A NOVA RELAÇÃO
Hebreus 8:7-13
Aqui o autor de Hebreus começa a
tratar uma das grandes idéias
bíblicas básicas: a de uma
aliança. Na Bíblia a palavra grega que sempre
se usa para aliança é diatheke.
Como veremos existe uma razão especial
para a escolha desta palavra
inusitada. Comumente uma aliança é um
acordo entre duas pessoas. O
acordo depende de condições que ambas as
partes aceitam: se alguém romper
as condições da aliança, a própria
aliança fica anulada.
Algumas vezes o termo usa-se no Antigo
Testamento neste sentido
simples. Por exemplo, aplica-se à
aliança que os gibeonitas desejavam
estabelecer com Josué (Josué
9:6); à aliança proibida com os cananeus
(Juízes 2:2); à aliança de
Davi com Jônatas (1 Samuel 23:18). Mas seu
uso característico é descrever a
relação entre Israel e Deus. “Guardai-vos
não vos esqueçais da aliança do
SENHOR, vosso Deus” (Deut. 4:23).
No Novo Testamento a palavra
também se usa para descrever as
relações entre Deus e o homem.
Mas há um ponto estranho que requer
explicação. A palavra grega para
acordo no uso normal é syntheke.
Syntheke é o termo para
uma aliança matrimonial; para o acordo entre
dois estados. Sempre no grego
ordinário toda classe de compromisso ou
acordo ou aliança é sempre uma syntheke.
Além disso, normalmente, em
grego diatheke significa
não acordo, mas sim testamento.
Por que usaria o Novo Testamento
esta palavra inusitada para
aliança? A razão é a seguinte: syntheke
descreve sempre um acordo em
termos de igualdade. As partes
que intervêm na syntheke estão no
mesmo nível e podem negociar em
igualdade de condições. Mas Deus e
o homem não se encontram em
igualdade de condições. No sentido
bíblico de aliança toda
aproximação e oferecimento procedem de Deus: é
Deus aquele que vem ao homem,
oferece-lhe uma relação consigo, e
estabelece os termos nos quais a
relação se fará efetiva. O homem não
pode negociar com Deus, não pode
discutir os termos e as condições da
aliança. Só pode aceitar ou
rechaçar o oferecimento que Deus lhe faz
mas de maneira nenhuma pode
alterá-lo ou mudar seus termos.
Agora, o exemplo supremo de tal
acordo é de fato um testamento.
As condições do testamento não se
dão pela igualdade dos que
participam mas sim só por uma
pessoa: o testador; a outra parte não pode
alterá-las como não poderia
tê-las estabelecido. O testamento é feito por
uma só pessoa, e a outra parte só
pode aceitar ou rechaçar a herança
como lhe é oferecida. Esta é a
razão pela qual nossa relação com Deus se
descreve como diatheke,
como uma aliança entre partes, das quais só
uma é a responsável. Nossa
relação com Deus é-nos oferecida só por
iniciativa e graça de Deus. Como
dizia Filo: "A Deus corresponde dar e
ao homem sábio receber."
Quando usamos a palavra aliança e pensamos
em termos de contrato lembremos
sempre que não pode significar um
negócio do homem com Deus em
paridade de condições. Significa
sempre que toda a iniciativa é de
Deus; os termos são postos por Deus e
o homem não pode no mais mínimo
alterá-los.
Agora, a antiga alterá-los, tão
bem conhecida pelos judeus, tinha
sido feita com o povo depois de
proclamar a Lei. Deus aproximou-se
graciosamente do povo de Israel e
lhe ofereceu uma relação única e
especial consigo. Mas essa
relação dependia inteiramente de uma coisa:
da observância da Lei. Vemos que
os israelitas aceitam esta condição em
Êxodo 24:1-8. A aliança de Deus
com seu povo lhes oferecia uma
relação especial com Ele, mas
estabelecia com toda clareza que essa
relação só poderia subsistir
enquanto o povo obedecesse a Lei divina. O
argumento do autor de Hebreus é
que essa antiga aliança foi anulada e
que Jesus trouxe uma nova
aliança, uma nova relação com Deus.
No pensamento desta passagem
podemos distinguir certas
características da nova aliança
de Jesus.
(1) O autor começa assinalando
que a idéia de uma nova aliança
não é algo revolucionário. Já se
encontra no Antigo Testamento em
Jeremias 31:31-34 que cita por
inteiro; não é uma heresia nova e
estranha que ele inventou: já
estava em Jeremias séculos antes. Além
disso, o próprio fato de que a
Escritura fale de uma nova aliança mostra
que a antiga não era inteiramente
satisfatória; de outra maneira nunca
teria sido necessário mencionar
uma nova aliança. Portanto é preciso
notar-se que a própria Escritura
tem em conta uma nova aliança e
assinala assim que a antiga não
era de modo algum perfeita.
