e endureceu-lhes o coração, para que não vejam com os olhos nem entendam com o coração, nem se convertam, e eu os cure. (João 12.40) Portanto, Deus tem misericórdia de quem ele quer, e endurece a quem ele quer. (Romanos 9.18). Que dizer então? Israel não conseguiu aquilo que tanto buscava, mas os eleitos o obtiveram. Os demais foram endurecidos, como está escrito: “Deus lhes deu
um espírito de atordoamento, olhos para não ver e ouvidos para não ouvir, até o dia de hoje.” (Romanos 11.7,8) Já provamos que livre arbítrio não existe em seres finitos, e que a responsabilidade humana não tem relação alguma com aquele. É Deus quem governa todas as coisas, inclusive os pensamentos e as ações dos seres humanos, mas esses ainda são responsáveis por seus pensamentos e ações precisamente porque Deus os mantém responsáveis por aqueles por seu soberano poder. A responsabilidade pressupõe a capacidade de prestação de contas, mas essa não pressupõe faculdade ou liberdade. A capacidade de prestar contas meramente pressupõe alguém que a exige. Visto que Deus requer essa capacidade — visto que recompensará a justiça e punirá a impiedade — o homem é responsável. Já que Deus é soberano, ele decide o que quer decidir, e se os seres humanos têm livre arbítrio ou não nunca tem ele que entrar nessa discussão em nenhuma hipótese. Imediatamente a questão torna-se de justiça. Muitas pessoas podem insistir que seria injusto para Deus punir aqueles a quem predestinou à condenação eterna, que nunca
poderiam decidir ou fazer de modo diverso.
Paulo antecipa tal objeção em Romanos 9.19, e escreve: “Mas algum de vocês me dirá: “Então, por que Deus ainda nos culpa? Pois, quem resiste à sua vontade?” Ele retruca: “Mas quem é você, ó homem, para questionar a Deus? “Acaso aquilo que é formado pode dizer ao que o formou: ‘Por que me fizeste assim?’” (v. 20). Deus governa por absoluta autoridade; ninguém pode parar seus planos, e ninguém tem o
direito de questionar a ele. Isso é verdade porque Deus é o criador de tudo o que existe, e ele tem o direito de fazer o quer que deseje com sua criação: “O oleiro não tem direito de fazer do mesmo barro um vaso para fins nobres e outro para uso desonroso?” (v. 21). O apóstolo continua a dizer: “E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar conhecido o seu poder, suportou com grande paciência os vasos de sua ira, preparados para a destruição? Que dizer, se ele fez isto para tornar conhecidas as riquezas de sua
glória aos vasos de sua misericórdia, que preparou de antemão para glória, ou seja, a nós, a quem também chamou, não apenas dentre os judeus, mas também dentre os gentios?” (vv. 22-24). Isso ainda é parte da resposta à questão do versículo 19: “Então, por que Deus ainda nos culpa? Pois, quem resiste à sua vontade?” Paulo está dizendo que visto ser Deus soberano, ele pode fazer o que quer que deseje, incluindo
criar alguns vasos destinados para glória, e alguns destinados à perdição eterna. Os eleitos regozijam-se nessa doutrina; os réprobos a detestam. Seja como for, não há nada que alguém possa fazer a esse respeito. Pedro diz, concernente àqueles que rejeitam Cristo, que “tropeçam, porque desobedecem à mensagem; para o que também foram destinados” (1 Pedro 2.8).
É somente devido à impiedade e irracionalidade que a questão da justiça é mesmo
trazida à baila contra a doutrina da reprovação. A objeção nessas várias formas
equivale ao seguinte:
1. A Bíblia ensina que Deus é justo.
2. A doutrina da reprovação é injusta.
3. Logo, a Bíblia não ensina a doutrina da reprovação.
A premissa (2) foi admitida sem garantia.
Por qual padrão alguém deve julgar se essa
doutrina é justa ou injusta? Se a Bíblia fala dela, então não cabe a nós discutir a
questão. Por outro lado, o cristão raciocina como segue:
1. A Bíblia ensina que Deus é justo.
2. A Bíblia confirma a doutrina da reprovação.
3. Logo, a doutrina da reprovação é justa.
O fulcro é se a Bíblia confirma a doutrina; se for justo ou injusto não deve ser
antecipadamente assumido. Observa Calvino:
Pois tanto a vontade de Deus é a mais elevada regra de justiça que o que quer que ele queira, pelo próprio fato dele querê-la, deve ser considerado justo. Portanto, quando alguém pergunta por que ele assim fez, devemos responder: porque ele o quis. Mas se você ainda prosseguir para perguntar por que ele
assim quis, você está buscando algo maior e mais elevado do que a vontade dele, que não pode ser encontrado. Que a temeridade dos homens, então, se refreie, e não procure o que não existe, para que talvez não fracasse em achar o que de fato existe.
Ditar como a misericórdia divina deve ser dispensada é demonstração que prova a expressa pecaminosidade e a tola audácia do homem, e não um argumento contrário às doutrinas da eleição e da condenação. Para melhor compreendermos a eleição e a reprovação, devemos afirmar completamente o que a Bíblia diz a respeito da depravação humana. Por exemplo, Romanos 3.10-12, 23 diz: “Não há nenhum justo, nem um sequer; não há ninguém que entenda, ninguém que busque a Deus. Todos se desviaram, tornaram-se juntamente inúteis; não há ninguém que faça o bem, não há nem um sequer... pois
todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus.” Todo ser humano é um pecador, e “o salário do pecado é a morte” (Romanos 6.23); portanto, a justiça exige que toda pessoa seja condenada eternamente.
As doutrinas da eleição e da reprovação não dizem que os eleitos recebem misericórdia enquanto os não-eleitos recebem injustiça. Visto que todos os seres humanos merecem a condenação eterna, essas doutrinas bíblicas ensinam que aqueles a quem Deus escolheu para salvação receberão misericórdia, e aqueles a quem ele escolheu para a perdição eterna receberão precisamente justiça — e que é por isso que eles serão condenados. Deus não tem obrigação alguma de mostrar misericórdia a qualquer um em absoluto, e que o faça a alguns não significa que devam merecer misericórdia em hipótese alguma. Uma vez que é alegado que Deus está de certo modo obrigado a ser misericordioso para com alguns, não estamos mais falando de misericórdia, mas de justiça. Não é a misericórdia que concede o que é requerido, mas a justiça. Receber justiça nesse caso resulta em eterna condenação e não salvação. O que é “justo” é todos serem condenados, visto que nossos pecados fazem com que tal seja a reta punição. Devemos ser absolutamente gratos que Deus seja misericordioso para salvar alguns, em vez de lhe lançarmos a blasfema acusação de ser injusto ou não suficientemente misericordioso. Como escreve Benjamin B. Warfield: Não colocaremos de uma vez por todas em nossas mentes que a salvação não é direito de homem algum; que uma “oportunidade” para salvar a si próprio não é “oportunidade” de salvação para qualquer um; e que, se alguém da pecaminosa raça do homem é salvo, deve-o ser por um milagre da todapoderosa
graça, sobre a qual ele não tem pretensão alguma, e contemplando isso como um fato, ele somente pode ficar cheio de adoração admirada pelas maravilhas do inexplicável amor divino? Exigir que seja dada uma
“oportunidade” a todos os criminosos de escapar de suas penas, e que a todos será dada uma “oportunidade igual,” é simplesmente zombar da própria idéia de justiça, e mais, da idéia mesma de amor. 33
Ainda que não tenhamos direito de exigir uma explicação, Paulo diz-nos sim porque a obra divina da reprovação é tanto boa quanto necessária: E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar conhecido o seu poder, suportou com grande paciência os vasos de sua ira, preparados para a destruição? Que dizer, se ele fez isto para tornar conhecidas as riquezas de sua glória aos vasos de sua misericórdia, que preparou de antemão para glória, ou seja, a nós, a quem também chamou, não apenas dentre os judeus, mas
também dentre os gentios? (Romanos 9.22-24)
Deus preparou “para a destruição” certos indivíduos, de modo que possa ele “mostrar a sua ira e tornar conhecido o seu poder.” Paulo explica que “para tornar conhecidas as riquezas de sua glória aos vasos de sua misericórdia, que preparou de antemão para glória.” Em outras palavras, a reprovação dos não-eleitos é para a expressa intenção de tornar conhecida a glória divina aos seus eleitos. Visto que os eleitos foram “salvos da ira de Deus” (Romanos 5.9) por Cristo, nunca terão a oportunidade de experimentarem o aspecto colérico de sua natureza. Mas a ira divina continua sendo um atributo essencial. Como explicado anteriormente, o amor de Deus para com seus eleitos é caracterizado por sua boa-vontade de revelar-se a eles (João 14.21-23, 15.15, 16.14; 1 Coríntios 2.9-12) e, por conseguinte, ele preparou os
réprobos para um tal propósito.
