MAIOR QUE O
MAIOR (Jesus Superior a Moisés)
Hebreus 3:1-6
Lembremos de novo a convicção com
a qual começa o autor de
Hebreus. A base de todo seu
pensamento está em que a plena e suprema
revelação de Deus vem através de
Jesus Cristo, que só por meio de Jesus
o homem tem verdadeiro acesso a
Deus. Começou demonstrando que
Jesus foi superior aos profetas;
continuou provando que Jesus supera os
anjos; e agora passa a demonstrar
a superioridade de Jesus sobre Moisés.
À primeira vista pareceria
tratar-se de um anticlímax. Mas não é
assim, porque no pensamento judeu
Moisés ocupava um lugar
absolutamente singular. Moisés
foi o homem com quem Deus falou face
a face, como se fala com um
amigo; foi o receptor direto dos dez
mandamentos — a lei de Deus —
quer dizer, o mais importante do
mundo para o judeu. Moisés e a
Lei eram virtualmente uma e a mesma
coisa.
Um mestre judeu do segundo
século, o rabino José Ben Jalafta,
dizia comentando esta mesma
passagem: "Deus chama Moisés fiel em
toda sua casa e desta maneira o
coloca numa categoria superior aos anjos
que o servem." Por esta
razão para o judeu o passo que dá o autor de
Hebreus é lógico e inevitável. Se
Jesus for superior aos anjos agora
deverá demonstrar que é superior
a Moisés que por sua vez supera os
anjos. Esta mesma citação é
índice da posição que os judeus atribuíam a
Moisés. "Moisés foi fiel em
toda a casa de Deus", é uma citação de
Números 12:6-7. Agora, a
argumentação de Números estabelece que
Moisés difere de todos os
profetas. A estes Deus se manifestava numa
visão; a Moisés fala "boca a
boca". Teria sido impossível que um judeu
concebesse que alguém jamais
teria estado mais perto de Deus que
Moisés; e isto é precisamente o
que o autor de Hebreus se propõe provar.
O autor pede a seus leitores que considerem Jesus. Usa uma
palavra
interessante e sugestiva. A
palavra katanoein. Agora,
esta palavra não
significa simplesmente olhar algo
ou perceber alguma coisa. Qualquer
pessoa pode olhar ou perceber
algo sem ver realmente. Significa fixar a
atenção em algo ou em alguém de
tal maneira que seu significado
profundo e a lição que dá possam
ser assimilados. Em Lucas 12:24 Jesus
usa a mesma palavra quando diz: "Considerem os corvos." Não
quer
dizer simplesmente "Lancem
uma olhada aos corvos" mas sim "Olhem
os corvos, entendam e aprendam a lição que Deus lhes dá
neles." Se
tivermos que aprender a verdade
cristã, não é suficiente um olhar opaco,
desinteressado e desprendido;
devemos concentrar nosso olhar com um
esforço da mente para ver o que
significa para nós.
Em certo sentido a razão está
implícita quando o autor fala
com seus amigos como a participantes da chamada celestial. O convite,
o chamado que recebe um cristão
têm uma dupla direção. É um chamado
do céu e para o céu; uma voz que
vem de Deus e nos convoca a Deus; é
uma chamada que exige uma atenção
concentrada tanto por sua origem
como por seu destino, tanto por
sua fonte como por seu propósito. Não
se pode olhar desinteressadamente
um convite a Deus e desde Deus.
O que vemos, então, quando
fixamos nossa atenção em Jesus?
Percebemos duas coisas.
(1) Vemos o grande apóstolo. Agora, nenhum outro no
Novo
Testamento jamais chamou apóstolo a Jesus. O fato
do autor de Hebreus
fazê-lo deliberadamente é
absolutamente claro, porque nunca dá o título
de apóstolo a nenhum homem nem o usa para denominar
algum cargo ou
posição dentro da Igreja. Reserva
o termo para Cristo. Mas, o que quer
dizer ao usá-lo assim? O
substantivo apostolos significa
literariamente
aquele
que é enviado. Na terminologia
judia descrevia os enviados do
sinédrio, a corte suprema judia.
O sinédrio enviava apostolos
investidos
de sua autoridade e portadores de
suas ordens. No mundo grego significa
freqüentemente embaixador. Neste caso Jesus é o
supremo embaixador
de Deus.
Qual é a característica do
embaixador? Podem-se indicar dois de
suma importância.
(a) O embaixador
está investido com todo o poder e a autoridade do
país ou do rei que o envia.