(2) Esta aliança não só será
nova; será qualitativamente diferente.
Em grego há duas palavras para novo.
Neos descreve algo novo do ponto
de vista do tempo. Uma coisa que
é neos pode ser uma cópia exata de
suas antecessoras, mas nova do
ponto de vista do tempo por ter sido feita
com posterioridade. Pelo
contrário kainos significa novo não só do ponto
de vista do tempo, mas também da
qualidade. Algo que é uma simples
reprodução é novo no sentido de neos,
mas não no sentido de kainos.
Agora, esta aliança que se
introduz é kainos, não meramente neos: difere
qualitativamente da aliança
antiga. De fato o autor usa duas palavras
para descrever a aliança antiga.
Diz que é geraskon que significa não só
envelhecido mas também em
decadência. Diz que está próximo a
afasnismos. Agora, afasnismos
é a palavra que se usa para arrasar uma
cidade, apagar uma inscrição ou
abolir inteiramente uma lei; indica uma
eliminação ou anulação total.
Desta maneira a aliança que Jesus introduz
é nova qualitativamente e anula a
antiga, eliminando-a totalmente.
(3) No que é nova esta aliança? É
nova em seu alcance. Incluirá a
casa de Israel e
a casa do Judá.
Agora, mil anos antes, nos dias de
Roboão, o reino se dividiu em
dois: Israel com dez tribos e Judá com
duas. Duas partes que nunca
voltaram a unir-se de novo. a nova aliança
uniria o que se tinha dividido,
eliminaria os cismas, faria com que os
antigos inimigos achassem a
unidade.
(4) É nova em sua
universalidade. Todos os homens do menor até o
maior conhecerão a Deus. Isto era
algo inteiramente novo. Na vida
comum dos judeus havia uma
divisão completa. De um lado estavam os
fariseus e ortodoxos que
observavam a Lei; do outro lado os que eram
chamados depreciativamente
"o povo da terra". Estes eram o povo
comum e simples que não observava
plenamente todos os detalhes da
Lei ritual. Por isso eram o
objeto de todo desprezo. Estava proibido ter
vinculação alguma com eles; casar
uma filha com um deles era tão mau
ou pior que lançá-la às feras
selvagens; era proibido viajar com eles e
na medida do possível ter
relacionamento ou negócio com eles. Para os
observantes rigorosos da Lei o
povo comum não pertencia à boa
sociedade. Mas na nova aliança
não existiam mais brechas nem fissuras.
Abrangeria todos os homens. Já
não existiria uma classe especialmente
privilegiada. Todos os homens —
sábios e ignorantes, grandes e
pequenos — chegariam a conhecer
ao Senhor. As portas que tinham
estado fechadas se haviam
totalmente aberto.
(5) Mas havia uma diferença ainda
mais fundamental. a antiga
aliança dependia da obediência a
uma lei que se impunha externamente.
A nova aliança seria escrita
nas mentes e nos corações dos homens.
Para expressá-lo de outra
maneira, os homens obedeceriam a Deus não
levados pelo medo ou o castigo,
mas sim porque o amavam; não porque
a Lei ordenasse fazê-lo
forçosamente, mas sim porque o desejo de
obedecê-lo estaria escrito em
seus próprios corações. Não seria uma lei
externa, obedecida com
relutância; o desejo de obedecer estaria no
próprio coração do homem.
(6) Seria uma aliança cujo
resultado seria realmente o perdão.
Vejamos agora como terá lugar
este perdão. Deus havia dito que teria
consideração de
suas iniqüidades e esqueceria os seus pecados. Agora,
todo isto é de Deus. A nova
relação se baseia inteiramente no amor de
Deus. Sob a antiga aliança o
homem só podia manter esta relação com
Deus obedecendo à Lei, quer
dizer, mediante seu próprio esforço. Agora
pelo contrário tudo depende não
do esforço do homem, mas sim da
graça, do amor e da misericórdia
de Deus. A nova aliança coloca os
homens em relação a um Deus que é
ainda o Deus de justiça, mas cuja
justiça é eclipsada por seu amor.
O mais tremendo da nova aliança é que
a relação do homem com Deus já
não depende da obediência humana,
mas sim inteiramente do amor de
Deus. Ainda é preciso adicionar algo mais. Nas palavras de Jeremias
sobre a nova aliança não há
nenhuma menção do sacrifício. Pareceria
que Jeremias cria que na nova era
o sacrifício seria abolido por carecer
de pertinência; mas o autor não
pode pensar a não ser em termos do
sistema sacrificial; e muito em
breve falará de Jesus como do sacrifício
perfeito, cuja morte unicamente fez possível aos
homens a nova aliança.
Fonte: Comentário Biblico, WilliaBarclay, do N.T.
De que versão grega você está falando? Certamente não é a LXX pois na mesma não aparece o termo συνθήκη.
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