Já provamos que Deus tem o direito de fazer tudo o que desejar com sua criação, exatamente como um oleiro com sua massa de argila; portanto, não se pode acusar a Deus de ser cruel ou injusto por criar e predestinar os réprobos para o propósito acima. Ele é a única autoridade moral, e a Bíblia o chama justo e bom; logo, tudo o que ele diga e faça é justo e bom por definição. Segue-se que sua obra de reprovação é
assim justa e boa por definição, e ninguém pode acusá-lo de maldade — não há padrão algum de certo e errado fora de Deus pelo qual acusá-lo de injustiça. Ele é seu próprio padrão moral, e visto chamar a si próprio de justo, logo ele deve ser justo. Em vez de levar-nos a questionar a justiça divina, a doutrina da reprovação deve ademais iluminar-nos a respeito do grande amor de Deus por seus eleitos. Visto que
ele governa até os réprobos para servirem a seus próprios fins (Provérbios 16.4), e que “faz que todas as suas obras cooperem” (Romanos 8.28, Tradução do Novo Mundo) para o bem dos eleitos, segue-se que ele pode manipular as vidas dos réprobos de maneira a promover o bem de seus próprios escolhidos. E a Escritura ensina que isso é o que está sendo feito. Desse modo, a condenação dos pecadores é para o benefício e a edificação dos cristãos, pois tal é o amor divino para com seus eleitos.
CHAMADOS
Romanos 8.29,30 nos diz que, àqueles a quem Deus escolheu para salvação, também tem dado um propósito, a saber, se conformarem à semelhança de seu Filho. E àqueles a quem ele tem dado tal propósito, ele também lhes envia um chamado no devido tempo, para que possam vir a Cristo. Assim, a passagem diz: “E aos que predestinou, também chamou” (v. 30).
Lembre-se de que todos que estão inclusos numa fase da aplicação da redenção, também entram na fase seguinte. Todos a quem Deus elegeu, também predestinou, e todos a quem predestinou, também chama a Cristo. Mas o versículo 30 continua e diz: “Aos que chamou, também justificou”. Assim, todos a quem Deus chama alcançarão a justificação. E visto que essa é pela fé em Cristo, todos a quem Deus chama crerão em
Cristo e serão justificados. Portanto, o chamado divino para com o eleito é obrigatoriamente eficaz e, assim, os teólogos chamam esse ato de Deus de um CHAMADO EFICAZ.
Visto que o chamado eficaz é um chamado cujo resultado está garantido, ele não é como um “convite” que o eleito pode aceitar ou rejeitar. Antes, ele é mais parecido com o que queremos dizer pelo verbo “intimar”. Ao chamar seus eleitos, Deus não os convida meramente para fazer algo, mas ele próprio faz algo neles. Sinclair Ferguson escreve: “Aquele que os chama cria neles a capacidade para responder, de forma que
no próprio ato de chamar ele os traz a uma nova vida”. 34 Assim, aqueles a quem Deus escolheu e predestinou na eternidade, ele também intima para vir a Cristo no tempo histórico.
Deus intima o eleito comumente através da pregação do evangelho. Ora, os cristãos não aprendem primeiramente a identificar os eleitos, e então passam a pregar o evangelho somente a eles. Antes, eles pregam o evangelho “a toda criação" e “quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado” (Marcos 16.15,16). Portanto, quer na forma de discurso público, conversa privada, literatura escrita ou outros meios, a pregação ou apresentação do evangelho é direcionada tanto aos eleitos
como aos não-eleitos. O eleito chegará à fé; o não-eleito ou rejeitará o evangelho, ou produzirá uma profissão de fé temporária e falsa. Devido a isso, os teólogos distinguem entre o CHAMADO EXTERNO e o CHAMADO INTERNO. O chamado externo refere-se à pregação do evangelho pelos seres humanos, e é apresentado tanto aos eleitos como aos não eleitos. Por outro lado, o chamado interno ou eficaz é uma obra divina que acompanha o chamado externo para fazer com que o eleito chegue à fé em Cristo. A pregação do evangelho se mostra a todos como um chamado externo, mas ela vem também como uma intimação interna aos eleitos. O chamado externo é produzido pelos seres humanos, mas o interno é uma obra somente de Deus e ocorre somente nos eleitos. O segundo é habitualmente concomitante com o primeiro. Em outras palavras, muitas pessoas podem ouvir o evangelho numa determinada situação, mas Deus faz com que apenas os eleitos creiam no que é pregado, ao passo que endurece os não-eleitos contra o mesmo. Mateus 22:14 diz: “Porque há muitos convidados, mas poucos escolhidos” [Tradução
do Novo Mundo]. A palavra “convidados”, nesse versículo, pode ser traduzida por “chamados”, como em muitas outras traduções. Muitos são de fato “convidados” pelo fato de ouvirem o chamado externo do evangelho, mas somente uns poucos estão entre os eleitos de Deus, e, portanto, as profissões de fé genuínas e permanentes vêm do último grupo.
REGENERADOS
Nós podemos definir a natureza pecaminosa do homem como uma forte disposição da mente para o mal (Colossenses 1.21; Romanos 8.5-7). REGENERAÇÃO é uma obra de Deus na qual ele transforma uma tão maligna disposição numa outra que se deleita nas leis e nos preceitos divinos (Ezequiel 11.19,20, 36.26,27), e isso resulta no que significa uma ressurreição espiritual. Regeneração é uma transformação drástica e permanente no nível mais profundo da personalidade e do intelecto de alguém, que
podemos chamar de uma RECONSTRUÇÃO RADICAL. 35 Os compromissos mais básicos do indivíduo para com objetos e princípios abomináveis, que ele uma vez serviu, são deixados para trás e voltados para Deus. Tal mudança no princípio primeiro de pensamento e conduta de uma pessoa gera um efeito como de ondas, que transforma o espectro inteiro de sua cosmovisão e estilo de vida.
Regeneração, ou ser “nascido de novo”, ocorre em conjunção com o chamado eficaz de Deus para com os seus eleitos (1 Pedro 1.23; Tiago 1.18), e os capacita a responder em fé e arrependimento a Cristo. Isso significa que a regeneração precede a fé; isto é, uma pessoa não nasce de novo pela fé, mas ela é capacitada a crer precisamente porque Deus a regenerou primeiro. Fé não é a pré-condição da regeneração; antes, a regeneração é a pré-condição da fé. Uma razão pela qual muitos cristãos pensam que a regeneração ocorre pela fé é porque confundem regeneração com “salvação” em geral, e “justificação” em
particular. Quando a palavra “salvação” é aplicada ao pecador, ela é um termo geral que pode implicar diversas coisas, tais como os itens que estamos discutindo nesse capítulo. Por outro lado, na justificação Deus confere ao eleito a justiça legal merecida por Cristo em sua obra redentora. A Bíblia ensina que nós somos justificados pela fé, e não que somos regenerados pela fé. A confusão acontece quando se considera tanto a justificação como a regeneração como tendo o sentido de “salvação”. Jesus diz: “Digo-lhe a verdade: Ninguém pode ver o Reino de Deus, se não nascer de novo” (João 3.3). A palavra “ver” aqui se refere principalmente à capacidade de entender, ou “investigar”. Paulo escreve em 2 Coríntios 4.4: “O deus desta era cegou as mentes dos descrentes, para que não possam ver a luz do evangelho da glória de
Cristo”. Se eles não podem “ver” o evangelho, então não podem aceitá-lo, o que Mateus 13.15 estabelece um ponto similar: “Pois o coração deste povo se tornou insensível; de má vontade ouviram com seus ouvidos, e fecharam seus olhos. Se assim não fosse, poderiam ver com os olhos, ouvir com os ouvidos, entender com o coração e se converter, e eu os curaria”. Ou, como Marcos 4.12 diz: “De outro modo,
poderiam converter-se e ser perdoados!”. Uma pessoa entenderá somente quando for capaz de ver, e somente quando ela entender é que ela será capaz de se voltar, isto é, se “converter” (Mateus 13.15). Se é necessário “ver” antes que alguém tenha fé, e se a capacidade de “ver” é somente possível após a regeneração (João 3.3), então naturalmente a regeneração vem antes da fé.
Revisando, Deus escolheu um número de indivíduos para receber a salvação. Após isso, Cristo veio a esta terra e pagou o preço do pecado pelos eleitos. Então, cada um dos eleitos é intimado a crer no evangelho nos tempos específicos designados por Deus. Contudo, visto que os eleitos nascem pecadores, há presente dentro deles uma forte disposição para o mal, tornando-os incapazes e não dispostos a responder. Portanto, ele regenera os pecadores eleitos ao mesmo tempo em que os intima, e coloca em cada um deles uma nova natureza que se inclina para Deus e a justiça. Assim, a regeneração é uma obra MONERGÍSTICA – ela é uma obra de Deus que produz seus efeitos sem qualquer cooperação da pessoa que está sendo salva.
