O SUMO SACERDOTE
PERFEITO
Hebreus 4:14-16
Aqui nos aproximamos mais da
grande concepção típica do autor de
Hebreus — a de Jesus como
perfeito sumo sacerdote. Para cumprir
perfeitamente sua função o sumo
sacerdote devia estar plenamente em
contato com os homens e com Deus.
Sua tarefa consiste em levar a voz e
a presença de Deus aos homens, e
introduzir os homens à própria
presença divina. O sumo sacerdote
devia conhecer perfeitamente o
homem e a Deus. Isto é o que esta
Carta reclama para Jesus.
(1) Em primeiro termo esta
passagem começa sublinhando a
grandeza infinita e a divindade
absoluta de Jesus. É grande por natureza,
não em virtude dos honras que os
homens lhe conferem ou das
aparências externas. É grande por
direito próprio e em seu ser essencial.
Ele penetrou os céus. Isto pode significar uma de
duas coisas. No Novo
Testamento advertimos diferentes
usos do substantivo céu; pode
significar o firmamento
estrelado; o céu dos anjos, e o supremo céu; o
céu da presença de Deus. Isto
poderia significar que Jesus passou através
de todos os céus que possam
existir e está na própria presença de Deus.
Poderia ser o que quis dizer
Cristina Rossetti: "Os céus não podem
contê-lo." Poderia
significar que Jesus é tão maravilhoso e grande que
até o próprio céu é muito pequeno
para Ele. Ninguém pôs jamais maior
ênfase na infinita grandeza de
Jesus que o autor de Hebreus.
(2) Mas agora se volta do outro
lado. Ninguém esteve nunca mais
convencido da identidade completa
de Jesus com os homens. Ele
suportou tudo o que um homem tem
que suportar. Passou por todas as
experiências humanas. É em tudo
semelhante a nós — exceto em que de
tudo isso emergiu sem pecado.
Agora, antes de examinar mais de perto o
valioso conteúdo desta afirmação
devemos perceber algo. O fato de que
Jesus fosse sem pecado significa
necessariamente que conheceu abismos,
tensões, assaltos e tentações que
nós jamais conhecemos nem
chegaremos a conhecer. Sua luta,
longe de ser mais fácil, foi
extremamente difícil. Qual é a
razão? Nós cedemos à tentação antes que
o tentador use todo seu poder;
somos facilmente derrotados e jamais
experimentamos a tentação em toda
sua força e em seu embate mais
terrível, porque nos desabamos
muito antes de alcançar essa etapa. Mas
Jesus foi tentado como nós — e
muito mais além do que nós. Em seu
caso o tentador usou todos os
seus recursos, mas Jesus se manteve
incomovível.
Pensemos na dor. O organismo
humano pode suportar certo grau de
dor — mas quando se alcança esse
ponto a pessoa desfalece e perde o
sentido; chegou ao limite. Há
agonias de sofrimento que não conhece
devido ao fato de que sobreveio o
colapso. O mesmo ocorre com a
tentação. Sofremos um colapso
perante a tentação. Mas Jesus sofreu
tentações muito maiores que as
nossas, sem desmaiar. Verdadeiramente,
pois, foi tentado em tudo como
nós o somos, e também é verdade que
jamais ninguém foi tentado como
Ele.
(3) Esta experiência de Jesus
teve três efeitos.
(a) Deu-lhe o dom da simpatia. Aqui há algo que devemos
entender, mas nos resulta
difícil. A idéia cristã de Deus como um pai
amante está entretecida na malha
mesmo de nossa mente e coração; mas
era
uma idéia nova.
Para o judeu Deus era santo.
A palavra santo tinha
o
significado de diferente; a idéia fundamental
de Deus é que era diferente,
que pertencia a uma esfera da
vida e do ser completamente diferente da
que é a nossa; que não
participava de nenhum sentido de nossa
experiência humana. De fato era
incapaz de tomar parte nela porque era
Deus. Isto se acentuava ainda
mais no pensamento grego. Os estóicos, os
pensadores gregos de mais vôo,
diziam que o atributo primário de Deus
era a apatheia entendendo
por isso a incapacidade essencial de sentir
algo. Argumentavam que se uma
pessoa pode sentir tristeza ou alegria
isso se deve a que alguma outra
pessoa pode influir nela; pode fazê-la
feliz ou alegre; pode afetá-la.
