sábado, 25 de outubro de 2014

Tema:

O Verbo de Deus: (João 1:1-18)

I. O Verbo de Deus: (João 1:1-18)

A forma de começar este Evangelho deve ser compreendida antes de seu conteúdo ser considerado, O estilo é o da poesia semítica, em que se faz uso freqüente de artifícios rítmicos como o paralelismo climáticos, em que um novo verso traz um elemento-chave do verso anterior; um exemplo disso está na tradução literal do versículo 1:

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
Ou ainda (v. 4 e 5):
Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens; e a luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela.

As imagens poéticas do prólogo sugerem que este material foi adaptado, para ser usado como hino no culto cristão primitivo. Como indicam claramente os Salmos, o antigo Israel geralmente punha-se a recitar os atos salvíticos de Deus (exemplo: Sal. 78). Aqui, o novo Israel resumia a história sagrada de seu Messias numa forma hinódica, imputando-lhe, assim, uma dignidade transcendente, semelhante à atribuída à sabedoria nos exaltados panegíricos de Provérbios 8, Eclesiástico 24 e Sabedoria de Salomão 7-9. Isto significa que estes versos refletem não apenas uma preocupação filosófica e uma afirmação teológica, mas também uma adoração doxológica de um Senhor pessoal, cuja vida levou seus seguidores a irromper em louvor.
O padrão poético, encontrado na maior parte do prólogo, é interrompido pelas referências, em forma de prosa, a João Batista, especialmente nos versos 6-9,15. Tão prosaicas são estas seções, que elas mais parecem uma intromissão na rapsódia lírica que as cerca. Mesmo assim, os dois estilos são parte integral da fé cristã. Neste início somos introduzidos à poesia e a prosa do Evangelho, à glória do Verbo eterno e ao testemunho singelo de um profeta mortal.
Depois de reconhecido o estilo basicamente do prólogo, não surpreende a descoberta de que sua estrutura interna se organiza em quatro estrofes ou estâncias hinódicas, que correspondem às divisões do texto, como seguem: o Verbo é sucessivamente apresentado em relação a Deus e ao seu universo (v. 1-5), a João Batista (v. 6-8) e ao mundo dos homens (v. 9-13) e à igreja comungante (v. 14-
18). Como a sequência destas estâncias é mais tópica (de assunto) do que cronológica, é errôneo pensar que certos versos se refiram exclusivamente ao Verbo preexistente, e outros, somente ao Verbo encarnado. Do mesmo modo como qualquer pessoa pode ser conhecida melhor à luz de seus vários papéis ou relacionamentos (exemplos: à família, ao trabalho, aos inimigos e aos amigos), o propósito básico aqui é explicar a pessoa do Verbo através da descrição dos seus envolvimentos mais importantes, sejam eles anteriores, contemporâneos ou posteriores à sua encarnação.
Ao mesmo tempo, embora as declarações separadas dentro das quatro estâncias não formem uma linha cronológica progressiva muito clara, o hinoconta a história do evangelho de Jesus, numa seqüência organizada, como um episódio histórico entre duas eternidades. Em certo sentido, portanto, o prólogo se assemelha aos hinos judaicos da sabedoria, com suas descrições de atributos “infinitos” (exemplo: Sabedoria de Salomão 7:24-8:1), enquanto em outro, ele se aproxima mais dos hinos litúrgicos de confissão do Velho Testamento, que repetem os atos “eternos” de Deus na história (exemplo: Sal. 105 ou 106). Sozinhos, os versos podem, simultaneamente, retroceder ao passado, exteriorizar para o presente e apontar para a eternidade (ex.: v.5), mas o esboço geral dos versos 1-18 leva o leitor continuamente através dos principais estágios da época definitiva da redenção.
Esta estrutura externa do prólogo se assemelha ao arco de um pêndulo ou à curva de uma parábola, que é a mesma forma refletida em alguns dos outros hinos cristãos primitivos. 2 Filipenses 2:6-11, por exemplo, descreve a condescendência e a vindicação de Cristo Jesus em dois movimentos: primeiro, a descida do pêndulo, na humilhação (v. 6-8); depois, a subida do pêndulo, na exaltação (v. 9-11). Esta estrutura simétrica invertida, chamada quiasma, era uma forma literária muito usada na literatura antiga especialmente quando se queria exprimir o paradoxo ou a “grande' inversão” no âmago do evangelho (cf. II Cor. 8:9).
Foi a ênfase sobre este movimento duplo de descida e subida que determinou a estrutura toda do Evangelho. Desse modo, não surpreende que o resumo de abertura adotasse o modelo geral. Entendido assim, o prólogo se assemelha a uma porta para Deus, com suas colunas fincadas na eternidade acima e não no tempo finito. A humilhação do Filho de Deus se esboça nos versos 1-11, seguida ver não apenas pelas palavras idênticas iniciais (“No princípio”), mas pelo conteúdo, que tem paralelismos bem íntimos. Em ambos os casos, o Verbo de Deus criou um mundo que a luz e as trevas foram diferenciadas. O Evangelho de João começa como um novo Gênesis, que apresenta a obra redentora de Cristo como conduzindo a criação à sua consumação prevista (cf. 5:17;9:4-5).