João 1.12,13 faz referência à natureza monergística da regeneração: “Mas a todos quantos o receberam, a eles ele deu o direito de se tornarem filhos de Deus, àqueles que quem crêem em seu nome, que não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”*. A passagem indica que a regeneração não ocorre por se pertencer a uma descendência natural particular, nem ocorre por “decisão humana” (v. 13†). A opinião popular sobre a regeneração é que, mediante uma “decisão” por Cristo, o homem pode nascer de novo e, desse modo, ser salvo do pecado. Porém, a Escritura ensina que a regeneração é uma obra totalmente de Deus, que ele efetua em seus escolhidos, e que não ocorre através da vontade do homem: “O vento sopra onde quer. Você o ouve, mas não pode dizer de onde vem
nem para onde vai. Assim acontece com todos os nascidos do Espírito” (João 3.8). É fácil entender porque a regeneração deve preceder a fé, se termos em mente que o homem está espiritualmente morto antes da regeneração (Efésios 2.1; Romanos 3.10- 12, 23). Por causa da hostilidade da mente às coisas divinas antes da regeneração, os eleitos por si mesmos nunca chegariam à fé em Cristo quando o evangelho lhes fosse apresentado. É Deus quem age primeiro, e tendo mudado a disposição deles de má para boa, e das trevas para a luz, eles então respondem ao evangelho pela fé em Cristo, e por ela se tornam justificados aos olhos de Deus. Atos 16.14 registra a conversão de Lídia, e o versículo diz que foi Deus quem primeiro “abriu seu coração” para que ela pudesse “responder à mensagem de Paulo”.
CONVERTIDOS
Após Deus tê-lo regenerado, o indivíduo eleito agora “vê” a verdade do evangelho e responde ao chamado eficaz passando pela CONVERSÃO, a qual consiste de arrependimento e fé. A mensagem de Jesus para o povo era: “Arrependam-se e creiam nas boas novas!” (Marcos 1.15). E repreendeu “os chefes dos sacerdotes e os líderes religiosos do povo”, pois eles “não se arrependeram nem creram” (Mateus 21.23,32) sob o ministério de João Batista. A palavra “conversão” significa um voltar-se, e inclui tanto os conceitos de arrependimento quanto de fé. Arrependimento é a parte da conversão na qual uma
pessoa se volta do pecado, enquanto a fé se dá quando ela se volta a Cristo para salvação. A conexão estreita entre arrependimento e fé é também indicada em Hebreus 6.1, onde se fala que os “ensinos elementares a respeito de Cristo” consistem de “arrependimento de atos que conduzem à morte, da fé em Deus”. O escritor chama a isso o “fundamento” ou começo da vida cristã.
No ARREPENDIMENTO, o pecador primeiro chega a uma verdadeira percepção intelectual de sua condição pecaminosa. Visto que Deus já o regenerou, ele acha sua condição repugnante e fica determinado a se voltar tanto do estilo de vida que consistia de pecados quanto de atos individuais pecaminosos.
O arrependimento é de volição e não de emoção. Ainda que muita emoção possa às vezes acompanhar a mudança da mente, não é um elemento necessário ou definidor. Naturalmente, um estado mental que consista de nada mais que uma excitação emocional sobre os próprios pecados e faltas sem um ato de volição de dar as costas a isso não constituir arrependimento e, por conseguinte, não resultará em fé e
justificação. A conversão não resulta apenas em uma mudança negativa, na qual alguém se volta
dos ídolos, mas Paulo afirma que o indivíduo eleito também o faz “a fim de servir ao Deus vivo e verdadeiro” (1 Tessalonicenses 1.9). Além disso, um sistema definido de teologia é acrescentado ao pensamento da pessoa, substituindo a antiga cosmovisão não bíblica. Esse é o aspecto da conversão que chamamos FÉ.
Muitos teólogos sugerem que a fé consiste de três elementos: conhecimento,
assentimento e confiança. Mas os textos a seguir mostrarão que a fé só consiste dos
dois primeiros, e que a última é apenas um atalho para assentimento.
CONHECIMENTO alude à retenção e compreensão intelectual de proposições verdadeiras. Isso é um elemento necessário da fé, visto que é impossível crer em alguma coisa sem conhecê-la. Se não se sabe o que X representa, não posso responder a questão, “Você crê em X?” A fé é impossível sem o conhecimento. Deus concede conhecimento a um indivíduo como o primeiro elemento da fé salvífica, habitualmente pela pregação ou apresentação do evangelho. Como escreve o apóstolo Paulo, “Como poderiam crer naquele que não ouviram? E como poderiam ouvir sem pregador?” (Romanos 10.14, Bíblia de Jerusalém). O conhecimento também implica entendimento nesse caso. Assim como é impossível crer em X enquanto ele permanecer indefinido, não se pode crer em algo enquanto a definição não é compreendida. Visto que o evangelho é sempre apresentado de forma proposicional, o conhecimento e o entendimento necessários para a fé aludem à retenção e compreensão mentais do sentido das afirmações verbais apresentadas.
ASSENTIMENTO é concordância com as proposições entendidas. Embora qualquer um possa obter algum entendimento da mensagem evangélica, nem todos consentirão que ela seja verdadeira. É fácil para alguém explicar a um outro a reivindicação escriturística da ressurreição de Cristo, mas se o ouvinte vai concordar que tenha ela realmente ocorrido é outra questão. Como mencionado, a disposição maligna da
mente não regenerada impede uma pessoa de aquiescer ao evangelho independentemente da capacidade de persuasão do pregador. Logo, deve ela primeiramente ser regenerada por Deus, de modo a obter uma nova disposição favorável ao evangelho, após o que prontamente assentirá a esse. Visto que muitos teólogos pensam que os não-eleitos podem verdadeiramente assentir ao evangelho sem “confiança pessoal” em Cristo, também advogam que o conhecimento e o assentimento não são suficientes para salvar. Deve-se acrescentar a esses dois o terceiro elemento da
CONFIANÇA, a qual definem como uma segurança pessoal e relacional sobre a pessoa de Cristo. Dizem que, ainda que os objetos do conhecimento e do assentimento sejam proposições, o objeto da confiança deve ser uma pessoa, a saber, Cristo. Ou seja, a fé salvífica crê em Cristo como uma pessoa, e não como um conjunto de proposições. Embora nem todos os teólogos distingam a fé entre esses três elementos, muitos deles a definem de forma tal que significa alegar que a fé salvífica deve se mover do intelectual para o relacional, do proposicional para o pessoal, e do assentimento para a confiança. Para eles, assentimento corresponde a uma fé “crer que”, ao passo que a confiança é uma fé “crer em”. O primeiro crê que certas coisas acerca de Cristo são verdadeiras, mas a segunda vai além, e crê na pessoa de Cristo. Fé é crença em uma pessoa, não em certos fatos sobre a pessoa. Eles apontam para passagens em que há exigência de uma fé para crer no evangelho. Por exemplo, Atos 16.31, que diz: “Creia no Senhor Jesus, e serão salvos”, e 1 João 3.23: “E este é o seu mandamento: Que creiamos no nome de seu Filho Jesus Cristo”.
Entretanto, há razões conclusivas para rejeitar tal distinção entre assentimento e confiança, para afirmar que a fé consiste apenas de conhecimento e assentimento.
Em primeiro lugar, a Bíblia não emprega exclusivamente o tipo de linguagem “crer em” ao se referir à fé. Por exemplo, Hebreus 11.6 diz que “sem fé é impossível agradar a Deus, pois quem dele se aproxima precisa crer que ele existe e que recompensa aqueles que o buscam”. O versículo exige que alguém que venha a Deus deve assentir a duas proposições.
Ele deve crer que (1) “Deus existe”, e que (2) “Deus recompensa aqueles que o buscam”. O escritor diz que a fé pode “agradar a Deus”, e que “foi por meio dela que os antigos receberam bom testemunho” (v.2).
Em segundo lugar, o Novo Testamento indica que crer em Cristo quer dizer crer que
certas proposições são verdadeiras:
Pois o que primeiramente lhes transmiti foi o que recebi: que Cristo morreu
pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, [que] foi sepultado e [que]
ressuscitou no terceiro dia, segundo as Escrituras, e [que] apareceu a Pedro e
depois aos Doze. (1 Coríntios 15.3-5) Em terceiro lugar, podemos demonstrar com uma análise de linguagem que crer em
(ou “confiar” em) uma pessoa é simplesmente uma simplificação para crer que (ou
“assentir” a) certas proposições a respeito dele são verdadeiras.
Por exemplo, há duas maneiras de se compreender a questão “você crê no diabo?” A
questão pode, ou estar perguntando se alguém crê que o diabo existe, ou se ele crê que
o diabo seja digno de adoração36. Isto é, a questão faz supor uma entre duas
proposições, e pede ao ouvinte para afirmá-la ou negá-la. Um cristão afirmaria a
primeira e negaria a segunda. Entretanto, a menos que o contexto da conversão
demonstre o significado da questão, ou que o ouvinte tenha uma suposição quanto ao
sentido da questão caso o contexto não o forneça, é impossível dizer qual das duas
proposições está sendo perguntada para que o ouvinte a afirme ou negue.