Numa ocasião o rei de Síria,
Antíoco Epifânio, tinha invadido o
Egito. Roma desejava detê-lo e
para isso recorreu a um enviado chamado
Popilio para que persuadisse
Antíoco a abandonar a invasão projetada.
Popilio o alcançou na fronteira
egípcia. Conversaram de tudo já que se
tinham conhecido em Roma. Popilio
não se tinha apresentado com um
exército, nem sequer com um
guarda, sem força alguma. No final
Antíoco lhe perguntou pelo motivo
de sua viagem. Com toda calma lhe
respondeu que Roma desejava que
abandonasse a invasão e retornasse a
seu país. "Vou ter isso em
conta", disse Antíoco. Popilio sorriu com um
olhar inquisidor e com sua
fortificação traçou um círculo em torno de
Antíoco dizendo-lhe:
"Considera-o e decida antes de abandonar este
círculo." Antíoco o pensou
uns segundos e logo disse: "Pois bem,
retornarei a casa." Popilio
não dispunha da mais mínima força, mas atrás
dele estava todo o poder de Roma.
O embaixador estava revestido com a
autoridade do império do que
provinha. Assim também Jesus veio de
Deus revestido com todo o poder
de Deus. Toda a graça, a misericórdia,
o amor e o poder de Deus estavam
em seu embaixador, seu apostolos,
Jesus Cristo.
(b) A voz do
embaixador é a voz do país ou do rei que o envia.
Num país estrangeiro o embaixador
fala por sua pátria. É a voz de seu
país. Assim Jesus veio com a voz de
Deus; nele fala Deus. Ouvi-lo é
ouvir a voz de Deus.
(2) Jesus é o
grande sumo sacerdote. Qual é o alcance desta
expressão? A idéia ocorre com
freqüência na Carta. Por agora, nos
conformemos estabelecendo seu
significado fundamental. A palavra
latina para sacerdote é pontifex que significa construtor de pontes.
O
sacerdote é a pessoa que estende
uma ponte entre o homem e Deus. Para
isto deve conhecer tanto ao homem
como a Deus; deve ser capaz de falar
a Deus em nome dos homens e aos
homens em nome de Deus. Jesus é o
sumo sacerdote perfeito porque é
perfeitamente homem e Deus; porque
pode representar os homens
perante Deus e Deus perante os homens;
nele Deus se aproxima do homem e
o homem se aproxima a Deus; nele
Deus vem aos homens e os homens
vão a Deus.
Onde reside, pois, a
superioridade de Jesus sobre Moisés? A
imagem que o autor de Hebreus tem
em mente é a seguinte. Concebe o
mundo como a casa e a família de
Deus. Nós usamos a palavra casa num
duplo sentido: como edifício e
como família composta por pessoas.
Falamos de uma casa construída
por um arquiteto e da casa dos Hanover
constituída por uma família. Os
gregos utilizavam a palavra oikos
com o
mesmo sentido duplo. Portanto, o
mundo é a casa de Deus e os homens
são sua família. Mas pouco antes
nos mostrou a imagem de Jesus como
Criador do universo de Deus.
Agora, Moisés só constituía uma parte
deste universo; foi homem e
trabalhou num mundo criado; era parte da
casa e membro da família. Mas
Jesus é criador da casa e, portanto, deve
permanecer sobre a mesma. Moisés
não criou a Lei; só foi seu
transmissor; não criou a casa; só
serviu nela; nunca falou por si mesmo;
tudo o disse assinalou só as
coisas maiores que Jesus Cristo faria algum
dia. Em síntese, Moisés foi o servo, Jesus Cristo o Filho: Moisés
conheceu algo sobre Deus, Jesus era Deus. Nisto reside a
grandeza de
Jesus e o segredo de sua
superioridade exclusiva.
A seguir o autor de Hebreus
introduz outra imagem. É certo que
todo mundo é a casa de Deus, mas
a Igreja o é num sentido especial, pois
Deus edificou a Igreja, criou-a e
lhe deu existência. Esta é uma descrição
muito cara aos escritores do Novo
Testamento (cf. 1 Pedro 4:17; 1
Timóteo 3:15 e especialmente 1
Pedro 2:5). E este edifício da Igreja só
se manterá em pé, firme e
indestrutível, quando cada pedra se mantenha
incomovível, quer dizer, quando
cada membro esteja firme na orgulhosa
e confiada esperança que tem
Jesus Cristo. Cada um de nós é uma pedra
da Igreja. Se uma pedra for
fraca, todo o edifício corre perigo de
desmoronamento; a Igreja só pode
permanecer firme quando cada pedra
viva se arraiga e se
fundamenta em Jesus Cristo pela fé.
Fonte: Comentário Bíblico William Barclay
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