1) 0 Logos e Deus (v. 1 e 2)

O primeiro versículo faz três afirmações sobre o Logos, que são apresentados simetricamente, pela forma verbal era/ estava, repetida três vezes. A Versão Inglesa de Hoje Today’s English Version parafraseia assim:

“Desde o princípio,quando Deus era, o Verbo também era; onde Deus estava, o Verbo estava com ele;
o que Deus era, o Verbo era também.”

No inicio, o prólogo afirma a eternidade, a proximidade e a identidade do Logos com Deus. O versículo 2 repete selenemente a ênfase das declarações centrais do verso 1, como se estivessem titubeantes para serem assimiladas com fundamento numa simples afirmação.
Como “no princípio” sugere não só o começo da história do evangelho (cf. Mar. 1:1), mas da própria criação do mundo (cf. Gên. 1:1), a conseqüência é que o Verbo sempre foi uma realidade, antes mesmo que o tempo tivesse começado. Isto quer dizer que, por natureza eterna, Deus não é mudo, mas, antes, é um Deus capaz de falar. Diferentemente dos ídolos, que são mudos (I Reis 18: 26-29; Sal. 115: 3-8; 135:15-18; Hab. 2:18,19; I Cor. 12:2), Deus sempre teve uma palavra. O Poderoso não é incomunicável; todos os significados profundos da vida não são, portanto, negados por um silêncio definitivo.
Ademais, a mensagem anunciada aqui é que o Verbo precedeu a criação, o que quer dizer que o pensamento antecedeu o ato. Isto é indicado não somente pela primeira frase do versículo 1 — literalmente, “o Logos existiu antes de qualquer coisa começar” — mas também pela relação do versículo 1 com o 3, cuja seqüência sugere que Deus tinha uma palavra antes de ter feito um mundo. Há uma espécie de empirismo pragmático, que aceita que o significado emerge simplesmente dos acontecimentos. João, entretanto, está certo de que Deus primeiro planejou, para depois fazer, e que esta Palavra da verdade fundamentou aquilo que depois aconteceu e determinou seu sentido profundo.
Um dos propósitos básicos do prólogo é identificar o Jesus histórico com o Logos eterno, e, a partir daí, argumentar que aquilo que os homens ouviram, em seu breve ministério, é o que Deus sempre quis dizer ao mundo. Esta ênfase sobre a preexistência do Verbo não era especulativa, mas prática, na intenção de enfrentar dois problemas de então:
Primeiro, os judeus estavam inclinados por venerar a Escritura, por causa de sua antiguidade, acima mesmo dos ensinos de Jesus. João argumentou que a revelação dada em Jesus era algo mais velho que o Velho Testamento, pois ela existia com Deus antes da história primeva com que Gênesis 1:1 começou. Jesus pode ter aparecido como um jovem (8:57), mas ele se apresentou como o Verbo, que antecedeu e inspirou as palavras de Isaías, Moisés e Abraão. Na realidade, eles falaram dele, e assim é em função dele que devem ser compreendidos (5:39-47; 8:53-58; 12:37-41). Como Logos eterno, Cristo é a norma pela qual se deve aferir toda a revelação bíblica.
Segundo, muitos gregos, em oposição aos judeus, não atribuíram qualquer autoridade absoluta às escrituras antigas. Em suas mitologias populares, os deuses eram volúveis e excêntricos, pelo que suas palavras não mereciam crédito. Para João, o “estar-com” do Verbo garantia a fidedignidade do Verbo. O Logos é sempre constante, e não se condiciona pela contingência dos fatos. Podemos parafrasear a primeira parte do versículo 1 do seguinte modo: “Quando Deus começou a se expressar, o conteúdo desta revelação não se constituía numa inovação ou reflexão tardia, mas na comunicação de sua realidade imutável.”
As duas expressões finais do versículo 1 permanecem numa tensão criativa entre si, dando ênfase, como se ambas fizessem a separação e a conexão do Verbo com Deus. Por um lado, o Logos estava face a face com ou “na companhia” de Deus. Embora esta proximidade sugira uma intimidade filial (cf. “no seio”, v.
18), a preocupação fundamental era insistir sobre uma distinção adequada entre o Logos e Deus (cf. Prov. 8:30). Por outro lado, em acréscimo a esta diferença, havia uma igualdade entre os dois; pois, como a New English Bible (Nova Bíblia Inglêsa) belamente indica, “o que Deus era, o Verbo era”. O Verbo não era apenas um atributo de Deus, mas, antes uma expressão do verdadeiro ser de Deus.
Estas duas expressões equilibrada- mente aqui colocadas, preparam para os dois ensinos cristãos de que (a) Jesus e Deus distintos em pessoa e em função (exemplo: Jesus não conversou consigo mesmo quando orou; cf. 17:4,5) e, ainda, que (b) eles eram idênticos em natureza e em propósito (isto é, Jesus' não só revela algo sobre Deus, mas, antes, revelou-se Deus; cf. 14:9).