Se D = “o diabo”, e = “existe”, e d = “digno de adoração”, então “eu creio em D”
pode significar tanto “eu creio que De” ou “eu creio que Dd”. De ambos os jeitos, “eu
creio em D” pode representar qualquer das duas afirmações “crer que”, e assim não é
nada mais do que uma simplificação para uma delas.
Do mesmo modo, “eu creio em Deus” é uma afirmação sem sentido a menos que seja
redutível a uma ou mais proposições “crer que”. No contexto de Hebreus 11.6, se G =
“Deus”, e = “existe” e g = “galardoador”, então “eu creio em G” parece ter três
sentidos possíveis: 37
1. “Eu creio que Ge”
2. “Eu creio que Gg”
3. “Eu creio que Ge + Gg ”
Hebreus 11.6 exige uma fé que afirme (3), sem a qual não se pode agradar a Deus; é
um tipo de fé “crer que”. Repare também que crer em X pode supor uma fé “crer que”
em mais do que uma proposição. Em Hebreus 11.6, ter fé tem o sentido de crer que Ge
+ Gg .
Logo, podemos concluir que “eu creio em X” é meramente uma simplificação para
“eu creio que X1 + X2 + X3...Xn”. Isso quer dizer que crer ou ter fé em algo ou alguém
é crer ou ter fé que uma ou mais proposições acerca de tal coisa ou pessoa é
verdadeira. Ter fé em Deus e em Cristo é precisamente crer algo acerca deles — ter
uma fé “crer que”. Dizer que fé seja crença ou confiança em uma pessoa em vez de
assentimento a proposições e que ela deva ir além do nível intelectual pode soar mais
piedoso ou profundo para alguns, mas essa espécie de fé é um conceito sem
significado. Uma fé que não “creia que” certas proposições sejam verdadeiras não crê
em coisa alguma em absoluto; o conteúdo dessa suposta fé está indefinido.
Muitos alegam que Tiago 2.19 opõe-se a esse ponto de vista somente intelectual e
proposicional sobre a fé. O versículo diz, “Você crê que existe um só Deus? Muito bem! Até mesmo os demônios crêem — e tremem!” Para eles, esse verso indica que
meramente “crer que exista um só Deus” é bom porque consente numa proposição
verdadeira, mas não é uma fé salvífica. Até os demônios, e por implicação os nãoeleitos,
podem ter tal espécie de “fé” e, em conseqüência, isso falha ao não distinguir
o tipo de fé que salva com uma “mera” concordância intelectual ao evangelho.
Contudo, tal objeção ignora o contexto da passagem. O versículo 17 diz: “Assim
também a fé, por si só, se não for acompanhada de obras, está morta”. A verdadeira fé
resulta em comportamento que corresponde ao conteúdo da crença de alguém. Os
demônios “crêem” que há um só Deus, mas não agem de um modo que corresponda a
uma tal crença. Em vez de adorarem-no como Deus, meramente estremecem e se
rebelam contra ele.
O que Tiago diz não contradiz o que escrevi acerca da fé, mas serve para esclarecê-la.
Ele está dizendo que a verdadeira fé produz ações que correspondem ao alegado
assentimento a ela. Em nenhum lugar ele diz que a alternativa à “fé” dos demônios é
alguma espécie de “confiança pessoal”. Antes, o que diz faz com que seja preciso que
incluamos em nossa definição de fé que o verdadeiro assentimento subentende
obediência às necessárias implicações das proposições afirmadas.
Por exemplo, supondo que alguém corretamente tenha definido “Deus”, crer que
“existe um só Deus” (Tiago 2.19) também requer que essa pessoa o adore, visto que a
palavra denota o ser último que é inerentemente digno de culto. Que os demônios não
adorem a “Deus” significa que eles, ou se recusam a reconhecer o pleno significado
da palavra, ou que, estando totalmente ciente de suas implicações, opõem-se a
conceder a ela completo assentimento.
Um comentário feito por Sinclair Ferguson sobre fé mostra a confusão comum acerca
do assentimento e da confiança.
Fé é mais do que assentimento, mas nunca é menos que esse. A fé de Tomé no
Cristo ressurreto foi assentimento ao fato da ressurreição. Porém, foi mais que
isso. Foi um coração que reconheceu: “Senhor meu, e Deus meu!” (João
20.28)38.
Não obstante, não há diferença alguma entre “um coração que reconheceu” e “uma
mente que assentiu”. 39 Ele está fazendo uma distinção que soa piedosa mas que
carece de sentido. Além disso, “Senhor meu, e Deus meu!” não é uma pessoa, mas
uma proposição. Logo, ainda que Ferguson pareça não estar a par disso, ele concorda
conosco que a fé de Tomé significa “uma mente que assentiu a uma proposição”, e
que a fé não é “mais” do que assentimento.
Todas as considerações acima resultam numa definição bíblica de fé. Visto que a
natureza da fé é o assentir ao conhecimento, e esse denota uma retenção e
compreensão de uma ou mais proposições, fé é assentimento voluntário a proposições
compreendidas, e assentimento aqui envolve obediência às exigências inerentemente
presentes nas ditas proposições.
A fonte dessas proposições às quais se deve assentir é a Bíblia. Enquanto a fé salvífica
consiste de assentimento a certas proposições relacionadas à obra redentora de Cristo,
a fé bíblica em geral permanece e se desenvolve no cristão na medida em que assente
a essas mesmas proposições junto com outras naquele livro, e assim ele cresce em
maturidade espiritual.
Em vez de usar a palavra “confiança” para distinguir a fé verdadeira da falsa, temos
somente que distinguir o verdadeiro assentimento do falso, ou a fé verdadeira da
falsa. O verdadeiro assentimento quer dizer uma concordância intelectual com
proposições compreendidas que resultam em obediência a todas as implicações
daquelas. Por outro lado, uma pessoa com falso assentimento a proposições bíblicas
afirma que concorda com as Escrituras, mas não produz os pensamentos, linguagem e
comportamento que necessariamente se infere de uma tal concordância.
A salvação pela graça mediante a fé é um dom de Deus: “Pois vocês são salvos pela
graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para
que ninguém se glorie” (Efésios 2.8,9). Desse modo, a fé não pode ser fabricada pelo
homem, mas somente dada a ele. Isso é consistente com o que dissemos a respeito da
natureza monergística da salvação até aqui, que da eleição à regeneração e, agora, ao
arrependimento e à fé, a salvação é unicamente a obra de Deus, não do homem.
Portanto, ninguém pode se gloriar mesmo acerca de sua aceitação do evangelho.
Sem a obra divina de regeneração na qual ele transforma a disposição e volição do
homem, ninguém pode ou vai assentir de verdade às proposições bíblicas sobre Deus
e Cristo. Nossa definição indica que a fé tem um elemento de volição, que é um
assentimento voluntário ao evangelho. A vontade do homem não regenerado não pode
assentir ao evangelho, mas aquele que foi regenerado por Deus também foi feito
desejoso de aceitar a Cristo; Deus mudou o seu querer. Logo, ele não “compele” uma
pessoa à fé no sentido de forçá-la a crer o que ele conscientemente rejeita a aceitar,
mas “compele” a uma mudança na vontade dela pela regeneração, de forma que seu
assentimento ao evangelho seja de fato voluntário. Ou seja, a fé é voluntária no
sentido de que a pessoa eleita decide sim aceitar o evangelho, mas somente o faz
porque Deus a leva a assim decidir; sem o poder dele para “compelir” ou transformar
o querer, ninguém decidiria aceitar aquele.
Ora, Jesus diz em João 7.17: “Se alguém decidir fazer a vontade de Deus, descobrirá
se o meu ensino vem de Deus ou se falo por mim mesmo”. Mas Romanos 8.7 diz que
“a mentalidade da carne é inimiga de Deus porque não se submete à Lei divina, nem
pode fazê-lo”. Visto que a mente pecaminosa não pode se submeter a ele, isso
obrigatoriamente significa que a pessoa que “decide fazer a vontade de Deus” já foi
transformada por ele, de modo que sua disposição não mais é pecaminosa, mas reta.
Ela, então, voluntariamente decide fazer a vontade divina, e torna-se apta a discernir a
veracidade do evangelho. Outra vez, isso faz supor que a regeneração deve preceder a
fé, e que a fé mesma é um dom de Deus.
JUSTIFICADOS
Os cristãos estão acostumados a pensar que a “salvação” vem pela fé, especialmente
em oposição às obras. A JUSTIFICAÇÃO é um ato de Deus pelo qual ele declara o pecador eleito como sendo justo sobre a base da justiça de Cristo. Visto que a
justificação se refere à tal justiça sendo legalmente creditada ao eleito, e assim,
precede muitos dos outros itens na aplicação da redenção, num certo sentido, não
incorre em erro quem diz que a fé leva aos itens subseqüentes na ordem da salvação,
para a qual a justificação é uma pré-condição. Por exemplo, Atos 26.18 diz que os
eleitos são “santificados pela fé ”.