Agora, se pode afetá-la significa
que ao menos nesse momento essa
pessoa é superior à afetada. Os
gregos sustentavam pois, que ninguém
podia fazer nada a Deus; ninguém
podia afetá-lo de algum modo;
ninguém podia ser maior que Deus.
Portanto Deus devia ser completa e
essencialmente incapaz de sentir
alegria ou tristeza, felicidade ou
tristeza. Os estóicos sustentavam
que a própria essência do ser e natureza
divinos consistiam em que Deus
estava mais além de todo sentimento.
Outra escola importante estava
formada pelos epicureus que afirmavam
que os deuses viviam em perfeita
felicidade e bem-aventurança. Viviam
no que denominavam os intermúndio: os espaços entre os
mundos. E ali
em completo afastamento nem
sequer eram conscientes do mundo.
Os judeus tinham seu Deus diferente,
os estóicos os deuses sem
sentimento, os epicureus os deuses completamente separados. E neste
mundo de pensamento se introduz a
religião cristã com a concepção
incrível de um Deus que
deliberadamente suportou toda a experiência
humana. Plutarco, um dos gregos
mais religiosos, declarava que era
blasfemo envolver a Deus nos
assuntos deste mundo e o cristianismo
veio com a surpreendente
concepção de um Deus que não só está
envolto, mas também identificado
com o sofrimento deste mundo. É-nos
quase impossível ter uma idéia da
revolução que o cristianismo provocou
nas relações do homem com Deus.
Durante séculos se acariciou a idéia
de um Deus intocável; agora se
descobre a um Deus que se submete a
tudo o que os homens devem
submeter-se.
(b) Agora; isto conduz a
dois resultados. Confere a Deus a
qualidade da misericórdia. É fácil ver
por quê: porque Deus entende.
Alguns viveram uma vida protegida
de todo ímpeto de tormenta; outros
uma vida fácil sem as tentações
que acossam àqueles para quem a vida
não foi tão fácil; outros têm um
temperamento e uma natureza fáceis de
dominar; outros têm o coração ou
as paixões ardentes, que fazem com
que para eles a vida seja
perigosa. O homem que vive protegido é de
uma natureza não inflamável
dificilmente entende por que os outros
caem; sente-se vagamente
aborrecido e contrariado; não pode senão
condenar o que não é capaz de
entender. Mas Deus conhece tudo.
"Conhecer tudo é perdoar
tudo": de ninguém é isto mais verdade que de
John Foster narra em
um de seus livros como certo dia ao voltar
para casa encontrou a
sua filha desfeita em lágrimas frente à rádio.
Perguntou-lhe por
quê. Soube que o informativo desse dia continha a
oração: "Os
tanques japoneses entraram hoje em Cantão". A maioria das
pessoas terão ouvido
esta notícia sem o mais mínimo sentimento de
condolência. Os
estadistas talvez a terão escutado com um sentimento de
lúgubre
pressentimento. Para a grande maioria terá sido indiferente. Por
que, então, a filha
do John Foster se desfazia em lágrimas? Porque
justamente tinha
nascido em Cantão. Para ela Cantão significava uma
casa, uma ama, uma
escola, uns amigos e um lugar muito querido. A
diferença consistia
em que ela tinha estado ali.
O ter estado ali faz
toda a diferença. E não há nenhum âmbito da
experiência humana do
qual Deus não possa dizer: "Eu estive ali".
Quando temos uma
história triste e lamentável que contar, quando a vida
nos empapa nas
lágrimas do sofrimento, não dirigimos a um Deus que
seja absolutamente
incapaz de entender o que nos aconteceu; vamos a
um Deus que
"esteve ali". Esta é a razão por que — se podemos
expressar desta
maneira — para Deus é fácil perdoar.
(c) Torna Deus capaz
de ajudar. Ele conhece nossos problemas
porque passou por
eles. A pessoa melhor para nos brindar informação e
ajuda numa viagem é a
que já fez antes a travessia. A pessoa melhor para
nos ajudar a suportar
uma enfermidade é a que passou por ela. Deus
pode ajudar porque
conhece tudo.
Eis aqui pois, a
tremenda verdade. Jesus é o Sumo sacerdote
perfeito porque é
perfeitamente Deus e perfeitamente homem; porque
conheceu nossa vida
pode nos brindar simpatia, misericórdia e poder;
Ele trouxe Deus aos
homens e pode levar os homens a Deus.
Fonte: Comentário Bíblico de William Barclay.
Por: Leon Denis Corrêa
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