2) O Logos e a Criação (v. 3 e 4)

O ser eterno do Logos, destacado pela tríplice repetição do verbo era/estava do versículo 1, contrapõe-se, agora, à transformação temporal de todas as coisas, destacada pelo tríplice fez (literalmente, “tornou-se” ou “tem-se tornado”) do versículo 3. Ao afirmar que a ordem inteira criada veio a ser através da ins- trumentalidade do Verbo, a implicação do prólogo é que a matéria não é eterna e auto-suficiente, mas limitada e causa da.
Como enfatiza o versículo 3b, “nenhuma coisa” veio à existência — muito menos adquiriu significado — a não ser como uma expressão criativa de Deus.
A relação do Verbo com a criação não deve ser compreendida, todavia, em termos de um dualismo cósmico, que proponha um antagonismo absoluto entre o espírito e a matéria. Antes, a compatibilidade total entre Deus e o seu mundo se estabelece pelo envolvimento do Logos nas duas esferas. O mesmo Verbo que foi associado a Deus por três vezes, nos versos 1 e 2, é associado ao mundo três vezes nos versos 3 e 4 (“por intermédio dele”, “sem ele”, “nele”). Este Logos não é um ser intermediário inferior entre um Deus perfeito e seu imperfeito mundo, como queriam os gnósticos. Ao contrário, o Logos que deveria ser identificado com a totalidade da ordem divina (v. lc), era o agente de Deus na emergência da totalidade (todas as coisas) da ordem criada (v. 3a.). Desse modo, os dois extremos são recusados: o mundo não é eterno, e, portanto, definitivo, e nem mau, e, portanto, desprezível.
O que significa, então, confessar que este universo é cristocêntrico (cf. I Cor. 8:6; Col. 1:16; Heb. 1:2)?

Três conclusões podem-se tirar daí:

O sentido é anterior à matéria; assim as coisas tomam sua importância dos propósitos espirituais intentados. Esta argumentação opõe-se a qualquer materialismo que veja a realidade como tangível, o mundo como de importância mais intrínseca do que instrumental e a vida como alcançada pelas experiências sensoriais.
A criação, como uma atividade do Logos, é parte do esforço de Deus para se comunicar com o homem (cf. Rom. 1:20; At. 14:17). A significação do físico reside em sua capacidade de significar ou servir como um sinal do espiritual. Se o universo foi fundado pelo Logos, então pode haver uma analogia adequada entre o visto e não visto. É por isso que Jesus falou de Deus em termos de símbolos, como vinho (2:1-11), água (4:7-15) e pão (6:25-59).
Como agente da criação, Cristo pode reivindicar o universo como aquele que o recriou e redimiu (cf. Col. 1:15-18). Sua presença terrena no mundo que fez (v. 10) foi uma descida às “suas próprias coisas” (v. 11a). O Logos encarnado foi investido com uma autoridade cósmica (3:35; 13:3; 17:2), porque toda a ordem criada foi uma projeção perfeitamente incorporada em sua vida. Isto significa que nenhuma área de nossa existência, mesmo mundana, está isenta de buscar sua coerência na submissão a ele.
Uma interpretação correta do verso 4 é extremamente difícil, porque nenhum texto exato ou nenhuma pontuação é possível, à base dos manuscritos disponíveis. A Revised Standard Version apresenta o dilema da tradução, ao oferecer uma leitura (marginal) alternativa, que junta o último trecho do verso 3 ao verso 4. Como seria necessário uma discussão técnica complexa para evidenciar todas as possibilidades exegéticas, podemos seguir a linha geral de pensamento, que não é afetada seriamente por decisões sobre palavras e expressões individuais.4
Como inteligência pessoal em comunhão com Deus, o Logos, ao funcionar como o agente da criação, era fundamentalmente o colaborador da vida. Qualquer ato criativo envolve mais que a fabricação de moléculas. A matéria tem sentido apenas enquanto vive, e a afirmação aqui é de que nele estava a fonte da vida, por que todas as coisas tiveram a oportunidade de vir a ser. Em certo sentido, o Logos tinha o mesmo propósito na criação como na redenção: “Eu vim para que tenham vida” (cf. 5:26;5:40; 10:10; 14:6). Como dom divino, esta vida torna-se a luz, pela qual os homens são indicados para Deus (cf.8:12; 12:46). Em outras palavras, cada pessoa (v. 9b) deve perceber que Deus é o criador poderoso e zeloso do universo, à luz do milagre da vida, que transborda na experiência humana (cf. Gal. 36:9).