Entretanto, a regeneração precede tanto a fé como a justificação, e nunca é dito que
ela segue ou resulta da fé, nem que deve sempre ser confundida com a justificação. É
a regeneração que leva à fé, e é a fé que leva à nossa justificação.
Em outras palavras, tendo escolhido certos indivíduos para serem salvos, Deus enviou
Cristo para morrer por eles e, assim, pagar pelos seus pecados. No devido tempo,
Deus altera a disposição pecaminosa deles para uma outra que se deleita em sua
vontade e suas leis. Como resultado, esses indivíduos respondem ao evangelho em fé,
o que, por seu turno, leva à uma declaração legal da parte de Deus de que eles foram
feitos justos aos seus olhos.
Portanto, a fé é nossa resposta divinamente capacitada ao chamado eficaz de Deus, e a
justificação é a sua resposta à nossa fé, a qual, antes de tudo, veio dele. Paulo escreve
que todos aqueles que são predestinados por ele são também chamados, e visto que o
chamado é um chamado eficaz, todos que são chamados dessa maneira também
respondem em fé, e são, portanto, justificados (Romanos 8.30).
A Escritura afirma que a justificação vem pela fé, e não pelas obras. Exemplos de
passagens em apoio disso incluem as seguintes:
Abrão creu no SENHOR, e isso lhe foi creditado como justiça. (Gênesis 15.6)
Por meio dele, todo aquele que crê é justificado de todas as coisas das quais
não podiam ser justificados pela Lei de Moisés. (Atos 13.39)
Portanto, ninguém será declarado justo diante dele baseando-se na obediência
à Lei, pois é mediante a Lei que nos tornamos plenamente conscientes do
pecado. Mas agora se manifestou uma justiça que provém de Deus,
independente da Lei, da qual testemunham a Lei e os Profetas, justiça de Deus
mediante a fé em Jesus Cristo para todos os que crêem. Não há distinção, pois
todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus, sendo justificados
gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus...
Pois sustentamos que o homem é justificado pela fé, independente da
obediência à Lei. (Romanos 3.20-24, 28)
Ora, o salário do homem que trabalha não é considerado como favor, mas
como dívida. Todavia, àquele que não trabalha, mas confia em Deus, que
justifica o ímpio, sua fé lhe é creditada como justiça. (Romanos 4.4-5)
Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor
Jesus Cristo, por meio de quem obtivemos acesso pela fé a esta graça na qual
agora estamos firmes; e nos gloriamos na esperança da glória de Deus.
(Romanos 5.1,2)
Sabemos que ninguém é justificado pela prática da Lei, mas mediante a fé em
Jesus Cristo. Assim, nós também cremos em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pela prática da Lei, porque pela prática da
Lei ninguém será justificado. (Gálatas 2.16)
Assim, a Lei foi o nosso tutor até Cristo, para que fôssemos justificados pela
fé. (Gálatas 3.24)
À luz da ênfase bíblica sobre a justificação pela fé somente, especialmente nos
escritos de Paulo, alguns crentes ficam confusos com certos dos versículos de Tiago 2.
Por exemplo, o versículo 24 diz: “Vejam que uma pessoa é justificada por obras, e
não apenas pela fé”. Mas a dificuldade desaparece quando observamos como o termo
é usado e quando prestamos atenção ao contexto.
Observe que estamos discutindo como uma palavra está sendo usada por dois
escritores bíblicos diferentes. Embora possamos estar certos de que todos os escritores
da Escritura concordam em teologia, eles nem sempre usam as mesmas palavras para
expressar os mesmos conceitos, e nem sempre utilizam as mesmas palavras com
exatamente o mesmo significado ou ênfase. Por exemplo, embora João não use a
palavra “justificação”, seus escritos ensinam que alguém é salvo pela fé somente tão
fortemente quanto os escritos de Paulo. 40 Listaremos somente alguns exemplos aqui:
Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, por não
crer no nome do Filho Unigênito de Deus. (João 3.18)
Então lhe perguntaram: “O que precisamos fazer para realizar as obras que
Deus requer?” Jesus respondeu: “A obra de Deus é esta: crer naquele que ele
enviou”. (João 6.28,29)
Mas ele continuou: “Vocês são daqui de baixo; eu sou lá de cima. Vocês são
deste mundo; eu não sou deste mundo. Eu lhes disse que vocês morrerão em
seus pecados. Se vocês não crerem que Eu Sou, de fato morrerão em seus
pecados”. (João 8.23,24)
Mas estes foram escritos para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho
de Deus e, crendo, tenham vida em seu nome. (João 20.31)
Com o entendimento de que a mesma palavra pode ser usada com significados
diferentes por escritores bíblicos diferentes, podemos aceitar a seguinte explicação de
Robert Reymond:
Enquanto Paulo pretende dizer por “justificado” o ato real da parte de Deus,
pelo qual ele perdoa e imputa justiça ao ímpio, para Tiago “justificado”
significa o veredicto que Deus declara quando o realmente (anteriormente)
justificado demonstra seu real estado de justiça pela obediência e boas obras...
Ao passo que Paulo, quando repudia as “obras”, está se referindo às obras da
lei, isto é, toda e qualquer obra, de qualquer espécie, feita com objetivo de
adquirir mérito, Tiago tenciona com “obras” se referir a atos de bondade para
com aqueles em necessidade, realizados como o fruto e a evidência do real
estado de justificado e de uma fé verdadeira e vital (Tiago 2.14-17)... E enquanto Paulo cria, de todo coração, que os homens são justificados pela fé
somente, ele insiste tão fortemente quanto Tiago que tal fé, se sozinha, não é
verdadeira, mas é uma fé morta: “Porque em Cristo Jesus nem circuncisão
nem incircuncisão significam alguma coisa. [O que conta] é a fé que opera
através do amor” (Gálatas 5.6), o que apenas difere em significado da
expressão de Tiago: “a fé como as obras estavam atuando juntas com as obras
[de Abraão], e a fé foi aperfeiçoada pelas obras” (Tiago 2.22). Paulo também
fala da “obra da fé” do cristão (1 Tessalonicenses 1.3). E no mesmo contexto
onde ele afirma que somos salvos pela graça através da fé, e “não por obras”,
Paulo pode declarar que fomos “criados em Cristo Jesus para as boas obras, as
quais Deus preparou de antemão para que andássemos nelas” (Efésios 2.8-10).
Resumindo, enquanto para Tiago “a fé sem obras é morta”, para Paulo “a fé
que opera através do amor” é inevitável, se ela for uma fé verdadeira. 41
Paulo queria mostrar que a justificação, no sentido da declaração legal inicial de
justiça da parte de Deus, vem somente pela fé na obra de Cristo, mas Tiago estava
mais preocupado em mostrar que se tal fé não resulta num estilo de vida justo, então,
antes de tudo, essa fé não é uma fé verdadeira, e a declaração legal de justiça da parte
divina nunca aconteceu, de forma alguma. Visto que alguém não é salvo pelas boas
obras, mas para as boas obras (Efésios 2.10), uma pessoa não necessita produzir boas
obras para ser salva, mas se ela não produz boas obras após ela alegar ser salva, então
ela nunca foi salva.
Assim, Tiago não nega que a justiça legal venha pela fé somente – o que não está sob
consideração – mas ele queria desafiar seus leitores a demonstrarem que a fé deles era
genuína: “Mostre-me a sua fé sem obras, e eu lhe mostrarei a minha fé pelas obras”
(Tiago 2.18). Sua ênfase não era sobre como alguém obtém justiça legal, mas sobre
como alguém que reivindica ter alcançado tal justificação deveria se comportar: “A
religião que Deus, o nosso Pai, aceita como pura e imaculada é esta: cuidar dos órfãos
e das viúvas em suas dificuldades e não se deixar corromper pelo mundo” (Tiago
1.27).
A natureza legal da justificação significa que a justiça creditada aos eleitos é uma
JUSTIÇA IMPUTADA antes do que uma JUSTIÇA INFUNDIDA. Deus enviou
Cristo para pagar pelos pecados dos eleitos, então lhes concede fé como o meio pelo
qual credita legalmente a justiça positiva de Cristo a eles. A justiça concedida aos
eleitos não é, desse modo, aquela que tenha sido adquirida ou produzida por eles
mesmos, mas a que foi gerada por Cristo e lhes dada como um dom. Logo, quando
afirmamos que a justificação é pela fé somente, estamos, na verdade, afirmando que a
justificação não é pelos nossos próprios esforços, os quais nunca poderiam adquirir
justificação, mas que a nossa justificação é por Cristo somente, que adquiriu
justificação para nós.
Visto que a justificação envolve uma declaração legal, ela é um ato instantâneo.
Alguém está justificado ou não-justificado; ninguém se torna justificado
gradualmente, mas é declarado justo instantaneamente quando crê no evangelho.
