A BEM-AVENTURANÇA
DA VIDA GOVERNADA POR DEUS
Mateus 5:5
“Bem-aventurados os mansos, porque eles
herdarão a terra;”
Em nosso idioma português moderno
a palavra, "manso" não é precisamente uma das que usaríamos como
qualificativo elogioso a respeito de ninguém, implica um matiz de servilismo
com o que ninguém se sentiria honrado, e uma certa passividade e não
agressividade que de muito pouco servem em nosso mundo moderno.
Pinta-nos a imagem de uma
criatura submissa e muito pouco executiva. Mas em grego a palavra praus (equivalente a
"manso") era um dos termos mais elevados do vocabulário ético.
Aristóteles fala extensamente
sobre a virtude da mansidão
(praotés). Uma das características metodológicas de
Aristóteles, em sua ética, era definir cada virtude como o meio termo entre
dois extremos.
Por um lado estava o extremo por
defeito e pelo outro o extremo por excesso. Em metade de caminho entre ambos se
localizava a virtude, justamente o meio. Para dar um exemplo, em um extremo
está o esbanjador, no outro o avarento, no meio está o homem generoso.
Aristóteles define a mansidão
como o justo meio entre a ira excessiva e a falta absoluta de ira, ou
passividade. A mansidão é o meio termo entre o excesso de ira e a muito pouca
ira. Portanto, a primeira tradução possível desta bem-aventurança é:
Bem-aventurado o
homem que sabe zangar-se na hora certa, e que nunca se zanga quando não é o
caso.
Se nos perguntarmos qual o
momento exato de zangar-se e quando não é, podemos estabelecer como regra geral
que nunca é hora de zangar-se pelos insultos ou as ofensas que nós mesmos
recebamos; os cristãos nunca devem resistir aos que querem ofendê-los; mas é o
momento certo de zangar-se quando se ofende a outros. A ira egoísta sempre é um
pecado, a ira altruísta pode ser uma das grandes molas morais da dinâmica moral
de nosso mundo.
Mas a palavra praus tinha outro
significado corrente em grego. Era o termo que se usava, como em português,
para designar o animal domesticado, que tinha sido educado para que obedecesse
a voz de seu dono, que respondeu às indicações das rédeas. É a palavra que
corresponde ao animal que aprendeu a aceitar o controle do homem. Portanto a
segunda tradução possível desta bem-aventurança é:
Bem-aventurado o homem cujos instintos,
paixões e impulsos estão sob controle;
bem-aventurado o homem que aprendeu a dominar-se.
Mas logo que terminamos que dizer
estar palavras, damo-nos conta que não são exatamente o que Jesus teria dito.
Não se trata da bem-aventurança do homem que sabe controlar-se a si mesmo,
porque tanto autodomínio é um ideal moral que está além das possibilidades do
comum dos mortais, a não ser a bem-aventurança do homem dirigido por Deus,
porque somente no serviço de Deus encontramos a perfeita liberdade, e no
cumprimento de sua vontade nos apropriamos de nossa paz.
Mas ainda há uma terceira via de
acesso a esta bem-aventurança. Os gregos sempre contrastavam a mansidão com o
orgulho. A mansidão é uma autêntica humildade que descarta por completo o
orgulho.
Sem humildade não pode
aprender-se nada, porque o primeiro passo para a aprendizagem é a humildade em
reconhecer nossa ignorância.
Quintiliano, o grande mestre de oratória
romano, disse a respeito de alguns eruditos, que "sem lugar a dúvida seriam
excelentes meus alunos, se não estivessem tão convencidos de tudo o que sabem."
Ninguém pode ensinar ao que pensa
que sabe tudo. Sem humildade não pode haver amor, porque o princípio do
verdadeiro amor é o sentimento de indignidade.
Sem humildade não pode haver
verdadeira religião, porque toda religião começa com a consciência de nossa
debilidade e necessidade de Deus. O homem só alcança a estatura perfeita de sua
humanidade amadurecida quando aprende que é uma criatura e que Deus é seu
Criador, e que sem Deus não há
nada que ele possa fazer.
"Mansidão" descreve a
humildade, a aceitação da necessidade de aprender e da necessidade de ser
perdoado. Descreve a única atitude possível do homem para com Deus. Portanto,
uma terceira possível tradução desta bem-aventurança, seria:
Bem-aventurado o homem que possui a
suficiente humildade para dar-se conta de sua ignorância, sua debilidade e sua necessidade
de ajuda.
Esta humildade, ou mansidão, diz
Jesus, herdará a Terra. É um fato demonstrado pela história que os que podem
exercer o controle de si mesmos, os que aprenderam a disciplinar seus
instintos, paixões e impulsos, são aqueles que possuíam verdadeira grandeza.
O livro de Números diz; a
respeito do Moisés, maior o líder e legislador que a história já viu: "e
aquele varão Moisés era muito manso, mais que todos os homens que havia sobre a
terra" (Números 12:3). Moisés não possuía um caráter submisso, não era servil,
podia chegar a manifestar de maneira tremenda sua ira, mas exercia controle
sobre esta paixão, e a manifestava só quando era o momento apropriado. O autor
de Provérbios diz: "Melhor é o que demora para irar-se que o forte; e o
que se domina o seu espírito, do que o que toma uma cidade" (Prov. 16:32).
Foi a ausência desta qualidade o
que constituiu a ruína do
Alexandre o Grande, quando, por
exemplo, em um ataque de ira, em meio de uma bebedeira, arrojou uma lança e
matou a seu melhor amigo.
Ninguém pode governar a outros
até não ter aprendido a governar-se a si mesmo; ninguém pode servir a outros
até que não aprendeu a controlar-se e sujeitar-se a si mesmo; ninguém pode
controlar a outros até que não sabe controlar-se a si mesmo. Mas o homem que se
entrega plenamente ao controle de Deus obterá a mansidão que vai capacitá-lo a
herdar a Terra.
É evidente que a palavra grega praus, significa muito mais do que significa a palavra portuguesa,
"manso". Não há uma palavra em nosso idioma que possa traduzi-la sem
perda de significado. A tradução completa da terceira bem-aventurança diria,
então:
Quão feliz é o homem que sabe quando
expressar a ira e que nunca se zanga fora de tempo, que aprendeu a controlar
seus instintos, impulsos e paixões, porque pôs sua vida sob o governo de Deus,
e que tem a suficiente humildade para reconhecer sua própria ignorância e
debilidade, porque o homem que possui tais virtudes é rei entre os homens!
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