3) O Logos e as Trevas (v. 5)

Por que, então, tantos compreendem mal e até se opõem à luz ativa da vida na ordem criada? Por que é a vida tão barateada pelo preconceito, pela escravidão, pela guerra e por uma hoste de outros inimigos? Mais ainda, por que o mundo destrói com tão brutal rapidez uma vida tão iluminada pela luz de Deus (cf. 1:10, 11; 8:12-59; 12:35-50)? A resposta dada é que a luz não brilha num vácuo moralmente neutro, mas no conflito cósmico com o poder das trevas. Somos, então, repentinamente introduzidos no problema do mal.
Logo depois de tratar da obra divina da criação (v. 3 e 4), a questão naturalmente, suscitada é se o mal também teve origem em Deus. É o Logos, que fez todas as coisas, também responsável pelas trevas? Neste trecho, a resposta não parece ser sim. Ao contrário, as trevas são admitidas e apresentadas sem qualquer ligação com a luz. A situação é a mesma em Gênesis 1:1-5, onde “no princípio”, antes que Deus proferisse sua palavra criadora, “havia trevas sobre a face do abismo”.
O propósito básico do verso 5 não é explicar nem amaldiçoar as trevas, mas afirmar a penetrante convicção de que a luz prevalece ao final (cf. I João 2:8). Isto foi verdade na criação, quando as trevas saíram de diante das palavras “haja luz” (Gên. 1:3). Foi verdade em Cristo que, embora rejeitado por muitos (1:10,11), chegou a ser a Luz do Mundo (8:12). É verdade na Igreja, cujo testemunho não pode ser extinguido pela perseguição (cf. 9:22; 12:42; 16:2). Mais claramente, as trevas existirão enquanto os homens preferirem o mal (cf. 3:19-21) e, como elas coexistem com a luz, é necessário que se tome uma decisão por uma ou pela outra. O resultado, porém, da luta jamais esteve em questão, ficando sempre claro que as trevas não dominarão a luz.

 Verbo e João (1 ;6-8)

6 Houve um homem enviado de Deus, cujo nome era João. 
7 Este veio como testemunha, a fim de dar testemunho da luz, para que todos cressem por meio dele. 
8 Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz.

Este segundo parágrafo do prólogo mostra uma ligação bem estreita e um contraste forte com o parágrafo anterior. A coesão é estabelecida com a referência à “luz dos homens” (v. 4) como tendo-se cumprido num homem que veio testemunhar da luz. Ademais, em João as trevas encontraram uma testemunha (v. 6-8), uma preocupação presente neste capítulo e em todo o Evangelho. O Verbo divino foi fundamental em que “todas as coisas” vieram a existir “através dele” (v. 3a.), mas o testemunho humano apontava para o propósito redentor da criação, em que todos os homens seriam chamados a crer através dele.
Paralelamente, porém, a desconti- nuidade é tão evidente, que saltamos subitamente, da eternidade para o tempo, do universo para o deserto, das afirmações exaltadas para as retratações insistentes (v. 8). Note-se como as duas estrofes começam de modo diferente (v. 1 e 6). Jesus era o Verbo (lógos); João era um homem (anthropos). Jesus convivia em intimidade “com” (pros) Deus; João era um enviado de (para) sua parte. Jesus sempre “era” (ên) sem começo ou fim; João “veio a ser” (egeneto) na plenitude do tempo (A RSV obscurece este final contrastante, ao traduzir os dois verbos diferentes nos versos 1 e 6 como “era”). Estava clara a necessidade que se sentia de subordinar João a Jesus, como se vê particularmente na eloqüente negativa do verso 8a (cf. 1:15; 1:19-34; 3:22-30; 4:1; 5:33-36; 10:40,41). Parece que alguns seguidores de João não titinham
transferido sua lealdade a Jesus e precisavam ser lembrados que seu mestre jamais apontara para si mesmo (cf. At. 18:24-26; 19:1-7).
Ao mesmo tempo, a humildade de João deu o cenário para que se revelasse a sua verdadeira grandeza. Embora fosse um solitário arauto sem credenciais, ele ousou ser profeta num tempo que a profecia estava relegada a um passado ideal. Sua única motivação era o sentido de missão para a qual veio; seu único objetivo era indicar para além de si mesmo como testemunha; sua única mensagem era a da luz. Na primeira estrofe do prólogo, fomos alçados a alturas enormes, mas nesta não se faz por menos: um homem em contato com a transcendência, um homem preocupado com a luz num tempo em que os demais homens se contentavam em viver nas trevas, um homem capaz de renunciar às comodidades do status quo e de contar com o futuro para justificar a sua esperança.