Portanto, o conceito de justificação exclui o processo pelo qual o crente cresce em
conhecimento e santidade, que é parte da santificação. Os cristãos que afirmam a justificação pela fé somente, todavia, freqüentemente
confundem justiça imputada com justiça infundida. A justificação é uma justiça
imputada, e a santificação é uma justiça infundida. A justificação é uma declaração
instantânea de justiça, mas a santificação se refere ao crescimento espiritual do crente
após ele ter sido justificado por Deus.
ADOTADOS
Tendo sido declarados justos por Deus, a ADOÇÃO é um ato seu pelo qual ele faz
com que os eleitos justificados se tornem membros de sua família.
Algumas pessoas pensam que todo ser humano é um filho de Deus. Contra essa
concepção errônea, a Bíblia ensina que, pelo contrário, todo não-cristão é um filho do
diabo:
O campo é o mundo, e a boa semente são os filhos do Reino. O joio são os
filhos do Maligno. (Mateus 13.38)
Então Jesus respondeu: “Não fui eu que os escolhi, os Doze? Todavia, um de
vocês é um diabo!”. (João 6.70)
Vocês pertencem ao pai de vocês, o diabo, e querem realizar o desejo dele. Ele
foi homicida desde o princípio e não se apegou à verdade, pois não há verdade
nele. Quando mente, fala a sua própria língua, pois é mentiroso e pai da
mentira. (João 8.44)
Filho do diabo e inimigo de tudo o que é justo! Você está cheio de toda
espécie de engano e maldade. Quando é que vai parar de perverter os retos
caminhos do Senhor? (Atos 13.10)
Aquele que pratica o pecado é do diabo, porque o diabo vem pecando desde o
princípio. Para isso o Filho de Deus se manifestou: para destruir as obras do
diabo. (1 João 3.8)
Desta forma sabemos quem são os filhos de Deus e quem são os filhos do
diabo: quem não pratica a justiça não procede de Deus; e também quem não
ama seu irmão. (1 João 3.10)
Não sejamos como Caim, que pertencia ao Maligno e matou seu irmão. E por
que o matou? Porque suas obras eram más e as de seu irmão eram justas. (1
João 3.12)
Por outro lado, aqueles que foram salvos por Cristo foram também feitos filhos de
Deus:
Porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de
Deus. Porque não recebestes o espírito de escravidão, para, outra vez, estardes
em temor, mas recebestes o espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos:
“Aba, Pai!”. O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos
de Deus. E, se nós somos filhos, somos, logo, herdeiros também, herdeiros de
Deus e co-herdeiros de Cristo; se é certo que com ele padecemos, para que
também com ele sejamos glorificados. (Romanos 8.14-17, ERC) Não é pouca coisa ser chamado filhos e herdeiros de Deus. Talvez essa doutrina tenha
sido tão diluída e abusada nos círculos cristãos e no mundo que nós não estamos tão
impressionados com ele quanto deveríamos estar: “Vejam como é grande o amor que
o Pai nos concedeu: que fôssemos chamados filhos de Deus, o que de fato somos! Por
isso o mundo não nos conhece, porque não o conheceu” (1 João 3.1).
Uma implicação importante de termos sido adotados na família de Deus é que nós
podemos agora nos relacionar com ele como o nosso Pai Celestial, e que podemos ter
agora comunhão com outros cristãos como verdadeiros membros de família. Na
realidade, a união entre os cristãos deveria ser mais forte do que aquela que existe
entre os membros de uma família natural. Nós fomos unidos pela vontade divina, pelo
sangue de Cristo e por uma fé comum.
A maioria das pessoas supõe que a Bíblia nos ensina a tratar os outros de uma forma
imparcial. Por exemplo, não se deve dar um tratamento especial a um rico apenas
porque ele é rico (Tiago 2.1-9). Contudo, a Bíblia não ensina que devemos tratar a
todos da mesma maneira; antes, nós temos que dar prioridade a certas pessoas:
“Portanto, enquanto temos oportunidade, façamos o bem a todos, especialmente aos
da família da fé” (Gálatas 6.10). Nós temos que colocar os cristãos em primeiro lugar
quando formos prover assistência a outras pessoas.
Devemos ser cuidadosos para evitar confundir adoção com outros itens nos benefícios
da redenção. Por exemplo, regeneração é uma ressurreição espiritual que capacita o
indivíduo a responder positivamente a Deus, mas a pessoa não se torna um filho dele
através daquela. É possível para uma criatura racional ser espiritualmente viva, sem
ser um membro da família divina no sentido denotado por adoção. Anjos podem ser
um exemplo dessa classe de seres.
Além do que, adoção não é justificação. Seria possível para Deus declarar legalmente
alguém como justo sem também fazer dessa mesma pessoa um filho através da
adoção. Alguém que foi regenerado e justificado já permanece como justo diante de
Deus, e nunca será condenado (Romanos 8.33). Mas a doutrina da adoção nos ilumina
ainda mais com respeito à extensão do amor dele para com os seus eleitos, que, além
de salvá-los do pecado e do inferno, também os fez seus filhos e herdeiros.
Vários itens nos benefícios da redenção têm sido distorcidos por algumas pessoas para
denotar deificação; as doutrinas da regeneração e da glorificação são especialmente
tendentes a serem abusadas. Um entendimento apropriado da adoção nos ajudará a
evitar esse erro. Um pregador disse o seguinte:
Pedro disse isso claramente; ele disse: “Nós somos participantes da natureza
divina”. Essa natureza é a vida eterna em perfeição absoluta. E essa foi
comunicada, injetada em seu espírito humano, e você a teve comunicada em si
por Deus da mesma forma como você a comunicou a seu filho a natureza da
humanidade. Esse filho não nasceu uma baleia! Ele nasceu um humano! Isso
não é verdade? Bem, agora, você não tem um [lado] humano, tem? Você é um
deles. Você não tem um deus em você. Você é um. Esse pregador ou está querendo dizer alguma outra coisa e se equivocou no caminho,
o que faz supor extremo descuido e expressa indiferença ao ministério da pregação,
ou ele quer dizer o que disse, o que constitui blasfêmia do tipo mais terrível. Em
outras palavras, se isso foi apenas uma escolha infeliz de palavras, então ela foi uma
escolha muito infeliz de palavras; se ela foi uma escolha boa de palavras, então foi
uma doutrina muito blasfema. Ambos os erros são suficientes para resultarem em
demissão do ministério, se não em excomunhão da igreja.
Jesus é o “Unigênito” de Deus (João 3.16; veja também João 3.18, 1 João 4.9); ele
tem um lugar único diante de Deus e um relacionamento peculiar com ele. Nós somos
filhos adotados de Deus, e a regeneração não nos torna parte da Trindade! Que Jesus
é também aludido como o “primogênito” (Romanos 8.29) denota sua preeminência
entre a criação divina e os seus eleitos, de acordo com a mentalidade hebraica, e não
significa que nós somos os filhos subseqüentes de Deus no mesmo sentido e na
mesma ordem de Deus Filho. Por exemplo, Colossenses 1.15 diz: “Ele é a imagem do
Deus invisível, o primogênito de toda a criação”. Isso não significa que o universo e
os planetas também sejam filhos de Deus.
SANTIFICADOS
A palavra SANTIFICAÇÃO pode ser usada em dois sentidos. SANTIFICAÇÃO
DEFINIDA refere-se à quebra instantânea e decisiva do domínio do pecado quando o
novo crente chega à fé em Cristo. Deus o consagrou e separou do mundo. Mas nessa
seção, estamos interessados na SANTIFICAÇÃO PROGRESSIVA, que se refere ao
crescimento gradual do crente em conhecimento e santidade, de forma que tendo
recebido a justiça legal na justificação, ele pode agora desenvolver uma justiça
pessoal em seu pensamento e comportamento.
Algumas pessoas cometem o engano de pensar que a santificação toda é como a
justificação, no sentido de ser um ato imediato de Deus pelo qual ele nos fazer
alcançar a perfeita santidade em pensamento e conduta e, assim, inferindo que os
verdadeiros cristãos não mais cometem pecados de forma alguma. Entretanto, embora
ela tenha um ponto definido de começo na regeneração, a Bíblia descreve a
santificação como um processo de crescimento, de modo que alguém pense e se
comporte cada vez mais de uma forma que seja agradável a Deus, e se conforme à
semelhança de Cristo.