 O Verbo e o Mundo (1:9-13)

9 Pois a verdadeira luz, que alumia a todo homem, estava chegando ao mundo. 
10 Estava ele no mundo, e o mundo foi feito por intermédio dele, e o mundo não o conheceu.
11 Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. 
12 Mas, a todos quantos o receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus; 
13 os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus.

A forte negativa com que a segunda estrofe do prólogo termina (v. 8) prepara para a igualmente forte afirmação com que a terceira começa (v. 9). Embora João, em si, não fosse a luz prometida, da revelação final de Deus (cf. Is. 9:2; 42:6; 60:1-3, 19-20, o Logos, que era a verdadeira luz, preencheu a ardente expectação do seu precursor, ao entrar no mundo dos homens de forma tão nova. Isto é logo indicado pelo verso 10a, onde a ênfase do verso 9 é repetida (ele realmente estava no mundo), como também no "ele veio” do verso 11 e no “atodos quantos o receberam” do verso 12. O terceiro parágrafo resume, assim, o ministério terreno do Logos encarnado e, ao fazê-lo, antecipa as linhas da história evangélica, que logo será contada (v.9=cap. 1; v,10=cap.2-4; v. 11=cap. 5-12;v. 12 e 13=cap. 13-21).
O próprio prólogo deixa claro o quão incrível foi esta intervenção divina nos
negócios do homem. A luz universal, que brilha em todo o homem, transformou-se^ num homem particular. Aquele que sempre existiu, antes mesmo de o mundo começar, veio agora, participar da história. O agente aue criara o cosmo inteiro ocupa, agora, um lugar no esoaco da terra. Um tjja, tudo tomara vida nele; agora, porém, ele vivia no mundo. De um ponto de vista humano, seria bastante difícil crer que Deus tenha preparado esta vinda apoteótica apenas com um arauto obscuro como João Batista. Seria também impensável que o evento escatológico envolvesse o eterno se transformando em temporal, o infinito em espacial e o espiritual em material; é precisamente por isso que acontece o reverso do processo, pelo qual se descreve geralmente a redenção.
Não surpreende, então, que os homens estivessem tão despreparados para a chegada da luz. A rejeição é descrita em dois estágios. No primeiro o mundo, que lhe pertencia através da criação, compreendia aqui como a vida organizada da humanidade, não o conheceu com gratidão e reconhecimento. No segundo, embora tenha vindo especialmente para o seu próprio lar, em Israel, o povo de Deus, que lhe pertencia por concerto, não o aceitou. A contundente afirmação, feita agora, é que nem o mundo, que vive na luz da razão natural, nem a religião, que vive na luz da revelação podiam ver a verdadeira Luz do mundo, quando esta se incorporou na vida humana!
Qual era a razão básica dessa cegueira? Tanto o interesse dos gregos pela  Sabedoria como o interesse dos judeus pelas obras entreviam uma tendência para definir o objetivo da existência humana em termos daquilo que se alcançava e não em função daquilo que se recebia. Eles não viam a luz diante deles divina, como dádiva absoluta, isto porque estavam ocupados em tentar elaborar esta graça em suas próprias mentes e em seus proprios cultos. Para descobrir a verdade, nada é tão necessário quanto a abertura. Pálpebras cerradas obscurecem todo o fulgor de um resplandecente sol de meio dia. Assim, o prólogo aponta diretamente para o centro de uma resposta positiva na palavra recebida e liga esta receptividade à natureza da fé, ao identificar todos aqueles que o receberam como aqueles que creram em seu nome. O cristianismo é, desse modo, definido, fundamentalmente, em termos de graça (deu-lhes), que é, sobretudo, a unica maneira pela qual o Logos e a luz
— seja terrenal ou celestialmente — podem se comunicar com o homem. Há uma espécie de passividade humana criativa, uma audição e uma visão aguçadas, que permitem a atividade divina de falar e brilhar.
Não surpreende que a dádiva primeiro seia descrita como direito, ou privilégio, (e não como poder, conforme em algumas versões) de se tomarem filhos de Deus. Esta figura sugere a comunhão da família da fé. Implica também a noção de um novo começo. A coisa mais característica, de um filho, é que sua vida está sempre diante dele, o melhor está sempre por vir. Neste contexto, o mais importante é a implicação de que os homens não são filhos de Deus por natureza, quer pertençam ao mundo criado através do Logos quer ao povo escolhido, do Messias, como descendentes de Abraão. Ao contrário, eles se tornam filhos de Deus através de uma nova criação, que transcende todas as distinções nacionais, raciais e religiosas (cf. 8:39-47).
Esta mudança inicial, no verso 12, é melhor esclarecida depois como de origem divina, no verso 13.

Três expressões negativas, na realidade, de sentidos semelhantes, insistem que este nascimento não é, de modo algum, o resultado de uma reprodução biológica. A forma como Cristo nasceu, neste mundo, dá, o modelo como qualquer homem pode tomar a nascer: não pela hereditariedade ou pelo esforço humano, mas de Deus (cf. o comentário sobre 3:1-15).

 O Verbo e a Igreja (1:14-18)

14 E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade; e vimos a sua glória, como a glória do unigénito do Pai. 
15 João deu testemunho dele, e clamou, dizendo: Este é aquele de quem eu disse:
O que vem depois de mim, passou adiante de mim; porque antes de mim ele já existia. 
16 Pois todos nós recebemos da sua plenitude, e graça sobre graça. 
17 Porque a lei foi dada por meio de Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo. 
18 Ninguém jamais viu a Deus. O Deus unigénito que está no seio do Pai, esse o deu a conhecer.

A referência ao novo nascimento, no final "da terceira estrole, leva, natural- mente, a uma discussão sobre a vida cristã na estrofe final, mas com uma diferença de perspectiva de grande importância. Pela primeira vez, no prólogo, os pronomes mudam da terceira pessoa (eles), de uma descrição objetiva, para a primeira pessoa (nós), de uma confissão subjetiva (cf. 21:24b; I João 1:1-4).

No climax do hino, uma comunidade daqueles que se tornaram “filhos de
 Deus” (v. 12 e 13) celebra a encarnacão( do Logos (v. 14) à luz da dádiva que receberam.
Este testemunho nasce, entretanto, de um realismo de enorme sobriedade.
O paradoxo do Verbo se fazer carne que pervade o prólogo, alcança sua expressão mais eloqüente no verso 14, quando as três marcas da condescendência, na primeira parte do versículo, são justapostas a três marcas de exaltação, na última parte (A versão bíblica usada alterou a ordem do texto grego, ao passar cheio de graça e de verdade do fim para o centro do versículo; esta mudança na sequência atrapalha a simetria da frase e altera sua linha de pensamento.)
Observa-se inicialmente, as três limitações atribuídas ao Logos. no verso 14. em comparação com o verso 1:

(1) O Verbo, que sempre “estava" em seu ser eterno, com Deus (v. 1), transforma-se agora, num evento temporal. num ponto da história, limitado à circunstância do tempo, como João Batista asteve, conforme o verso 6. (O verbo grego egeneto, usado no verso 6, para contrastar o João histórico com o Logos eterno, do verso 1, é empregado, agora, para o Logos histórico, no verso 14.) Ele, através de quem toda a criação ganhou a existência (v. 3), toma-se, agora, uma criatura finita.

(2) Ademais, o Verbo, que “era Deus” (v. lc), agora torna-se como carne: isto é, ele começou a existir como um ser humano (cf. I João 4:2; II João 7). O último meio escolhido para comunicar a mensagem divina não era uma idéia, uma
emoção ou uma organização; antes, a revelação se incorporava numa pessoa.
Não significa isto que o Verbo deixou de ser Verbo quando se fez carne, mas que a realidade última e a existência terrena fundiram-se perfeitamente na vida de uma só pessoa.

(3) Finalmente, o Verbo, aue estava eternalmente com (pros) Deus (v. lb). agora tornou-se do (para) Pai e habitou temporariamente entre nós. O verbo habitar pode sugerir a idéia de fincar uma tenda, reminiscência do tempo em que Deus tabernaculou com seu povo no deserto (Êx. 25:8; 40:34).
Esta tríplice humildade não obscureceu sua verdadeira grandeza, mas, antes, forneceu o contexto, a partir do quaTos olhos da fé poderiam ver mais claramente.