Várias passagens bíblicas podem dar a impressão que alguém cessa de pecar
totalmente após a regeneração. Por exemplo, 1 João 3.9 diz: “Todo aquele que é
nascido de Deus não pratica o pecado, porque a semente de Deus permanece nele; ele
não pode estar no pecado, porque é nascido de Deus”. Mas esse versículo está apenas
dizendo que aquele que é nascido de Deus não continua no pecado, e não que ele não
peca em hipótese alguma. Na verdade, ele escreve no início da epístola: “Se
afirmarmos que estamos sem pecado, enganamos a nós mesmos, e a verdade não está
em nós” (1.8). Isto é, uma pessoa regenerada deve exibir uma transformação definida
em seu pensamento e comportamento. A perfeição não está em vista aqui, mas um
inequívoco voltar-se do pensar e viver perversos para um pensar e viver santos. Na mesma carta, o apóstolo João escreve: “Meus filhinhos, escrevo-lhes estas coisas
para que vocês não pequem. Se, porém, alguém pecar, temos um intercessor junto ao
Pai, Jesus Cristo, o Justo” (1 João 2.1). A obra expiatória de Cristo pagou eficazmente
não somente por aqueles pecados que nós cometemos antes da regeneração, mas
também por aqueles subseqüentes a ela. Não obstante, João não escreve isso para nos
conceder a liberdade para pecar, mas pelo contrário, ele diz: “Escrevo-lhes estas
coisas para que vocês não pequem”. O versículo também mostra que ele não exige
que os cristãos tenham alcançado a perfeição impecável, visto que ele faz provisão
para aquele que peca, dizendo: “Se, porém, alguém pecar, temos um intercessor junto
ao Pai, Jesus Cristo, o Justo”.
Hebreus 12.4 apresenta a santificação como uma “luta contra o pecado”, mas a Bíblia
também nos diz que essa é uma luta que podemos vencer. Paulo escreve:
Não ofereçam os membros do corpo de vocês ao pecado, como
instrumentos de injustiça; antes ofereçam-se a Deus como
quem voltou da morte para a vida; e ofereçam os membros do
corpo de vocês a ele, como instrumentos de justiça. Pois o
pecado não os dominará, porque vocês não estão debaixo da
Lei, mas debaixo da graça (Romanos 6.13,14)
O pecado não é o nosso mestre, de forma que não precisamos obedecê-lo. Fomos
libertos do pecado para que possamos agora levar vidas justas.
Como em todas as áreas de nossa vida espiritual, o modo como crescemos em
santidade envolve o intelecto e a volição, ou o entendimento e a vontade. Pedro
escreve: “Graça e paz lhes sejam multiplicadas, pelo pleno conhecimento de Deus e
de Jesus, o nosso Senhor. Seu divino poder nos deu tudo de que necessitamos para a
vida e para a piedade, por meio do pleno conhecimento daquele que nos chamou para
a sua própria glória e virtude” (2 Pedro 1.2,3). Crescemos em maturidade espiritual
primeiro através do conhecimento. Seria impossível afastar-se da iniqüidade e seguir a
justiça sem um claro conceito do que a impiedade e a justiça significam, e que tipos
de pensamentos e ações correspondem a cada uma delas. Quanto a nossa volição,
Paulo escreve: “Considerem-se mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo
Jesus” (Romanos 6.11).
Como todos os itens que esse capítulo discute, a santificação é uma obra de Deus;
contudo, ela é SINERGÍSTICA em natureza, significando que num sentido ela
também é uma obra do homem, e requer sua vontade e esforço deliberados no
processo. Sobre esse assunto, Paulo escreve:
Assim, meus amados, como sempre vocês obedeceram, não
apenas na minha presença, porém muito mais agora na minha
ausência, ponham em ação a salvação de vocês com temor e
tremor, pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele.
(Filipenses 2.12,13) 43
O crente deve ativamente fazer sua parte na santificação, de forma que persiga uma
vida de obediência a Deus “com temor e tremor”.
Todavia, na continuação da passagem, é explicado que até mesmo o desenvolvimento
da nossa salvação é definitivamente uma obra de Deus: “É Deus quem efetua em
vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele”. Nossas
ações e decisões permanecem debaixo do controle dele após a nossa regeneração e
santificação. Portanto, embora uma pessoa esteja consciente de seus esforços e lutas
na santificação, no final Deus recebe a glória, e o crente ainda não poderá se gloriar
de suas próprias realizações.
PRESERVADOS
Todos os que passam por uma fase da aplicação da redenção, experimentarão também
a fase seguinte. Por exemplo, todos a quem Deus predestinou, ele também chamará à
salvação no devido tempo. Ora, Romanos 8.30 diz: “Aos que justificou, também
glorificou”. Tal declaração necessariamente implica que todos os que experimentam a
justificação também experimentarão a glorificação; ninguém que esteja justificado
deixará de ser glorificado. Visto que a glorificação se refere à consumação da obra
salvadora de Deus no eleito, isso significa que uma vez que um indivíduo tenha sido
justificado aos olhos de Deus, sua justiça legal nunca será perdida. Visto que todos
aqueles que são justificados também serão glorificados, os verdadeiros cristãos nunca
perderão sua salvação.
Essa doutrina é amiúde chamada de PERSEVERANÇA DOS SANTOS; e também de
SEGURANÇA ETERNA em alguns círculos. Esses termos são acurados, visto que os
crentes verdadeiros conscientemente perseveram na fé e os eleitos estão, de fato,
eternamente seguros em sua salvação. Contudo, muitas passagens bíblicas tratando
com esse tópico enfatizam que é Deus quem ativamente preserva o crente do princípio
ao fim da sua salvação, que Jesus é “o autor e consumador da nossa fé” (Hebreus
12.2). Sendo esse o caso, PRESERVAÇÃO é um termo melhor. Ele reflete o fato de
que, no final das contas, é Deus quem mantém a salvação dos cristãos, e não o crente
em si.
Favorecer a perspectiva da preservação não nega que o crente deva deliberadamente
se aperfeiçoar e conscientemente se esforçar a fim de perseverar. É antibíblico dizer
que, visto que é Deus em última análise quem nos guarda, logo, não precisamos
exercer nenhum esforço consciente em nosso desenvolvimento espiritual. “Relaxe, e
deixe Deus fazer tudo”, uma frase popular que provavelmente veio do movimento de
Keswick, é antibíblica quando aplicada à santificação. Porém, a palavra “preservação”
nos ajuda a lembrar que é Deus quem concede e causa qualquer aperfeiçoamento e
estabilidade em nosso crescimento em conhecimento e santidade, mesmo que estejamos dolorosamente conscientes dos esforços que exercemos para o nosso
desenvolvimento espiritual.
Há muitas passagens bíblicas que ensinam que Deus preserva aqueles a quem ele
elegeu, regenerou e justificou:
Farei com eles uma aliança permanente: Jamais deixarei de fazer o bem a eles,
e farei com que me temam de coração, para que jamais se desviem de mim.
(Jeremias 32.40)
Todo aquele que o Pai me der virá a mim, e quem vier a mim eu jamais
rejeitarei. Pois desci dos céus, não para fazer a minha vontade, mas para fazer
a vontade daquele que me enviou. E esta é a vontade daquele que me enviou:
que eu não perca nenhum dos que ele me deu, mas os ressuscite no último dia..
(João 6.37-39)
Eu lhes dou a vida eterna, e elas jamais perecerão; ninguém as poderá arrancar
da minha mão. Meu Pai, que as deu para mim, é maior do que todos; ninguém
as pode arrancar da mão de meu Pai. (João 10.28,29)
Pois estou convencido de que nem morte nem vida, nem anjos nem demônios,
nem o presente nem o futuro, nem quaisquer poderes, nem altura nem
profundidade, nem qualquer outra coisa na criação será capaz de nos separar
do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor. (Romanos 8.38,39)
Ele os manterá firmes até o fim, de modo que vocês serão irrepreensíveis no
dia de nosso Senhor Jesus Cristo. (1 Coríntios 1.8)
Ora, é Deus que faz que nós e vocês permaneçamos firmes em Cristo. Ele nos
ungiu, nos selou como sua propriedade e pôs o seu Espírito em nossos
corações como garantia do que está por vir. (2 Coríntios 1.21,22)
Estou convencido de que aquele que começou boa obra em vocês, vai
completá-la até o dia de Cristo Jesus. (Filipenses 1.6)
Que o próprio Deus da paz os santifique inteiramente. Que todo o espírito, a
alma e o corpo de vocês sejam preservados irrepreensíveis na vinda de nosso
Senhor Jesus Cristo. Aquele que os chama é fiel, e fará isso. (1
Tessalonicenses 5.23,24)
Por essa causa também sofro, mas não me envergonho, porque sei em quem
tenho crido e estou bem certo de que ele é poderoso para guardar o que lhe
confiei até aquele dia. (2 Timóteo 1.12)
O Senhor me livrará de toda obra maligna e me levará a salvo para o seu
Reino celestial. A ele seja a glória para todo o sempre. Amém. (2 Timóteo
4.18)
Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo! Conforme a sua
grande misericórdia, ele nos regenerou para uma esperança viva, por meio da
ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma herança que jamais
poderá perecer, macular-se ou perder o seu valor. Herança guardada nos céus para vocês que, mediante a fé, são protegidos pelo poder de Deus até chegar a
salvação prestes a ser revelada no último tempo. (1 Pedro 1.3-5)
Judas, servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago, aos que foram chamados,
amados por Deus Pai e guardados por Jesus Cristo. (Judas 1)
Àquele que é poderoso para impedi-los de cair e para apresentá-los diante da
sua glória sem mácula e com grande alegria, ao único Deus, nosso Salvador,
sejam glória, majestade, poder e autoridade, mediante Jesus Cristo, nosso
Senhor, antes de todos os tempos, agora e para todo o sempre! Amém. (Judas
24-25)
A doutrina da preservação não diz que qualquer um que fez uma profissão de fé em
Cristo esteja portanto salvo e nunca se perderá, visto que sua profissão pode ser falsa.