O sentido último do Logos é agora afirmado em tres frases sucessivas.

Nós vimos sua glória — Glória é um dos termos mais ricos do vocabulário teológico da Bíblia, referindo-se basicamente às manifestações visíveis do poder de Deus. A vida de Jesus brilhou, com a já referida presença da majestade divina. Através do ministério terreno do Verbo, Deus convocou os homens para uma nova consciência de seu propósito e de seu prestígio.

O unigénito do Pai — A palavra traduzida como unigénito (monogenous) 5
poderia dar a idéia de ‘,‘úniço gerado”. como está na versão King James, visto que o relacionamento pai-filho se estabelece pelo processo do nascimento. O sentido inicial do termo, entretanto, é "o único de sua,espécie”, e a ênfase do prólogo, sobre o “ser/estar” do Verbo, sugere — ao contrário do que faz supor a King James — que a diferença desse Filho residia em não ser gerado. Ha realidade, um contraste^deliberado entre o verso 13 e o verso 14 pode implicar num quiasmo: “Nós, homens da terra, que nascemos na carne/ Fomos privilegiados em nos tornarmos filhos de Deus/Por procedermos não de um homem, mas de/ Deus/ Como não necessitasse ser nascido de Deus/ Já que era o Filho incomparável e eterno Deus Ele desejou nascer da carne, em nosso favor.

Cheio de graça e de verdade — Como homem, o Logos não estava vazio da realeza divina (como às vezes é erroneamente interpretado Fil. 2:7), mas cheio de amor misericordioso e da imperturbável fidelidade, elementos centrais da compreensão veterotestamentária de Deus (Êx. 34:6,7; Sal. 85:9-10; 89:14; 108:4). Observe-se o equilíbrio alcançado com as combinações desses dois termos.. Graça é uma compulsão irresistível aos homens, mais do que eles merecem, e que flui espontaneamente da ilimitada ! generosidade de Deus. Verdade, por outro lado, finca-se na determinação divina de ser coerente, inteligível e, por conseguinte, digna de crédito no seu relacionamento com a humanidade. Graça sem verdade não passa de sentimentalismo; verdade sem graça pode parecer algo de inflexível rieidez. Ao declarar sua natureza divina, Jesus combinou uma infinita ternura pelo pecador com uma inabalável fidelidade ao que é direito.

Revendo-se o verso 14 como um todo, as duas partes dão a impressão inicial de absoluta incoerência. A primeira metade" descreve a ação divina na história como a vinda do Verbo, enquanto, a segunda, descreve a reação humana em termos de nós temos visto. Porém, uma palavra é algo que comumente não se vê, mas se ouve; contrariamente, glória é geralmente compreendida como algo que não tem som. A inusitada combinação de -audição e visao, no verso 14, evidencia a verdade profunda de que em Jesus, Deus tornou-se_acessível à vida humana, através da portar do ouvido e da porta dos olhos (cf. 1João 1:1) Desse modo, ele apelava tanto ao intelecto quanto à imaginação. tanto ao sentido humano de reflexão quanto de celebração. Ademais, o Logos visível transcendeu a tradicional dicotomia entre palavra e acão. Havia uma coerência total entre o que os homens viam Jesus dizer e o que eles o viam fazer. Em outras palavras, eles “viam” o que ele “dizia”, porque ele praticava de modo perfeito aquilo que pregava. 

A vinda da revelação divina em forma de vida humana não era nada evidente por si mesma, uma vez que uma afirmação dessa natureza não tinha paralelo algum com nenhuma outra religião. Assim, o Verbo dõverso 14 está intimamente associado ao retumbante testemunho de João, no verso 15. Esta conexão se fez necessária, porquê João fora a primeira ligação decisiva entre Jesus e a ininterrupta corrente de crentes incluída no nós deste parágrafo.
Talvez se devesse tomar o presente do indicativo do verso grego (obscurecido pelo “deu testemunho” de nossa versão) literalmente, no sentido de que o profeta morto há bom tempo, continuava dando testemunho, através das páginas de seu Evangelho (como, por exemplo, nos v. 19-36). Seu corajoso grito, dado por ocasião do seu breve ministério, continuava a ecoar uma geração depois, uma vez que suas palavras tinham sido registradas, João, a exemplo de Abel, embora morto, “ainda fala” (Heb. 11:4).
O conteúdo deste testemunho relacionava-se ao problema da precedência na prática religiosa judaica. Uma vez que Jesus era mais jovem que João e viera a ele a fim de ser batizado, pode-se presumir que pretendeu ser seu seguidor, pois, no judaísmo, a expressão aquele que vem após mim geralmente designava um discípulo (cf. Marc. 1:17; 8:34). João, entretanto, inverteu a relação ao insistir que Jesus lhe passasse à frente, por que ele era um ser preexistente (cf. v. 30).

Ê importante que a súbita entrada parentética do verso 15 não obscurece a íntima relação entre o verso 14 e o verso 16. Como fé é uma questão de aceitar aquele que estava cheio de graça e de verdade, segue-se naturalmente que recebemos da sua plenitude, e graça sobre graça. A curiosa expressão graça sobre graça significa, literalmente, graça “em troca por” ou “em substituição a” mais graça (cf. Rom. 1:17; II Cor. 3:18); em outras palavras, como belamente traduz a Bíblia na Linguagem de Hoje, “bênção e mais bênçãos”. Isto significa que podemos tirar, de sua plenitude, como de uma fonte inesgotável. Uma vez que a graça foi recebida, ela não cessa de crescer. Recebemos “graça em lugar de graça”.
Para ser mais claro, Deus tem sido sempre um Deus de graça. No período do Velho Testamento, a lei foi dada por meio de Moisés; na era cristã, sua imutável graça e verdade vieram por lesus Cristo. A diferença reside não apenas na natureza de Deus, como doador, mas nas potencialidades da graça, para fazê-lo conhecido. Uma pessoa viva, cheia da realeza divina, é um meio mais adequado que os mandamentos escritos sobre as tábuas de pedra.

Nos versos 14-18 reside implícita a superioridade de Cristo sobre Moisés. Em Êxodo 33 e 34, Moisés, a quem Deus falou “face a face” (33:11), pediu que a presença divina também acompanhasse o povo em sua peregrinação à terra prometida (33:14-17). Quando Deus concordou, Moisés pediu-lhe para ver sua glória (33:18), mas recebeu apenas uma revelação oculta, “porquanto homem nenhum pode ver a minha face e viver” (33:20). A despeito desta limitação, o povo pôde conhecer o “nome” (natureza) do Senhor como aquele que transborda em “beneficência e verdade” (34:6); foi esta a base do concerto lavrado sobre as tábuas de pedra (34:1,10,27,28). No prólogo, entretanto, o Logos, que esteve face a face com Deus (v. 1), habitou entre nós, como o “tabernáculo do encontro”, em que a glória de Deus foi vista e onde a plenitude de sua graça e verdade foi recebida, não como uma lei, sobre pedra, mas como uma vida na carne.
Esta comparação chega ao seu climax no verso 18, onde a impossibilidade de Moisés “ver a Deus” (cf. ainda Juí. 13:22; Is. 6:5; João 5:37; 6:46; I João 4:12,20) é substituída pela obra do Unigénito, que o fez conhecido. A força maior desta afirmação torna-se confusa, por algumas variantes textuais, em que alguns manuscritos falam em “unigénito” (mono- genès huios), como acontece em nossa versão, e outras em “único Deus” (mo- nogenês theos), como ocorre em notas marginais. Conquanto seja impossível escolher com absoluta certeza entre estas duas alternativas, as evidências internas do contexto favorecem Filho (para combinar com no seio do Pai); as evidências externas dos manuscritos, porém, favorecem Deus (especialmente os manuscritos mais antigos). Com certeza, no pensamento do Quarto Evangelho, estas opções não se excluem mutuamente, mesmo porque Jesus é compreendido tanto em termos de Deus (como em 1:1; 20:28) como de Filho (a exemplo de 3: 16-18; 5:19-23). De qualquer modo, se a palavra monogenés quer dizer “unigénito”, como nossa versão traduz o verso 14, uma combinação com theos permitiria a seguinte tradução: “Deus, o unigénito”. Por igual modo, a expressão completa poderia ser parafraseada assim: “Aquele que é o Filho único, porque só ele pode ser identificado com Deus.”

A referência a no seio do Pai remete-se à expressão “com Deus”, do verso 1. Visto que, entre estes dois versículos paralelos, a vida terrena de Jesus foi descrita (v. 9-14), podemos aceitar, então, que o verso 18 refere-se ao Senhor exaltado, que realizou a parábola da redenção e se encontra agora “à destra” do Pai, na glória (At. 2:33-34). A ascensão não é enfatizada, entretanto, porque este versículo pretende antecipar a história do evangelho, que logo seria contada e interpretada como um registro dos meios pelos quais o “unigénito... deu a conhecer (o Pai)”. A vida de Jesus era uma revelação do ministério divino (cf. 12; 45; 14:9), um comentário visível (literalmente: “exegese”) do Deus invisível, um Verbo que explicava a pessoa de Deus, que ele desde a eternidade tão intimamente conhecia.

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