Antes, a doutrina ensina que os verdadeiros cristãos nunca se perderão. Eles nunca se
apartarão permanentemente de Cristo, embora alguns deles possam até mesmo cair
profundamente no pecado por um tempo.
Um verdadeiro cristão é alguém que deu assentimento verdadeiro ao evangelho, e cuja
“fé sincera” (1 Timóteo 1.5) se torna evidente através de uma transformação
duradoura de pensamentos, conversação e comportamento em conformidade com as
exigências da Escritura. João diz que alguém que é regenerado “não pode continuar
pecando” (1 João 3.9). Por outro lado, uma pessoa que produz uma profissão de Cristo
como resultado de um falso assentimento ao evangelho pode permanecer “somente
um pouco de tempo. Quando surge alguma tribulação ou perseguição por causa da
palavra, logo a abandona” (Mateus 13.21).
Algumas vezes até os eleitos podem cair em sério pecado, mas tal queda nunca será
permanente. Todavia, enquanto uma pessoa estiver vivendo um estilo de vida
pecaminoso, não temos razão para crer em sua profissão de fé naquele momento, e,
portanto, devemos pensar dele como um incrédulo. Jesus ensina que uma recusa
obstinada para se arrepender é uma razão suficiente para a excomunhão:
Se o seu irmão pecar contra você, vá e, a sós com ele, mostre-lhe o erro. Se ele
o ouvir, você ganhou seu irmão. Mas se ele não o ouvir, leve consigo mais um
ou dois outros, de modo que ‘qualquer acusação seja confirmada pelo
depoimento de duas ou três testemunhas. Se ele se recusar a ouvi-los, conte à
igreja; e se ele se recusar a ouvir também a igreja, trate-o como pagão ou
publicano. (Mateus 18.15-17)
Visto que ele é considerado um incrédulo, não pode ser um candidato para casamento
por um cristão, não pode participar na comunhão, e não pode manter nenhuma
responsabilidade ministerial. Ele pode ser de fato um verdadeiro cristão, mas não há
nenhuma forma de se estar certo disso enquanto ele permanecer no pecado. Antes, ele
deve ser considerado e tratado como um incrédulo, juntamente com todas as
implicações de tal suposição. “Portanto, irmãos, empenhem-se ainda mais para
consolidar o chamado e a eleição de vocês, pois se agirem dessa forma, jamais
tropeçarão” (2 Pedro 1.10).
Aqueles que caem e nunca se arrependem jamais foram verdadeiramente salvos. João
diz: “Eles saíram do nosso meio, mas na realidade não eram dos nossos, pois, se fossem dos nossos, teriam permanecido conosco; o fato de terem saído mostra que nenhum deles era dos nossos” (1 João 2.19). Judas pareceu ter seguido Jesus por
vários anos, mas Jesus diz: “Não fui eu que os escolhi, os Doze? Todavia, um de
vocês é um diabo!” (João 6.70). O versículo 64 explica: “Jesus sabia desde o princípio
quais deles não criam e quem o iria trair”.
Assim, não é que Judas tivesse verdadeira fé, e então caísse em pecado e perdesse a
sua salvação; pelo contrário, ele nunca teve verdadeira fé de forma alguma. Jesus
escolheu Judas sabendo que ele seria o traidor: “Enquanto estava com eles, eu os
protegi e os guardei no nome que me deste. Nenhum deles se perdeu, a não ser aquele
que estava destinado à perdição, para que se cumprisse a Escritura” (João 17.12). Esse
versículo pressupõe a eleição divina, e explicitamente ensina as doutrinas da
preservação e da condenação. Jesus guardou a salvo os onze, que estavam entre os
eleitos, mas Judas se perdeu porque ele, antes e tudo, nunca tinha sido salvo; estava
entre os condenados, “preparados para destruição”.
Por outro lado, aqueles dentre os eleitos que parecem decair de sua fé, todavia, retém
sua salvação, e eles retornarão a Cristo de acordo com o poder de Deus para preserválos.
Por exemplo, mesmo antes de Pedro negar a Cristo, foi-lhe dito: “Simão, Simão,
Satanás pediu vocês para peneirá-los como trigo. Mas eu orei por você, para que a sua
fé não desfaleça. E quando você se converter, fortaleça os seus irmãos” (Lucas
22.31,32). É verdade que se a fé de alguém se perder realmente, então ele perdeu
também sua salvação; contudo, é o próprio Deus quem impede que a fé dos seus
eleitos fracasse. E, assim como Jesus orou por Pedro, ele está agora orando por todos
os cristãos, de modo que não importa quais problemas espirituais eles pareçam estar
experimentando, no final a fé deles não malogrará:
Minha oração não é apenas por eles. Rogo também por aqueles que crerão em mim, por meio da mensagem deles. (João 17.20)
Portanto, ele é capaz de salvar definitivamente aqueles que, por meio dele, aproximam-se de Deus, pois vive sempre para interceder por eles. (Hebreus 7.25)
Jesus não fez tal oração por Judas, mas orou somente pelos seus eleitos: “Eu rogo por eles. Não estou rogando pelo mundo, mas por aqueles que me deste, pois são teus” (João 17.9).
Uma das objeções mais comuns a essa doutrina declara que, se é verdade que o crente não pode perder sua salvação, então isso constitui uma licença implícita para pecar. O cristão pode cometer todo tipo de pecado, e ainda permanecerá seguro em Cristo. Entretanto, o verdadeiro cristão não deseja viver no pecado, embora possa ocasionalmente tropeçar. O verdadeiro crente detesta o pecado e ama a justiça. Alguém que peca de maneira irrefreada não é um cristão absolutamente. Há várias passagens bíblicas que ordenam os cristãos a buscarem a justiça e evitarem a impiedade. Algumas dessas passagens são tão fortes em expressão e contém advertências tão sinistras, que alguns as interpretam incorretamente, como dizendo que é possível para um verdadeiro crente perder sua salvação. Por exemplo, Hebreus 6.4-6 diz o seguinte:
Ora, para aqueles que uma vez foram iluminados, provaram o dom celestial, tornaram-se participantes do Espírito Santo, experimentaram a bondade da palavra de Deus e os poderes da era que há de vir, e caíram, é impossível que sejam reconduzidos ao arrependimento; pois para si mesmos estão crucificando de novo o Filho de Deus, sujeitando-o à desonra pública. Em primeiro lugar, o que quer que essa passagem signifique, ela não diz que os eleitos renunciam de fato a sua fé. Vamos assumir que a passagem está de fato dizendo que se alguém decair da fé depois de alcançar certo estágio de desenvolvimento espiritual, ela de fato perderia sua salvação. Isso não desafia a doutrina da preservação – na realidade, podemos concordar de todo coração com tal declaração. Se o eleito sincera e permanentemente renuncia a Cristo, então perde sua salvação. Contudo, nós já lemos vários versículos dizendo que isso nunca acontece, que o verdadeiro crente nunca renunciará a Cristo de forma sincera e permanente, e a passagem acima não diz nada que contradiga isso. João diz que aqueles que se apartam da fé nunca estiveram verdadeiramente na fé.
Em segundo lugar, vários versículos adiante, o escritor declara explicitamente que o que essa passagem descreve não acontecerá aos seus leitores: “Amados, mesmo falando dessa forma, estamos convictos de coisas melhores em relação a vocês, coisas que acompanham a salvação” (Hebreus 6.9). Parafraseando, ele está dizendo: “Embora estejamos falando dessa forma, estou certo de que quando diz respeito à salvação, isso não acontecerá com vocês”.
Em terceiro lugar, devemos lembrar que Deus usa vários meios pelos quais ele realiza os seus fins. Por exemplo, embora ele tenha determinado imutavelmente as identidades daqueles a quem salvaria, ele não salva essas pessoas sem se valer de meios. Antes, ele salva os eleitos por meio da pregação do evangelho, e da fé em Cristo que coloca dentro deles. Deus usa vários meios para realizar os seus fins, e ele escolhe e controla tanto os meios como os fins.
Conseqüentemente, apenas porque se nos diz que os eleitos perseverarão na fé, não significa que Deus não os advirta contra a apostasia. Na verdade, essas advertências escriturísticas sobre as conseqüências de renunciar a fé cristã são um dos meios pelos quais Deus impede seus eleitos de cometer apostasia. Os réprobos ignorarão essas advertências, mas os eleitos prestarão atenção a elas (João 10.27), e assim, eles continuarão a operar a própria santificação “com temor e tremor” (Filipenses 2.12). Concernente às palavras de Deus, Salmo 19.11 diz: “Por elas o teu servo é advertido; há grande recompensa em obedecer-lhes”.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
0 Comentários:
Postar um comentário